Um dos motivos de orgulho de Ferruccio: o Miura, que no desenho e na técnica nada devia a Ferraris; embaixo, no Salão de Bruxelas de 1968

O empresário, segundo à direita, e seu competente trio de engenharia: Bob Wallace, Paolo Stanzani e Giampaolo Dallara, a partir da esquerda

O Espada, que somava o V12 de 350 cv a quatro lugares, e o Countach, sucessor do Miura e o sonho de diversas gerações nos anos 70 e 80

Sua provocação ao comendador começou quando ele instalou uma embreagem reforçada em seu 250 GT, montou cabeçotes com duplo comando de sua fabricação e instalou seis carburadores. O que fazia com o carro assim modificado? Esperava os pilotos de teste da Ferrari aparecerem, num acesso de estrada perto de Modena, e passava a acompanhá-los a 230, 240 km/h. "Então eu começava a deixá-los para trás, pois meu carro era pelo menos 25 km/h mais veloz", contou. Segundo Lamborghini, Enzo nunca mais lhe dirigiu a palavra ou mesmo o cumprimentou nas raras vezes em que se viram.

Em sua nova empreita, Ferruccio construiu uma fantástica fábrica na cidade de Sant'Agata Bolognese, próxima à rodovia entre Milão e Bolonha e da cidade de Modena do comendador Ferrari. Contratou vários ex-funcionários de Enzo, alguns então empregados na Maserati. Eram profissionais de primeira linha como o engenheiro de produção Paolo Stanzani, o projetista Giampaolo Dallara, o piloto de testes neozelandês Bob Wallace e o projetista de motores Giotto Bizzarrini, que desenhou o primeiro V12 da Automobili Lamborghini S.p.A., inaugurada em 1963. Em outubro daquele ano era revelado no Salão de Turim o 350 GTV. As formas elaboradas por Franco Scaglione, do estúdio Bertone, não agradaram muito e — sem que ninguém soubesse — o carro não tinha motor, que não coube sob o capô quando chegou a hora de montá-lo. No estande o V12 aparecia ao lado do automóvel, que tinha a frente rebaixada pelo peso de tijolos.

Com linhas revistas pela encarroçadora Touring, o GTV evoluiu no ano seguinte para o 350 GT, em que o V12 de 3,5 litros produzia a potência de 280 cv. A suspensão traseira já era independente com molas helicoidais, em um tempo em que a Ferrari usava eixo rígido com feixes de molas semielíticas, e a carroceria usava alumínio. Contudo, o carro não era lucrativo: para obter um preço de US$ 14 mil, abaixo do que Modena pedia pelo 275 GTB, Ferruccio perdia US$ 2 mil por unidade vendida. Três anos mais tarde, com motor aumentado para 4,0 litros e 320 cv, ele se tornaria o 400 GT. Foi também em 1966 que o empresário expôs ao mundo um de seus maiores motivos de orgulho: o Miura, um supercarro desenhado por Marcello Gandini, do estúdio Bertone. Com motor V12 central-traseiro transversal de 350 cv — que chegariam a 385 cv na última evolução SV —, deixava alguns Ferraris vermelhos de vergonha nas autoestradas europeias. Conta-se que no GP de Monte Carlo daquele ano, entre um jogo e outro no cassino de Mônaco, Ferruccio ia até o carro e acelerava o V12 em alto e bom som para mostrar aos presentes como se fazia um ronco de automóvel.

Dois anos depois vinham o Islero e o Espada, este com a praticidade dos quatro lugares associada aos mesmos 350 cv. No fim da década a Lamborghini empregava 4.500 pessoas, desfrutava grande prestígio mundo afora e recebia encomendas de celebridades como Frank Sinatra e Grace Kelly. Um novo supercarro de motor central causava sensação no Salão de Genebra de 1971: o protótipo do Countach, de formas angulosas que contrastavam com as curvas sensuais do Miura. Sua produção começava em 1974; antes dele vieram, em 1972, o Urraco e o Jarama.

Um aspecto interessante nos Lamborghinis é que, com poucas exceções, recebiam nomes de touros. Ferruccio, que era do signo de Touro, havia visitado em 1962 o rancho de Don Eduardo Miura Fernández na Sevilha, sul da Espanha, e ficado impressionado com os touros de briga criados ali. Foi quando adotou o emblema de um touro bravo para a fábrica de automóveis. Depois de chamar por siglas os 350 e 400 GT, em 1966 ele homenageava o espanhol com o nome Miura. A linhagem teve seguimento com o Islero, nome do touro miúra que em 1947 matou o toureiro Manolete; o Espada, palavra que vem do espanhol e serve tanto ao instrumento de luta quanto a um toureiro; o Urraco, outra raça de touro; e o Jarama, da região histórica espanhola onde ocorreram grandes touradas — embora também denomine o autódromo ali sediado. A tradição seria mantida com Jalpa, Diablo, Murciélago, Gallardo e Reventón. As exceções foram o LM002, o Silhouette e o Countach, este batizado com uma expressão de entusiasmo — "magnífico!" — usada pelos piemonteses.

Na década de 1970, com encomendas canceladas na África do Sul e na Bolívia, a fábrica de tratores — que exportava metade da produção — entrou em grave crise. A solução foi Ferruccio vender sua participação na empresa para a concorrente SAME em 1972. Como isso não resolveu a situação econômica do grupo, ele cedeu 51% das ações da Automobili ao suíço Georges-Henri Rossetti, embora tenha continuado trabalhando nela. Então veio a crise do petróleo, em que o preço da gasolina disparou no mundo todo em 1973 e levou muitos compradores a desistir de carros esporte. Com vendas em baixa e contas em alta, em 1974 Lamborghini vendeu os 49% de ações que tinha a René Leimer, amigo de Rossetti, e abandonou o ramo de automóveis. Manteve-se em outras áreas, como as de aquecedores e ar-condicionado, e em 1980 abriu a Lamborghini Oleodinamica para fabricar equipamento hidráulico.

Com 58 anos ao deixar os automóveis, Ferruccio mudou-se para uma grande fazenda junto ao Lago Trasimeno, em Castiglione del Lago, cidade da província de Perúgia na região da Úmbria, centro do país, e passou a produzir vinhos. Naquele ano sua segunda esposa, Maria Teresa, teve a filha Patrizia, que hoje mantém a vinícola da família. Quase duas décadas mais tarde, em 20 de fevereiro de 1993, esse empresário apaixonado por grandes carros morria aos 76 anos de ataque cardíaco em um hospital em Perúgia. O fabricante que ele fundou havia sido controlado pelo governo e entrado em liquidação nos anos 70, passado às mãos dos irmãos Mimram em 1980 e da norte-americana Chrysler em 1987 e ainda seria vendido à Volkswagen em 1998. Em 2001 foi inaugurado em sua homenagem o museu Centro Studi e Ricerche Ferruccio Lamborghini.

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