Em
meio à rápida trajetória de declínio da General Motors como um todo,
não demoraria que uma das muitas marcas da corporação tivesse
anunciada sua extinção, como parte das medidas de contenção de
custos para tentar salvar o conglomerado. E aconteceu com a Pontiac:
no fim de abril a GM divulgou que a marca não passa do próximo ano.
Para quem — como, tenho certeza, a maioria dos leitores do Best
Cars — vê o automóvel como muito mais que um meio de transporte,
o fim da Pontiac é um fato a se lamentar, mesmo que a marca não
tenha chegado ao mercado brasileiro mediante representação oficial
na fase atual de importações. Isso porque a divisão significava o
braço entusiasta da GM, a marca mais voltada a estimular os sentidos
de quem vê e dirige seus carros — não à toa, usou por tempos o mote
Driving excitement.
Ao contrário de Buick, Cadillac, Chevrolet, Holden, Hummer, Oakland,
Opel, Saab ou Vauxhall, a Pontiac não foi adquirida de terceiros:
ela nasceu já dentro da GM, em 1926, como uma "marca de companhia"
para a Oakland, em um tempo de expansão da gama de produtos da
corporação para atingir novos públicos. O nome de seu primeiro
modelo, o Chief de 1927 — inspirado no Chief Pontiac, um chefe
indígena norte-americano que lutou contra os ingleses —,
reapareceria de certa forma no Chieftain de 1949 e no Star Chief de
1954.
Na década de 1950 a marca entrava em um período de brilho. Semon "Bunkie"
Knudsen, seu gerente geral, contou com E. M. Estes e John Z.
DeLorean no departamento de engenharia para criar carros atraentes,
de grande desempenho e que marcaram época. Surgiram assim o
Bonneville em 1957, o Catalina em
1959, o compacto Tempest em 1961 e sua
versão Le Mans um ano depois, ao mesmo tempo do cupê
Grand Prix.
Então veio o GTO, em 1964, o
início de uma grande era para a divisão. Incentivada por Jim Wangers,
da agência de publicidade que servia à marca, ela aplicou ao Tempest
o maior motor V8 disponível em sua prateleira. Nascia assim o
primeiro "carro musculoso", ou muscle car, o criador de uma
tendência muito forte nos Estados Unidos — até que pressões das
companhias de seguro, normas de emissões poluentes e a primeira
crise do petróleo enterrassem a ideia. Ainda nos anos 60 a Pontiac
contou com o Firebird, sua
versão do Chevrolet Camaro,
com suficiente diferenciação visual para ter mantido vida própria
até que o fim chegasse para ambos em 2002. |
![Fabrício Samahá, editor](../carros/outros2/fabricio-5m.jpg) |
Combustível para a alma
Para se manter viva, uma marca voltada a entusiastas precisa de
combustível para a alma — aliás, um recente e grande mote da Pontiac,
Fuel for the soul. E foi o que começou a faltar. Diante da
necessidade de produzir carros mais econômicos, ela lançou compactos
de pouco sucesso como o Astre (versão do
Chevrolet Vega), o T1000 (Chevette),
o Phoenix (Citation),
o Sunbird e seu sucessor Sunfire (Cavalier),
o Le Mans (um Kadett feito
pela Daewoo na Coreia do Sul) e o recente G3 (Chevrolet Aveo).
Compensava esse fato o de que a Pontiac ainda era desejada pelos
modelos esporte — até mesmo o pequeno
Fiero de motor central, caso raro em que outras divisões da GM
não tiveram direito a variações. Derivado do Firebird, o Trans Am
brilhou nos cinemas no filme Agarre-me se Puderes (Smokey
and the Bandit, 1977) e na TV com o seriado A Super Máquina
(Knight Rider, 1982-1986).
Mas a identidade da marca também se perdeu ao precisar oferecer
carros nada esportivos como a minivan Montana — fruto de uma mania
de Detroit tão antiga quanto a própria indústria automobilística, a
de oferecer diversas versões muito parecidas do mesmo carro, às
vezes só diferenciadas pelo logotipo. Na década de 1990 a Pontiac
também se tornou sinônimo de excessos de estilo, como as molduras
plásticas estriadas que tomaram conta de sua linha e a grade dupla
cada vez mais protuberante.
E, por falar em estilo, impossível esquecer o fracasso do Aztek, um
crossover de conceito que chegou à
produção com a expectativa de vender 75 mil unidades por ano. Eleito
um dos carros mais feios do mundo em enquetes as mais diversas,
nunca chegou a 28 mil anuais, mesmo a GM tendo estimulado suas
vendas a frotistas e colocado esses carros nas mãos de executivos da
empresa.
Lição aprendida, a Pontiac passou por relativa recuperação nesta
década. As molduras estriadas — e o Aztek — se foram, a estética
evoluiu e, em 2004, a Holden australiana passou a lhe fornecer seu
cupê Monaro, da mesma linha do Omega vendido no Brasil. O nome era
apelativo, GTO, mas o carro não emplacou. Nova tentativa foi feita
com o sedã Commodore da Holden, renomeado G8. Surgiu também o
atraente roadster Solstice,
de grandes atributos, e até se falava na possibilidade de um novo
Firebird feito a partir do
Camaro atual.
Parecia o cenário ideal para a retomada, até que veio a crise
econômica mundial — o resto é conhecido.
Depois de 84 anos de altos e baixos, a Pontiac desaparecerá em 2010.
Já se sabe que o Solstice sai de produção, enquanto o G8 pode ter
sobrevida com o logotipo Chevrolet. Para os entusiastas, a GM
norte-americana perde uma parte importante, talvez a mais relevante
delas, o que mostra que a paixão não significa muito quando as
finanças vão mal.
Que o grande chefe descanse em paz. |
Uma marca voltada a entusiastas precisa de combustível para a alma.
E foi o que começou a faltar diante da necessidade de produzir
carros mais econômicos. |