A família completa: Belcar, Vemaguet (nomes adotados em 1962), os jipes Candango e a despojada Caiçara (em cima, ao fundo), de pouco sucesso

O DKW usava chassi separado da carroceria, como o Fusca, mas composto por vigas em perfil de caixa fechado, em vez da plataforma do VW. A estrutura só chegava ao eixo traseiro: dali para trás a carroceria se auto-sustentava e, no caso da perua, cedia com o tempo — uma estrutura tubular adicional no local seria adotada apenas em 1966.

O câmbio de quatro marchas era também diferente dos outros. Sua alavanca ficava na coluna de direção (no Fusca e no Dauphine vinha no assoalho) e as marchas estavam em posição não usual: ímpares (primeira e terceira) embaixo, pares (segunda e quarta, bem como a ré) em cima. O comando era misto, a varão para engrenar e a cabo para selecionar marchas, e a primeira não era sincronizada até 1960. Mas havia outra característica única entre os nacionais: a roda-livre.

Esse dispositivo da transmissão, aplicado entre as árvores piloto e primária do câmbio, era acionado por uma alavanca sob o painel, no lado esquerdo, e fazia o motor cair para marcha-lenta sempre que o pé fosse tirado do acelerador, o carro seguindo apenas pela inércia. Embora trouxesse alguma economia de combustível, a verdadeira razão de seu uso pelo fabricante era de segurança: caso o motor travasse com pistões engrimpados — ocorrência que não era incomum nos dois-tempos —, a roda-livre deixaria o carro rodar pela inércia até parar, sem o motor travar as rodas dianteiras.

O sistema podia ser deixado fora de ação, para se obter freio-motor em declives (pouco, como habitual nos dois-tempos), poder ligar o carro empurrado ou deixá-lo estacionado com marcha engatada. Descer uma serra com roda-livre era um convite a superaquecer rapidamente os freios a tambor, motivo pelo qual a Vemag chegou a manter seu pessoal técnico no alto da serra da Via Anchieta, que liga São Paulo ao litoral sul, para orientar os proprietários a usar roda-presa. Continua

Nas pistas
O DKW sempre teve vocação esportiva, aqui e no mundo todo. A fábrica em Ingosltadt tinha uma política de apoio e incentivo a pilotos que corressem de DKW em pista e em rali, em âmbito mundial, inclusive o direito a comprar peças com desconto. Mas equipe de competição, na acepção verdadeira da palavra, só a Vemag teve. Como é sabido, a presença de uma equipe de fábrica em corridas de automóveis tem a finalidade de enaltecer e provar as qualidades da marca. Nisso a equipe Vemag teve êxito absoluto.

O alemão Karl Iwers, de Porto Alegre, que importava DKW antes e depois da Segunda Guerra Mundial, já corria com o carro em seu estado. Chegou a participar da primeira Mil Milhas Brasileiras, em 1956, com um F91. Com o início da produção do DKW no Brasil, sua nomeação como concessionário Vemag foi praticamente automática. Um F91 e outro F93, obviamente importados, começaram a correr em São Paulo em 1957-1958, inclusive nas Mil Milhas que se seguiram. Seus donos eram ninguém menos que os pilotos Eugênio Martins e Mário César "Marinho" de Camargo Filho, na ordem. "Marinho" (foto) logo brilharia como piloto de DKW.

Mas foi a chegada do modelo F94 de quatro portas, em 1958, que fez o curioso carro de motor a dois tempos entrar em massa nas pistas. Naquela época o único autódromo brasileiro era o de Interlagos, em São Paulo, e por isso se corria muito em circuitos de rua como os do interior de São Paulo, em Piracicaba, Araraquara, Piraju e até em Poços de Caldas, em Minas Gerais. No Rio de Janeiro corria-se na Barra da Tijuca e na cidade de Petrópolis, na serra fluminense. No Rio Grande do Sul havia provas em várias cidades, Porto Alegre inclusive. As corridas de carros de turismo haviam tido grande impulso desde a Mil Milhas e começaram a se multiplicar.

O principal, senão único, rival do DKW era o Volkswagen 1200, prestes a começar a ser fabricado no Brasil, mas também havia carros europeus importados na década de 1950, como Fiat 1100 (Millecento), Citroën 11, Volvo PV444 e Borgward Isabella. O DKW logo se destacou diante da concorrência. A desordem do automobilismo daqueles anos possibilitava misturar os carros de turismo como os de grã-turismo, como Porsche 356 e Alfa Romeo Giulietta. Em 1959 chegaram o Simca Chambord e o Renault Dauphine, que logo foram para as pistas também, acompanhados no ano seguinte pelo FNM 2000 JK.

