Muito além da borracha

Em um exemplo de empreendedorismo, os irmãos André e Édouard
construíram uma das maiores companhias de pneus: a Michelin

Texto: Francis Castaings - Fotos: divulgação

Os pioneiros irmãos André e Édouard, uma gravura da corrida Paris- Bordeaux de 1895 e o modelo que eles usaram, L'Eclair ou Relâmpago

O carro de corridas La Jamais Contente, recordista de velocidade com 100 km/h, e uma antiga figura do Bibendum, mascote que dura até hoje

Uma das grandes invenções do homem — a roda — surgiu para ajudar na locomoção de cargas ou de pessoas, no início de modo muito rudimentar. No século XIX as rodas já eram de madeira maciça e começaram a ser revestidas por uma cinta de metal, mas o desconforto a bordo das carroças que as empregavam ainda era muito grande. A evolução chegou com o emprego da borracha envolvendo as rodas, o que amaciava a rodagem, mas ainda eram elementos frágeis. A pedido de uma empresa norte-americana, o inventor daquele país Charles Goodyear conseguiu, após inúmeras tentativas, a vulcanização da borracha que a tornou mais resistente.

Do outro lado do Atlântico um senhor francês, Édouard Daubrée, e seu primo Aristide Barbier eram fabricantes de máquinas agrícolas e vendiam borracha. Foi por meio de observações, vendo parentes e brincando com bolas de borracha, que desenvolveram o processo de solubilidade, que as deixava mais macias e mais resistentes ao mesmo tempo. As bolas fizeram grande sucesso comercial, o que deu início a uma grande gama de produtos como correias, tubos e sapatas de freio para carroças. Barbier morava na cidade francesa de Clermont-Ferrand, situada numa região chamada Midi, um entroncamento muito importante. Era avô de dois irmãos muito inteligentes e que tinham grande visão industrial: André Jules Michelin, engenheiro nascido em 1853 em Paris, e Édouard, nascido seis anos depois.

A partir de um acidente com a bicicleta de um transeunte que ficou com o pneu danificado, os irmãos começariam a ficar famosos. O pneu reparado por eles ficou um pouco mais forte e mais confortável para o ciclista. Tiveram trabalho, mas ficaram entusiasmados. Ainda tinham alguns problemas com furos, mas investiram, investigaram, testaram e inventaram um pneumático desmontável para bicicletas que podia ser reparado em pouco tempo. Não era mais maciço: por dentro de uma carcaça de borracha introduziram um tubo. Estava criada, ainda um pouco rústica, a câmara de ar. Em 1891 era organizada uma corrida de bicicletas entre as cidades de Paris e Brest, cidade portuária no Oceano Atlântico na região da Bretanha, no oeste francês. Ida e volta, os ciclistas percorreriam cerca de 1.200 quilômetros por estradas bem rudimentares. Os irmãos Michelin contrataram um corredor que usou pneus fabricados por eles — e venceu a prova, que existe até hoje.

O sucesso foi imediato e em outras provas de longa distância, como a de Paris a Clermont-Ferrand, os pneus Michelin provaram sua qualidade. Pouco tempo depois, estavam entre os pneus mais usados em toda a França em veículos de duas rodas e já tinham boa participação no restante da Europa. Com a boa fama, começaram também a ser usados em charretes, cujos usuários apreciaram muito o conforto. O barulho metálico sobre as ruas e avenidas de Paris, muitas de paralelepípedos na época, diminuiu bastante. Ainda antes do novo século, em 1894, existiam cerca de 200 veículos sem cavalos movidos a vapor ou a petróleo. Eles também passaram a usar os revolucionários pneus Michelin, mais confortáveis e seguros.

Em 1895 o marquês Jules-Albert de Dion, um pioneiro da indústria de automóveis na França, organizava uma corrida entre Paris e a cidade de Bordeaux. Ida e volta, eram cerca de 1.100 km — na época uma verdadeira epopeia. Os irmãos Michelin, intrépidos e sempre motivados, inscreveram três carros fabricados por eles mesmos com os nomes de L'Hirondelle, L'Araignée e L'Eclair, ou seja, Andorinha, Aranha e Relâmpago — o nome deste último era devido ao fato de dificilmente ficar em linha reta, sendo o normal andar em ziguezague. Saindo de Clermont-Ferrand, só o terceiro chegou a Paris para a prova para enfrentar carros das marcas Peugeot, Panhard e Bollée. O Relâmpago enfrentou vários problemas mecânicos na prova, chegou em 12º lugar e foi o único automóvel com pneus a chegar quase inteiro e bater o recorde de velocidade, de 61 km/h. Os irmãos continuavam sua luta para provar que o pneu que não era rígido era melhor. Insistiam em palestras, exposições e testes variados.

Algo muito importante aconteceu em 1898. André e Édouard passeavam pela rua e viram pneus de vários tamanhos empilhados. Na hora tiveram a luz: imaginaram a ideia brilhante de confeccionar um boneco usando pneus, imitando a figura de um homem. Nascia ali o símbolo maior da marca que se chamaria Bibendum, sempre desenhado correndo, pulando ou mostrando “músculos” exatamente para transmitir uma imagem forte. No mesmo ano, um fato marcaria a história do automóvel: o veículo elétrico La Jamais Contente, pilotado pelo belga Camille Jenatzy, ultrapassava 100 km/h. Em formato de bala, o carro tinha carroceria de liga leve e dois motores que somavam a potência de 68 cv — e estava equipado com pneus Michelin.

Com a ajuda financeira dos irmãos franceses, a indústria de De Dion e Bollée tomava impulso e fabricava carros e triciclos equipados com pneus da fábrica de Clermont-Ferrand. Eles investiam também em provas de longa duração entre cidades vizinhas da Europa. A produção aumentava e a credibilidade também. Em 1900 lançavam uma obra que se tornaria muito respeitada em todo o mundo até hoje: o Guia Michelin. O livro vermelho em princípio trazia só mapas de estradas, mas depois classificaria hotéis e restaurantes segundo a qualidade. Outra boa nova era a sinalização mais moderna na França, indicando o nome do local e a distância. Eram feitas em pedras em locais estratégicos das estradas. A vida do motorista estava mais tranquila. Continua

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Data de publicação: 23/3/10

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