Dois assentos na primeira classe

Mais exclusivo que esportivo, o Reatta foi o primeiro modelo da
divisão Buick da GM unicamente oferecido com dois lugares

Texto: Fabiano Pereira - Fotos: divulgação

Inspiração: o conceito Wildcat de 1985, embora radical na cobertura da cabine, trazia propostas de estilo que seriam aproveitadas pelo Reatta

Perfil baixo, faróis escamoteáveis, interior refinado e cuidados com requinte e conforto: proposta da Buick para um "cupê de luxo pessoal"

Pela perspectiva da indústria automobilística, é tão comum ouvir falar mal dos anos 80 que parece que nenhum automóvel criado naquela década teria condições de ser lembrado no futuro, quanto mais se tornar um clássico algum dia. Depois da apoteose de potência dos anos 60 e da ressaca causada pelas crises do petróleo da década seguinte, era de se prever que a economia e a contenção norteariam a grande maioria dos projetos. Não deu outra. Pela primeira vez em sua história, até Detroit passou a produzir carros menores, alguns pequenos mesmo para os atuais padrões. Mas também era necessário criar formas mais atrativas de encarar a realidade da época. Dentro desta tendência e numa extremidade oposta à dos modelos mais acessíveis norte-americanos, a Buick criou o Reatta, lançado em 1988.
 
Primeiro carro da marca com dois lugares desde o modelo 46 de 1940, primeiro e último até hoje oferecido exclusivamente nesta configuração, ele vinha enriquecer um onda de automóveis de segmentos ou estilos alternativos que surgiram naquela época. Dessa leva vale destacar, em ordem cronológica, carros como o Chevrolet Citation e seus primos irmãos Pontiac Phoenix, Oldsmobile Omega e Buick Skylark de 1980; as minivans Dodge Caravan e Plymouth Voyager de 1984; os compactos esportivos Dodge Daytona, Chrysler Laser e Pontiac Fiero do mesmo ano; os médios Ford Taurus e Mercury Sable de 1986 e os roadsters de luxo Cadillac Allanté de 1987 e Chrysler TC by Maserati de 1989. Isso para ficar nos Estados Unidos. A criatividade dos anos 80 também se relevou na Europa por meio de carros como o Maserati Biturbo de 1981, o Ford Sierra de 1982, a Renault Espace de 1984, o Lamborghini LM002 e o Volvo 480 de 1986, o BMW Z1 de 1989. O Japão contribuiu, entre outros, com o misto de perua e minivan Nissan Prairie em 1982, o transformável Pulsar NX da mesma marca em 1988 e o precursor dos mini-retrôs Be-1 em 1989, além do Honda CRX em 1988, o Mazda MX-5 Miata e o Lexus LS em 1989.

Toda essa considerável lista serve tão somente para ilustrar que, ao contrário do que muitos lembram ou ouvem a respeito dos anos 80, aquela foi uma das década mais prolíficas de novas ideias no mundo do automóvel, por mais que várias dessas ideias não resultassem em êxito comercial nem tenham durado muito. O Buick Reatta trazia de volta a idéia inicial por trás do Riviera, um aspecto de sofisticação e individualismo expresso por meio do carro, a que os norte-americanos se referiam como personal luxury (luxo pessoal). Se o Riviera havia muito tinha perdido seu frescor e dividia o mesmo projeto com o Cadillac Eldorado e o Oldsmobile Toronado da época, o Reatta seria um produto exclusivo da Buick. Concebido em meados dos anos 80, ele deveria seguir o temperamento mais arisco de outros modelos da marca, como o Regal Grand National, que podia vir com turbocompressor em seu motor V6, o T-Type e o GNX, considerados "carros musculosos" tardios. Uma boa pista do que estava por vir foi apresentada em 1985 com o carro-conceito Wildcat (gato selvagem), um dos mais ousados e atraentes daquele ano. O mesmo nome já havia sido usado em dois outros conceitos dos anos 50, o Wildcat I de 1953 e o II de 1954, além de um modelo de produção dos anos 60.
 
Apesar de ter frente muito curta e um para-brisa inclinado ao extremo, a ponto de começar logo acima das rodas dianteiras, o Wildcat de 1985 adiantava elementos importantes do estilo e da proposta do Reatta. Entre eles estavam os faróis em forma de filetes retangulares, o perfil suave do teto, os três volumes e a inclinação das colunas traseiras sustentando entre elas o vidro envolvente. Certamente o Reatta não traria ao mercado o acesso ao interior por uma ampla abertura, de inspiração aeronáutica, que ia dos faróis à colunas traseiras e era articulada na extremidade dianteira. Tampouco já era hora de uma carroceria de série ser produzida de um composto de plástico, fibra de vidro e fibra de carbono. Por outro lado, um V6 de 230 cv, tração integral permanente, câmbio automático de quatro marchas e discos ventilados de freio nas quatro rodas, como os do Wildcat, eram bem plausíveis para um modelo de produção. Ainda assim, entre o vigor de seus novos "musculosos" e o futurismo estético do Wildcat, a Buick ouviu a clientela potencial compradora do novo esportivo. Eram executivos e profissionais do alto escalão gerencial de 35 a 50 anos.

A pesquisa de mercado indicou que esses consumidores gostavam da ideia de um carro com aspecto esportivo, esperto ao volante e com algum nível de desempenho, mas não um devorador de asfalto. Afinal, não era a clientela da Ferrari que estava sendo chamada na pesquisa. O visual, a exclusividade, o conforto e a segurança pesavam mais. Assim se explica que o carro que chegou às lojas em janeiro de 1988, inicialmente concebido pela ótica do alto desempenho, focasse mais no bom acabamento e exclusividade que em entusiasmo ao dirigir. Era um carro de nicho — faltava saber se um nicho de apelo. A versão conversível prevista para o projeto levaria mais tempo para chegar às lojas. O nome Reatta derivava de um sinônimo da palavra laço em espanhol, “reata”. Ainda que não houvesse laço algum, as guarnições de borracha dos para-choques, pintados na cor do carro, vinham da mesma altura dos frisos laterais, o que dava uma continuidade visual em qualquer lado da carroceria. Continua

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Data de publicação: 27/4/10

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