O chefe se despede

Depois de oito décadas de glória e infortúnio, a divisão
Pontiac da GM passa à história no próximo ano

por Fabrício Samahá

Em meio à rápida trajetória de declínio da General Motors como um todo, não demoraria que uma das muitas marcas da corporação tivesse anunciada sua extinção, como parte das medidas de contenção de custos para tentar salvar o conglomerado. E aconteceu com a Pontiac: no fim de abril a GM divulgou que a marca não passa do próximo ano.

Para quem — como, tenho certeza, a maioria dos leitores do Best Cars — vê o automóvel como muito mais que um meio de transporte, o fim da Pontiac é um fato a se lamentar, mesmo que a marca não tenha chegado ao mercado brasileiro mediante representação oficial na fase atual de importações. Isso porque a divisão significava o braço entusiasta da GM, a marca mais voltada a estimular os sentidos de quem vê e dirige seus carros — não à toa, usou por tempos o mote Driving excitement.

Ao contrário de Buick, Cadillac, Chevrolet, Holden, Hummer, Oakland, Opel, Saab ou Vauxhall, a Pontiac não foi adquirida de terceiros: ela nasceu já dentro da GM, em 1926, como uma "marca de companhia" para a Oakland, em um tempo de expansão da gama de produtos da corporação para atingir novos públicos. O nome de seu primeiro modelo, o Chief de 1927 — inspirado no Chief Pontiac, um chefe indígena norte-americano que lutou contra os ingleses —, reapareceria de certa forma no Chieftain de 1949 e no Star Chief de 1954.

Na década de 1950 a marca entrava em um período de brilho. Semon "Bunkie" Knudsen, seu gerente geral, contou com E. M. Estes e John Z. DeLorean no departamento de engenharia para criar carros atraentes, de grande desempenho e que marcaram época. Surgiram assim o Bonneville em 1957, o Catalina em 1959, o compacto Tempest em 1961 e sua versão Le Mans um ano depois, ao mesmo tempo do cupê Grand Prix.

Então veio o GTO, em 1964, o início de uma grande era para a divisão. Incentivada por Jim Wangers, da agência de publicidade que servia à marca, ela aplicou ao Tempest o maior motor V8 disponível em sua prateleira. Nascia assim o primeiro "carro musculoso", ou muscle car, o criador de uma tendência muito forte nos Estados Unidos — até que pressões das companhias de seguro, normas de emissões poluentes e a primeira crise do petróleo enterrassem a ideia. Ainda nos anos 60 a Pontiac contou com o Firebird, sua versão do Chevrolet Camaro, com suficiente diferenciação visual para ter mantido vida própria até que o fim chegasse para ambos em 2002.

Fabrício Samahá, editor

Combustível para a alma
Para se manter viva, uma marca voltada a entusiastas precisa de combustível para a alma — aliás, um recente e grande mote da Pontiac, Fuel for the soul. E foi o que começou a faltar. Diante da necessidade de produzir carros mais econômicos, ela lançou compactos de pouco sucesso como o Astre (versão do Chevrolet Vega), o T1000 (Chevette), o Phoenix (Citation), o Sunbird e seu sucessor Sunfire (Cavalier), o Le Mans (um Kadett feito pela Daewoo na Coreia do Sul) e o recente G3 (Chevrolet Aveo).

Compensava esse fato o de que a Pontiac ainda era desejada pelos modelos esporte — até mesmo o pequeno Fiero de motor central, caso raro em que outras divisões da GM não tiveram direito a variações. Derivado do Firebird, o Trans Am brilhou nos cinemas no filme Agarre-me se Puderes (Smokey and the Bandit, 1977) e na TV com o seriado A Super Máquina (Knight Rider, 1982-1986).

Mas a identidade da marca também se perdeu ao precisar oferecer carros nada esportivos como a minivan Montana — fruto de uma mania de Detroit tão antiga quanto a própria indústria automobilística, a de oferecer diversas versões muito parecidas do mesmo carro, às vezes só diferenciadas pelo logotipo. Na década de 1990 a Pontiac também se tornou sinônimo de excessos de estilo, como as molduras plásticas estriadas que tomaram conta de sua linha e a grade dupla cada vez mais protuberante.

E, por falar em estilo, impossível esquecer o fracasso do Aztek, um crossover de conceito que chegou à produção com a expectativa de vender 75 mil unidades por ano. Eleito um dos carros mais feios do mundo em enquetes as mais diversas, nunca chegou a 28 mil anuais, mesmo a GM tendo estimulado suas vendas a frotistas e colocado esses carros nas mãos de executivos da empresa.

Lição aprendida, a Pontiac passou por relativa recuperação nesta década. As molduras estriadas — e o Aztek — se foram, a estética evoluiu e, em 2004, a Holden australiana passou a lhe fornecer seu cupê Monaro, da mesma linha do Omega vendido no Brasil. O nome era apelativo, GTO, mas o carro não emplacou. Nova tentativa foi feita com o sedã Commodore da Holden, renomeado G8. Surgiu também o atraente roadster Solstice, de grandes atributos, e até se falava na possibilidade de um novo Firebird feito a partir do Camaro atual. Parecia o cenário ideal para a retomada, até que veio a crise econômica mundial — o resto é conhecido.

Depois de 84 anos de altos e baixos, a Pontiac desaparecerá em 2010. Já se sabe que o Solstice sai de produção, enquanto o G8 pode ter sobrevida com o logotipo Chevrolet. Para os entusiastas, a GM norte-americana perde uma parte importante, talvez a mais relevante delas, o que mostra que a paixão não significa muito quando as finanças vão mal.

Que o grande chefe descanse em paz.

Uma marca voltada a entusiastas precisa de combustível para a alma. E foi o que começou a faltar diante da necessidade de produzir carros mais econômicos.

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Data de publicação: 9/5/09

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