

Tímidas no Cadillac 1948 (em
cima) e exageradas no modelo 1959, as aletas ou "rabos de peixe" estão
entre os marcos do período de Earl


O projetista criou o Motorama,
salão restrito à GM que atraiu 10 milhões de pessoas, e incentivou a
empresa a fabricar um esportivo: o Corvette


A modelagem em argila (clay) foi
ideia de Earl ainda na década de 1920; embaixo, em 1954 ao lado de Bill
Mitchell, que logo seria seu sucessor


Os ousados projetos Firebird dos
anos 50, com turbinas, e o Cadillac Eldorado Brougham 1957 engrossam o
notável currículo de Harley Earl |
Projetos experimentais já haviam sido feitos, mas nesse caso o objetivo
foi, desde o início, apresentar propostas de estilo ao público e avaliar
sua aceitação às novidades. O único exemplar desse Buick, após exposto
em salões, tornou-se o carro de uso diário do projetista. "As pessoas
gostam de algo novo e interessante em um automóvel, tanto quanto em um
show da Broadway. Gostam de entretenimento visual, e é isso que nós lhes
damos", explicava Earl. Outra criação sua foi o processo de camuflar
protótipos para que pudessem ser testados em vias públicas sem exibir
suas formas. Contou com o apoio de Ledyard Towle e McClelland Barclay,
que camuflaram aviões norte-americanos na Primeira Guerra Mundial.
Depois de outra guerra, a segunda, foi Earl um dos responsáveis por
introduzir uma tendência nos carros dos Estados Unidos: os "rabos de
peixe", aletas nos para-lamas traseiros. Ele autorizou o desenhista
Frank Hershey a aplicar o recurso ao modelo 1948 do Cadillac, inspirado
no avião de caça Lockheed P-38 Lightning, e deu início a uma mania que
começou discreta e chegaria à total extravagância na década seguinte com
as aletas de mais de um metro de altura do
Cadillac Eldorado 1959.
A proposta de Hershey transmitia "uma ideia pós-guerra" a Earl, mas ele
admitiria mais tarde ter "quase começado uma guerra" na GM: enfrentou
críticas de funcionários conservadores que não aceitavam ver um
projetista ousado definir como seriam os carros dali em diante. Contudo,
não só as demais fábricas do país — Ford e Chrysler sobretudo — seguiram
a ideia, como também marcas europeias que seguiam tendências
norte-americanas. Foi o caso de Fiat 1800/2100,
Peugeot 404,
Vauxhall Cresta e do
Mercedes-Benz Classe S de 1959, que foi apelidado de Fintail ou
Heckflosse — termos em inglês e alemão, na ordem, para a traseira com
"rabos de peixe". Virgil Exner, da
Chrysler, apregoava sua eficácia em termos aerodinâmicos: segundo ele,
os "estabilizadores" deixavam o centro de pressão do carro mais para
trás e reduziam em 20% a necessidade de correções no volante ao rodar
sob influência de ventos laterais. Outras soluções de Earl foram o
estilo hardtop (sem coluna central ou
molduras nas janelas laterais) para cupês em 1949 e sedãs em 1955,
para-brisa com laterais envolventes em 1951, vidro traseiro curvo,
capota retrátil que se escondia por inteiro (1953), quatro faróis,
antena de rádio telescópica, rodas de alumínio, pintura em duas cores e
interior que seguia a cor da carroceria. Ou o uso de plataformas comuns
por várias divisões da empresa, para conter custos, ou a construção do
primeiro boneco de testes de colisão (dummy), conhecido como Oscar. E
ainda ônibus, caminhões e até locomotivas com desenhos avançados.
Em 1950, na revista GM Folks, o projetista comentava a crescente
importância que os consumidores vinham dando à aparência dos automóveis:
"Estilo pobre ou inadequado a seu tempo já se provou financeiramente
desastroso para alguns fabricantes". Mais que um estilista, ele era um
conhecedor de engenharia que sabia avaliar tecnicamente as ideias. Como
o jornal Boston Globe questionaria em 2004, "Se você não for um
engenheiro, imagina como adotar vidros curvos, eliminar com segurança a
coluna central em carros hardtop para os deixar mais esportivos,
rebaixar a aparência e alongar as 'caixas' de Henry Ford para as tornar
modelos esguios? Você toma as aletas de um avião Lockheed e as adapta
aerodinamicamente ao automóvel? Usa plástico e fibra de vidro na
construção do primeiro carro esporte de verdade da América, o
Corvette?". Foi pioneiro também
em prestar atenção às opiniões do público feminino e empregar mulheres
no departamento, tanto para desenhar quanto para sugerir combinações de
cores e tecidos para os interiores, em uma época em que elas tinham
