Quando vai comprar uma geladeira, um chuveiro ou um ar-condicionado,
o consumidor pode comparar as classificações de diferentes marcas e
modelos pelo consumo de energia elétrica, definidas pelo Inmetro
(Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial) e que constam de uma etiqueta afixada ao produto. Em
outros países, quando se vai escolher um automóvel, também existe
ampla informação sobre o consumo médio de combustível, fator que
muitas vezes é decisivo na compra.
No entanto, por aqui as coisas vinham sendo bem diferentes: diversos
fabricantes de carros deixam de informar os índices de consumo,
tanto nos manuais e materiais de divulgação quanto nas informações à
imprensa. Assim, é positivo o lançamento do Programa Brasileiro de
Eficiência e Etiquetagem Veicular, que neste mês de abril passou a
classificar pelo consumo em cinco categorias, de A (mais econômico)
até E (mais gastador), os veículos inscritos no programa. Há oito
classes de veículos (subcompacto, compacto, médio, grande,
esportivo, fora-de-estrada, comercial leve e comercial derivado de
carro de passeio), de modo que um modelo de maior consumo pode
receber melhor classificação que outro mais econômico, caso sejam de
classes diferentes.
As medições de consumo que definem a classificação são as mesmas já
divulgadas há anos por alguns fabricantes, efetuadas pela norma 7024
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Esses testes
padronizados, feitos em laboratório com o carro sobre rolos, simulam
condições de uso urbano e rodoviário que são as mesmas para todos os
modelos, o que torna viável a comparação entre diferentes marcas. Os
padrões são bastante brandos, o que leva a valores um tanto
positivos — alguns carros chegam a mais de 20 km/l de gasolina no
ciclo de rodovia.
São brandos porque refletem condições leves de uso, sempre com
ar-condicionado desligado e sem outros fatores que aumentam o
consumo na vida real, como maus hábitos ao volante, carga
desnecessária transportada no carro, uso contínuo do motor na fase
fria (há o ciclo de motor frio na norma, mas ele representa apenas
parte da medição), congestionamentos anormais e até desleixos na
manutenção. Assim, é fácil perceber que na prática serão poucos — se
é que existirão — os motoristas a conseguir repetir as marcas de
consumo alcançadas pelos testes de laboratório. E aí começa o
problema.
Quem compra um carro com o anúncio oficial de que faz 15 km/l, mas
obtém apenas 8 ou 10, tende a achar que levou gato por lebre.
Desses, muitos recorrem à Justiça contra os fabricantes e alguns
ganham as causas — ou porque há mesmo algo anormal nos carros, ou
porque as condições de uso são mais severas, ou um pouco pelos dois
fatores. Pode-se supor que isso aconteça em qualquer lugar do mundo,
mas aqui, por não ser obrigatória a divulgação dos índices, algumas
marcas optaram pela alternativa fácil de omitir os valores de
consumo e deixar o consumidor às escuras, sem referência. Se ninguém
disser que seriam 15 km/l, não cabe reclamar que foram só 6... |
![Fabrício Samahá, editor](../carros/outros2/fabricio-5m.jpg) |
Facultativa
Dentro desse quadro, a etiquetagem é bem-vinda na medida em que
facilita o acesso à informação disponível ao consumidor. Se antes
seria necessário consultar os índices de consumo no site do
fabricante, em um material de divulgação ou publicação
especializada, com a etiqueta esse importante elemento passa a ficar
à vista já no saguão da concessionária, assim como o adesivo
referente ao consumo de um eletrodoméstico.
Contudo, a meu ver a medida tem alguns graves defeitos. O maior
deles é que a adesão do fabricante é facultativa e mesmo a empresa
participante não precisa submeter todos os modelos à classificação.
Desta primeira fase, divulgada dia 17, participam apenas Fiat,
General Motors, Honda, Kia e Volkswagen e não com toda sua linhas.
Estão classificados os seguintes modelos e versões (com as
notas de consumo entre parênteses): Subcompactos - Mille
Economy (A), Kia Picanto (A), Celta 1,0 e 1,4 (C), Palio 1,4 e 1,8
(E). Compactos - Gol 1,0 (A), Polo BlueMotion (A), Fit 1,4 de
caixa manual (A) e automática (B), Gol 1,6 (B), Prisma 1,0 (B), Fit
1,5 manual e automático (C), Prisma 1,4 (C), Punto 1,4 (C), Classic
1,0 (D), Corsa 1,4 (D), Idea 1,4 (E), Siena 1,8 (E). Nas demais
classes, ou não há modelos inscritos ou seu volume foi considerado
insuficiente para comparação, caso em que o Inmetro apenas informa
os índices de consumo.
Com a adesão facultativa, a etiquetagem pode acabar não surtindo o
efeito desejado de facilitar a comparação. Se já havia diversas
marcas que omitiam os índices, não há por que imaginar que todas
venham a aderir ao programa e se tornar passíveis de contestações
judiciais, que as levaram à omissão no passado. O ideal seria a
imposição da etiquetagem a todas as empresas, com um prazo razoável
para adequação e extensiva a todos os modelos e versões. Nota-se,
por exemplo, que apenas o Polo BlueMotion (extensamente alterado
para reduzir o consumo) foi inscrito pela VW. Por que não as demais
versões da linha Polo?
Nos países desenvolvidos a informação pública de consumo é
obrigatória e, no caso da Europa, exige-se também a da emissão de
gás carbônico (CO2), em gramas por quilômetro rodado, que está
vinculada ao consumo. Há até mesmo cobrança de impostos diferenciada
conforme a emissão do veículo e, diante da consciência ambiental que
tomou conta do planeta nos últimos anos, tem sido comum que os
fabricantes, ao apresentar estudos de modelos mais econômicos,
estampem em adesivos a baixa emissão de CO2 como um atributo a favor
do carro.
Há outro problema na medida do Inmetro: as distorções de
enquadramento de modelos e versões, que é feito conforme a área
projetada no solo pelo carro. Embora ainda não tenham recebido nota,
estão na classe de médios o Voyage e o Civic, carros muito
diferentes em porte, potência e preço. É um tanto discutível
colocá-los na mesma categoria, da mesma forma que o Palio, até na
versão mais potente (1,8), estar em faixa inferior à de Corsa e Gol.
É preciso que esse tipo de divisão considere critérios técnicos
mais razoáveis. De resto, fica a dúvida sobre a presença na tabela do
Celta 1,4 flexível, que nunca existiu.
Um último ponto: ar-condicionado e direção assistida representam
certo aumento de consumo, mesmo que o ar não esteja em uso. Embora o
Inmetro tenha tido o cuidado de informar em sua tabela se o carro
avaliado contava com o item, há casos em que eles são opcionais.
Como fica o caso em que se mediu o veículo sem os equipamentos
citados (caso do Celta), mas ele é vendido com tais opções de
fábrica? O carro com opcionais não recebe a etiqueta? É justo que
seja comparado a concorrentes com ambos os itens instalados? A Fiat
chegou a analisar o Punto básico sem ar, item que na versão ELX já
vem de série.
A etiqueta de consumo é um passo na direção certa, mas necessita de
acertos nos critérios e da análise de uma possível obrigatoriedade.
Caso nada disso seja feito, poderá ficar apenas na boa intenção. |
Com a adesão facultativa, a etiquetagem pode acabar não surtindo o
efeito desejado. Se já havia diversas marcas que omitiam os índices,
não há por que imaginar que todas venham a aderir ao programa. |