Apenas boa intenção

A divulgação do consumo de combustível em etiqueta nos
veículos, que deveria ser obrigatória, requer alguns acertos

por Fabrício Samahá

Quando vai comprar uma geladeira, um chuveiro ou um ar-condicionado, o consumidor pode comparar as classificações de diferentes marcas e modelos pelo consumo de energia elétrica, definidas pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) e que constam de uma etiqueta afixada ao produto. Em outros países, quando se vai escolher um automóvel, também existe ampla informação sobre o consumo médio de combustível, fator que muitas vezes é decisivo na compra.

No entanto, por aqui as coisas vinham sendo bem diferentes: diversos fabricantes de carros deixam de informar os índices de consumo, tanto nos manuais e materiais de divulgação quanto nas informações à imprensa. Assim, é positivo o lançamento do Programa Brasileiro de Eficiência e Etiquetagem Veicular, que neste mês de abril passou a classificar pelo consumo em cinco categorias, de A (mais econômico) até E (mais gastador), os veículos inscritos no programa. Há oito classes de veículos (subcompacto, compacto, médio, grande, esportivo, fora-de-estrada, comercial leve e comercial derivado de carro de passeio), de modo que um modelo de maior consumo pode receber melhor classificação que outro mais econômico, caso sejam de classes diferentes.

As medições de consumo que definem a classificação são as mesmas já divulgadas há anos por alguns fabricantes, efetuadas pela norma 7024 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Esses testes padronizados, feitos em laboratório com o carro sobre rolos, simulam condições de uso urbano e rodoviário que são as mesmas para todos os modelos, o que torna viável a comparação entre diferentes marcas. Os padrões são bastante brandos, o que leva a valores um tanto positivos — alguns carros chegam a mais de 20 km/l de gasolina no ciclo de rodovia.

São brandos porque refletem condições leves de uso, sempre com ar-condicionado desligado e sem outros fatores que aumentam o consumo na vida real, como maus hábitos ao volante, carga desnecessária transportada no carro, uso contínuo do motor na fase fria (há o ciclo de motor frio na norma, mas ele representa apenas parte da medição), congestionamentos anormais e até desleixos na manutenção. Assim, é fácil perceber que na prática serão poucos — se é que existirão — os motoristas a conseguir repetir as marcas de consumo alcançadas pelos testes de laboratório. E aí começa o problema.

Quem compra um carro com o anúncio oficial de que faz 15 km/l, mas obtém apenas 8 ou 10, tende a achar que levou gato por lebre. Desses, muitos recorrem à Justiça contra os fabricantes e alguns ganham as causas — ou porque há mesmo algo anormal nos carros, ou porque as condições de uso são mais severas, ou um pouco pelos dois fatores. Pode-se supor que isso aconteça em qualquer lugar do mundo, mas aqui, por não ser obrigatória a divulgação dos índices, algumas marcas optaram pela alternativa fácil de omitir os valores de consumo e deixar o consumidor às escuras, sem referência. Se ninguém disser que seriam 15 km/l, não cabe reclamar que foram só 6...

Fabrício Samahá, editor

Facultativa
Dentro desse quadro, a etiquetagem é bem-vinda na medida em que facilita o acesso à informação disponível ao consumidor. Se antes seria necessário consultar os índices de consumo no site do fabricante, em um material de divulgação ou publicação especializada, com a etiqueta esse importante elemento passa a ficar à vista já no saguão da concessionária, assim como o adesivo referente ao consumo de um eletrodoméstico.

Contudo, a meu ver a medida tem alguns graves defeitos. O maior deles é que a adesão do fabricante é facultativa e mesmo a empresa participante não precisa submeter todos os modelos à classificação. Desta primeira fase, divulgada dia 17, participam apenas Fiat, General Motors, Honda, Kia e Volkswagen e não com toda sua linhas. Estão classificados os seguintes modelos e versões (com as notas de consumo entre parênteses): Subcompactos - Mille Economy (A), Kia Picanto (A), Celta 1,0 e 1,4 (C), Palio 1,4 e 1,8 (E). Compactos - Gol 1,0 (A), Polo BlueMotion (A), Fit 1,4 de caixa manual (A) e automática (B), Gol 1,6 (B), Prisma 1,0 (B), Fit 1,5 manual e automático (C), Prisma 1,4 (C), Punto 1,4 (C), Classic 1,0 (D), Corsa 1,4 (D), Idea 1,4 (E), Siena 1,8 (E). Nas demais classes, ou não há modelos inscritos ou seu volume foi considerado insuficiente para comparação, caso em que o Inmetro apenas informa os índices de consumo.

Com a adesão facultativa, a etiquetagem pode acabar não surtindo o efeito desejado de facilitar a comparação. Se já havia diversas marcas que omitiam os índices, não há por que imaginar que todas venham a aderir ao programa e se tornar passíveis de contestações judiciais, que as levaram à omissão no passado. O ideal seria a imposição da etiquetagem a todas as empresas, com um prazo razoável para adequação e extensiva a todos os modelos e versões. Nota-se, por exemplo, que apenas o Polo BlueMotion (extensamente alterado para reduzir o consumo) foi inscrito pela VW. Por que não as demais versões da linha Polo?

Nos países desenvolvidos a informação pública de consumo é obrigatória e, no caso da Europa, exige-se também a da emissão de gás carbônico (CO2), em gramas por quilômetro rodado, que está vinculada ao consumo. Há até mesmo cobrança de impostos diferenciada conforme a emissão do veículo e, diante da consciência ambiental que tomou conta do planeta nos últimos anos, tem sido comum que os fabricantes, ao apresentar estudos de modelos mais econômicos, estampem em adesivos a baixa emissão de CO2 como um atributo a favor do carro.

Há outro problema na medida do Inmetro: as distorções de enquadramento de modelos e versões, que é feito conforme a área projetada no solo pelo carro. Embora ainda não tenham recebido nota, estão na classe de médios o Voyage e o Civic, carros muito diferentes em porte, potência e preço. É um tanto discutível colocá-los na mesma categoria, da mesma forma que o Palio, até na versão mais potente (1,8), estar em faixa inferior à de Corsa e Gol. É preciso que esse tipo de divisão considere critérios técnicos mais razoáveis. De resto, fica a dúvida sobre a presença na tabela do Celta 1,4 flexível, que nunca existiu.

Um último ponto: ar-condicionado e direção assistida representam certo aumento de consumo, mesmo que o ar não esteja em uso. Embora o Inmetro tenha tido o cuidado de informar em sua tabela se o carro avaliado contava com o item, há casos em que eles são opcionais. Como fica o caso em que se mediu o veículo sem os equipamentos citados (caso do Celta), mas ele é vendido com tais opções de fábrica? O carro com opcionais não recebe a etiqueta? É justo que seja comparado a concorrentes com ambos os itens instalados? A Fiat chegou a analisar o Punto básico sem ar, item que na versão ELX já vem de série.

A etiqueta de consumo é um passo na direção certa, mas necessita de acertos nos critérios e da análise de uma possível obrigatoriedade. Caso nada disso seja feito, poderá ficar apenas na boa intenção.

Com a adesão facultativa, a etiquetagem pode acabar não surtindo o efeito desejado. Se já havia diversas marcas que omitiam os índices, não há por que imaginar que todas venham a aderir ao programa.

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Data de publicação: 25/4/09

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