Um Lancia de múltiplas faces

O pequeno Appia, passo importante da marca italiana nos anos 50,
ganhou numerosas variações de carroceria na fábrica e fora dela

Texto: Fabrício Samahá - Fotos: divulgação

Na primeira série do Appia, traseira em rápido declínio e uma solução criativa: portas que se abriam em sentidos opostos sem coluna central

Se a frente mudava pouco, o modelo 1956 recebia traseira mais longa; embaixo, o o atraente cupê com vidro envolvente feito por Pininfarina

Como a maioria das fábricas de automóveis da Europa, a italiana Lancia passou a década de 1940, sobretudo o período da Segunda Guerra Mundial, com produção restrita e estagnação em termos de projetos. No importante segmento de carros pequenos, o modelo Ardea lançado em 1939 — dotado de um dos menores motores V4 de que se tem notícia, com apenas 903 cm³ — foi mantido em produção até 1953, quando já se mostrava bastante ultrapassado diante de uma renovada concorrência. Era hora de retomar, nessa categoria, a tradição de avanços técnicos que havia notabilizado a marca no passado.

Se o Aurelia apresentado em 1950 vinha cumprindo bem esse papel entre os carros médios, nada mais natural que se inspirar nesse modelo para desenhar o novo compacto, que faria sua estreia em abril de 1953 no Salão de Turim. De fato, a não ser pelas medidas e proporções, o Appia — como foi denominado, em alusão a uma rua da Roma antiga — poderia até ser confundido com o irmão maior.

A ampla grade dupla e vertical da marca dominava a frente, ladeada por faróis integrados a para-lamas mais baixos que o capô. As quatro portas abriam-se em sentidos opostos (dianteiras para frente, traseiras para trás) e não havia coluna central, o que criava um amplo vão de acesso — solução criativa e bem-vinda em um carro pequeno. A tampa do porta-malas vinha em rápido declínio após o vidro traseiro. O sedã media 3,86 metros de comprimento, 1,42 m de largura e de altura e 2,48 m de distância entre eixos e pesava 820 kg na versão inicial. No interior simples, os bancos dianteiros eram individuais e o volante ficava no lado direito como padrão (embora o sentido de circulação na Itália já fosse como o nosso e não como o inglês), com opção para sua montagem à esquerda.

Esse Lancia concorria com o Fiat 1100, o Alfa Romeo Giulietta e o menos conhecido Moretti 750 no mercado local, enquanto em outros países enfrentava ainda os alemães Auto Union DKW Sonderklasse e Opel Olympia Rekord, os ingleses Ford Consul e Morris Oxford, o Skoda 1200 da então Checoslováquia e os franceses Panhard Dyna 850, Peugeot 203 e Simca Aronde. Para isso, trazia soluções técnicas sofisticadas. O motor de quatro cilindros em "V" baseado no do Ardea, com cilindrada ampliada para 1.100 cm³, adotava dois comandos de válvulas (ainda no bloco), cabeçotes de alumínio e câmaras de combustão hemisféricas para ganhos em eficiência.

Com potência de 38 cv e torque de 7,2 m.kgf, permitia alcançar 120 km/h e acelerar de 0 a 100 km/h em cerca de 35 segundos, um bom desempenho para a época e o segmento. A caixa de câmbio manual tinha quatro marchas, sem sincronização na primeira, e alavanca na coluna de direção; a tração era traseira. As suspensões seguiam o padrão da época, independente na frente e com eixo rígido atrás, e os freios usavam tambores. Depois do sedã de quatro portas, a linha cresceu com as versões comerciais Furgoncino (pequeno furgão) e Autolettiga (ambulância), ambas em 1954, além da Camioncino (caminhão leve), um ano depois.

Apesar da boa aceitação inicial, o primeiro Appia ficou abaixo do êxito esperado pelo fabricante, talvez pelo preço elevado (1,33 milhão de liras contra 975 mil do Fiat 1100) que resultou de sua sofisticação mecânica. Em março de 1956 aparecia no Salão de Genebra sua segunda série, aprimorada tanto na aparência quanto no acabamento interno e na técnica. A traseira agora formava um volume pronunciado, com formas arredondadas, o que deixava o conjunto mais atual e com maior porte. O comprimento passava a 4,01 m, a largura a 1,48 m e o entre-eixos a 2,51 m, enquanto a altura perdia 2 cm e ficava com 1,40 m.

Com 43,5 cv e 7,8 m.kgf, o motor de 1,1 litro revisado o levava a 130 km/h e reduzia o tempo do 0-100 para 25 segundos. Freios (com tambores de alumínio na frente), direção e câmbio também estavam modificados. A variação ambulância deixava de ser fabricada. A essa época, a concorrência europeia contava com outras opções como o Fiat 1200, o inglês Ford Taunus e o checo Skoda 445. Em teste, a revista norte-americana Road & Track fez vários elogios a esse sedã italiano que já não conquistava pela modernidade do estilo. Entre os destaques estava o comportamento dinâmico: "O pequeno volante nunca tem de brigar contra nada, nem subesterço nem sobresterço". Continua

Carros do Passado - Página principal - Escreva-nos - Envie por e-mail

Data de publicação: 23/11/10

© Copyright - Best Cars Web Site - Todos os direitos reservados - Política de privacidade