baixa presença no mercado de trabalho. E deu forte contribuição ao
mercado de carros esportivos. Enquanto modelos europeus brilhavam nas
competições e conquistavam adeptos nas ruas dos EUA — em parte por conta
de oficiais que retornaram da guerra com
MGs e outros ingleses —, ele
insistia que a GM deveria produzir um carro do gênero.
Trabalhou no projeto sem saber qual divisão poderia levá-lo adiante e,
quando mostrou um protótipo para Ed Cole, da Chevrolet, a ideia foi
comprada de imediato. Começava oficialmente o projeto Opel, que em
janeiro de 1953 daria origem ao Corvette de conceito e, seis meses
depois, à versão de produção. Da modelagem em argila à série-piloto
foram apenas 15 meses, prazo bastante curto até para os padrões atuais.
Ainda na década de 1950, Harley foi responsável por carros de sonho como
o Buick Le Sabre de 1951 e a
série Firebird com propulsão a
turbina de 1952, 1956 e 1958. Muitos desses projetos apareceram ao mundo
em outra criação do californiano: os Motoramas, salões organizados pela
GM entre 1949 e 1961 que passavam por diferentes cidades e atraíram mais
de 10 milhões de visitantes. Dos que chegaram às ruas, além do Corvette,
são "filhos" notáveis seus os interessantes Buicks dos anos 50, a perua
esportiva Chevrolet Nomad de
1955 e o Cadillac Eldorado
Brougham de 1957. Foi também em seu período que a GM adotou a
estratégia de "obsolescência dinâmica", em que alterações anuais na
aparência — mesmo sem avanços técnicos — convenciam muitos a trocar de
carro. Em 1956 ele definiu a ideia: "A criação de um desejo em parte dos
milhões de compradores, todo ano, de trocar o carro do ano passado por
um novo é muito importante para a indústria. Se o desenho de um
automóvel é a primeira coisa que um consumidor vê, o estilo está
continuamente envolvido na troca anual."
Aos 30 anos de GM, em 1957, o projetista recordava sua carreira: "Meu
primeiro propósito foi alongar e rebaixar o automóvel norte-americano,
algumas vezes na prática e ao menos na aparência. Por quê? Por que meu
senso de proporção conta-me que o oblongo é mais atraente que o
quadrado". Como um jornalista definiu, ele começou o processo de
streamlining — estilo com linhas fluidas e cuidados aerodinâmicos —
antes mesmo que o termo fosse inventado. Em seu departamento trabalharam
projetistas como Gordon Buerhig (ainda nos anos 30 e que depois desenhou
o Cord 810/812), Alex Tremulis
(autor do Tucker de
1948) e quatro grandes chefes de desenho:
Bill Mitchell, da própria GM;
Richard Teague, da American Motors; Eugene Bordinat, da Ford; e Elwood
Engel, da Chrysler — todos se tornaram Vice-Presidentes de Estilo em
suas corporações. Depois de concluir os modelos 1959 da GM, que levaram
a extremos os exageros de estilo (revertidos um ano depois em favor de
desenhos mais sóbrios), Earl aposentou-se da corporação em dezembro de
1958, depois de ver o número de funcionários de seu departamento crescer
dos iniciais 50 para 1.100. Passou o cargo a Mitchell — que já atuava na
empresa desde os anos 30 e nela ficaria até 1977 — e permaneceu atuando
como consultor até seus últimos dias. Em 10 de abril de 1969, aos 75
anos, morria de infarto em West Palm Beach, na Flórida, deixando esposa,
dois filhos e oito netos.
O jornal The Detroit News definiu Earl como "a maior figura da
indústria, por larga margem; o gigante entre os gigantes, maior que a
vida, legendário". Para o Daily Tribune, "o mundo como o
conhecemos seria um lugar mais chato se Harley Earl nunca se mudasse
para Detroit. O mundo do automóvel era preto e branco até que ele
deixasse Hollywood e o colorisse". Irvin W. Rybicki, que trabalhou
subordinado a ele e seria Vice-Presidente de Estilo da empresa entre
1977 e 1986, considerou-o "responsável por mais da metade dos maiores
marcos da GM no século XX". Para David Lewis, professor de história dos
negócios na Universidade de Michigan, o projetista está "na lista de
qualquer pessoa entre os 10 homens mais importantes da história do
automóvel. Ele veio da Costa Oeste e trouxe o estilo da Califórnia. Seus
carros eram muito atraentes, um sopro de ar fresco". Do quadrado azul
que ainda é o logotipo da corporação a nomes a vários dos projetos mais
relevantes da história da General Motors, o legado desse intérprete de
sonhos permanece bem presente em nossos dias.
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