O mestre da chuva

Quando pilotar um carro de corridas era ser herói, Rudolf Caracciola
mostrou talento e determinação incomuns para vencer obstáculos

Texto: Fabrício Samahá - Fotos: divulgação

O talentoso Caracciola e uma vitória inesquecível: o GP da Alemanha de 1926, com tanta chuva que ele nem podia ver que estava na frente

Em Nürburgring em 1927 (em cima) venceu já na estreia do Mercedes S de 225 cv; embaixo, na curva mais famosa do GP de Mônaco em 1929

Ganhou ainda em 1929 a Tourist Trophy na Irlanda, com o modelo SSK; embaixo a prova em Klausen de 1930, mesmo ano da foto vista no alto

Houve um tempo em que pilotar carros de corrida exigia a coragem de um herói. Segurança era um assunto alheio à modalidade esportiva, que colocava bravos homens ao volante de automóveis muito velozes, mas com pneus estreitos e sujeitos e estouros, estabilidade e freios precários, sem cinto de segurança ou qualquer tipo de proteção em caso de acidente. Do começo desse período, anterior ao surgimento da Fórmula 1 em 1950, são nomes lendários como o do italiano Tazio Nuvolari e os dos alemães Bernd Rosemeyer e Rudolf Caracciola.

Otto Wilhelm Rudolf Caracciola, o quarto filho de Maximilian e Mathilde e descendente de italianos de Nápoles, nasceu em 30 de janeiro de 1901 em Remagen, no oeste da Alemanha, não muito longe de Colônia. Fascinado por automóveis desde criança, dirigiu um antigo Mercedes 16/45 quando adolescente e decidiu que seria piloto de corridas. Chegou a correr de motocicleta NSU em provas de longa duração e competir com barcos. Anos mais tarde, enquanto trabalhava no fabricante de carros Fafnir-Automobilwerke na cidade de Aachen, disputou a prova do circuito de Avus (sigla para Automobil-Verkehrs-und Übungs-Straße, pista para tráfego e testes de automóveis) de 1922 em Berlim, vencendo em sua classe e obtendo o quarto lugar na classificação geral; venceu também a corrida Opelbahn em Rüsselsheim. No ano seguinte mudava-se para Dresden, onde se tornava representante da Fafnir, e vencia a prova do ADAC (o maior clube de automobilismo do país) em Berlim. Bem mais hábil ao volante que como vendedor de automóveis, ele contaria em sua autobiografia que conseguiu vender apenas um carro da Fafnir e que, em tempo de altíssima inflação, "quando ele foi entregue o dinheiro pagava apenas pela buzina e os faróis".

Foi também nessa época que Caracciola firmou os primeiros laços com aquela que, em 1926, se tornaria a Mercedes-Benz. Tornava-se vendedor em Dresden da Daimler-Motoren-Gesellschaft, marca que se uniria à Mercedes para compor a associação hoje tão famosa. Continuou presente nas pistas: com um Mercedes 6/25/40 hp (potência de 25 cv no motor original e 40 cv com compressor), vencia ainda em 1923 na classe de turismo o rali Reichsfahrt do ADAC. No ano seguinte conquistava outras vitórias, como a do mesmo Reichsfahrt e a da prova Teutoburgerwald, ambas com um Mercedes de 1,5 litro com compressor, e conhecia Charlotte — apelidada de Charly —, com quem se casaria. Em 1925 Rudolf vencia oito corridas com um Mercedes 24/100/140 hp; um ano depois saía vitorioso do primeiro Grande Prêmio da Alemanha, em Avus.

A fábrica não pretendia participar da prova: mais interessada em divulgação fora do país com fins de exportação, havia optado por uma corrida que ocorreria na Espanha no mesmo dia. Caracciola foi a Stuttgart e pediu um carro para correr em Avus. Conseguiu dois modelos M218 de oito cilindros, 2,0 litros e compressor já antigos, de 1923, para ele e para Adolf Rosenberger, com a condição de que participassem como pilotos independentes e não de forma oficial. Rosenberg largou bem, mas o motor de Rudolf apagou na saída. Embora seu mecânico de bordo Eugen Salzer tenha empurrado o carro e o feito funcionar, eles já estavam um minuto atrás dos líderes da prova. Então começou uma forte chuva com neblina, condição em que o espantoso desempenho de Caracciola lhe permitiu superar vários oponentes que reduziam o ritmo ou se acidentavam — até o colega Rosenberger, que perdeu o controle numa curva. Rudolf nem sabia em que posição estava, mas decidiu continuar e tentar terminar a corrida. Concluídas as 20 voltas, descobriu surpreso que havia sido o vencedor. Sua habilidade em condições climáticas severas lhe renderia o apelido de Rainmaster ou "mestre da chuva".

Naquele ano venceu também a Teutoburgerwald entre os pilotos de fábrica, o Rali do Sul da Alemanha entre carros esporte e a prova Baden-Baden nas classes de carros esporte e carros de turismo, sempre com o 24/100/140 hp. Com a carreira esportiva em franco crescimento, o piloto casava-se com Charlotte, desistia de estudar engenharia mecânica e — com o prêmio do GP alemão — abria uma concessionária Mercedes-Benz em Berlim, atividade que não diminuiu seu empenho nas pistas. Em 1927 vencia em Nürburgring logo na estreia do modelo S 26/170/225 hp da Mercedes-Benz, com motor de seis cilindros em linha, 6,8 litros, comando no cabeçote e 225 cv projetado por Ferdinand Porsche — uma das 11 provas do ano em que foi primeiro colocado na geral ou em sua categoria. Com os sucessores daquele carro, o SS e depois o SSK 27/180/250 hp, foram mais cinco vitórias em 1928, incluindo o GP da Alemanha e as subidas de montanha de Chamonix (França) e de Semmering (Áustria). Ainda com o SSK de 7,1 litros, no ano seguinte, ganhou a International Tourist Trophy na Irlanda e foi terceiro colocado no primeiro GP de Mônaco. Com um Mercedes Nürburg, foi primeiro no Rali Alpino.

Entrava a nova década e Caracciola saía-se o melhor de sua categoria na Mille Miglia, a lendária prova italiana de 1.600 quilômetros, também com o SSK. Vencia os GPs de Monza e da Irlanda e as subidas de montanha do Monte Ventoux, na França, e de Shelsley-Walsh, na Inglaterra. Na 24 Horas de Le Mans, teve de abandonar após voltas na liderança porque o dínamo do carro pegou fogo. Contudo, com as vendas de carros de luxo em grave queda na Grande Depressão que se seguiu à quebra da bolsa de valores de Nova York, a Mercedes decidia cortar despesas e a área de competições estava em risco. O gerente do departamento, Alfred Neubauer, sugeriu que fosse mantida uma pequena equipe com seis pessoas, o que poderia garantir a permanência de Caracciola na marca — e evitar que ele passasse à equipe da Alfa Romeo, com a qual andava em entendimentos. A ideia de Neubauer foi aprovada pela direção da empresa e rendeu bons frutos. Em 1931, com um SSKL 27/240/300 hp de 7,1 litros e 300 cv, capaz de atingir 235 km/h, Rudolf vencia a Mille Miglia na classificação geral — o primeiro piloto e a primeira marca estrangeiros a conseguir esse feito. Apenas o inglês Stirling Moss, em 1955, seria outro vencedor não italiano na história da prova. Continua

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Data de publicação: 20/4/10

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