Esses carros de turismo e GTs corriam tanto nas ruas como no autódromo de Interlagos. Os DKWs, mais numerosos e mais bem preparados — era fácil aumentar a potência dos motores dois-tempos —, começaram a se destacar cada vez mais. Mostravam ótimo desempenho em provas como a Mil Milhas, embora sempre apresentassem problema de durabilidade em provas longas. Mas enquanto andavam — e como andavam! — estavam sempre entre os ponteiros.

O DKW na pista fazia um barulho estridente, ao mesmo tempo corpulento e ensurdecedor, bem diferente dos demais carros. A Vemag havia formado uma equipe de fábrica que estreara na Mil Milhas de 1959 com três carros, com Marinho em um deles em dupla com Eduardo Scuracchio. Já correram com o motor de 1.000 cm3, então novidade, pois até então eram de 900 cm3. Havia DKW em grande quantidade, mas os da equipe da fábrica eram mesmo um show à parte com sua pintura branca. Havia nessa corrida um carro não de fábrica, muito rápido, preparado pela concessionária Vemag Serva Ribeiro. Mas não agüentou. A melhor colocação da marca foi terceiro, conseguida por uma dupla independente, Caio Ferreira e Lauro Bezerra.

Na Mil Milhas de 1961 o DKW n° 10, da fábrica, fechou a primeira volta em primeiro, um feito extraordinário levando em conta que havia carros realmente muito potentes — como certos carreteras com motor Corvette de pelo menos 4,5 litros — e um nacional de bom conjunto mecânico, o JK, além do Simca. Estas duas marcas também haviam formado equipes oficiais. Nesse ano a Vemag contratou Bird Clemente, um grande reforço para a equipe. Foi o carro de Marinho e Bird que passou em primeiro ao fim da primeira volta. O motor de 1,1 litro desenvolvia 103 cv.
Essa virada 1959/1960 e os primeiros anos da nova década foram o grande momento do DKW nas pistas, sobretudo nos circuitos de rua, onde eram imbatíveis. O sossego acabaria quando a Willys-Overland começou a produzir em 1961 o Interlagos, que foi para pista logo no ano seguinte em equipe comandada pelo piloto Christian Heins, que também chefiava a produção do carro. A versão berlineta, muito leve e baixa, com motor 1,0-litro de cerca de 70 cv, deixava o pesado e alto DKW para trás, em especial em Interlagos.

Em meados de 1963 Jorge Lettry, o gerente de competições da Vemag, viu que precisaria de outro carro para enfrentar o Interlagos. A solução veio em 1964 com o GT Malzoni (leia história), produzido a partir da plataforma do DKW por Rino Malzoni em Matão, SP. Ainda um protótipo em chapa de aço, mostrava grande potencial. A versão definitiva, com carroceria em plástico reforçado com fibra-de-vidro, ficou pronta no fim do ano e em 1965 a Equipe Vemag tinha três GTs Malzoni, com os quais venceu muito na classificação geral.

A concorrência contra-atacou com o Mark I 1300, da Willys, e pouco depois com o Simca-Abarth 2000. Esses carros faziam séria oposição ao GT Malzoni e logo entraria outro muito rápido, o Karmann-Ghia-Porsche da concessionária VW Dacon, de São Paulo. Com motor de 2,0 litros e duplo comando, era muito rápido nas mãos de José Carlos Pace e outros pilotos. A essa altura Bird Clemente já era piloto da Willys.

O ocaso da Equipe Vemag ocorreu em 1966. Já havia sérios rumores de que a empresa estava sendo vendida para a VW, o que ocorreria em agosto. Um mês antes o departamento de competições fechara para sempre, mas antes a Vemag se apresentou na singular competição de quilômetro lançado com o Carcará (leia boxe).

O GT Malzoni faria uma espetacular aparição na Mil Milhas de 1966, quando a Vemag emprestou os três carros, motores e câmbios da equipe que havia fechado para os pilotos que haviam sido da equipe e outros. Quase venceu a corrida o GT de Emerson Fittipaldi e Jan Balder, prejudicado por um pequeno problema de ignição bem perto do fim. Acabou vencendo o carretera Corvette de Camillo Christófaro e Eduardo Celidônio, seguido dos três Malzonis: "Marinho"/Eduardo Scuracchio, Fittipaldi/Balder e Norman Casari/Carlos Erimá. Teria mesmo sido um fecho de ouro para a participação do DKW nas pistas, ainda que "enroupado" com uma carroceria diferente da original.

O DKW ainda continuou nas pistas por mais dois anos, mas sem o brilho de antes. Apenas Casari, que residia no Rio e havia comprado um dos Malzonis da equipe, conseguiu algum sucesso nas provas do campeonato carioca. O berro inconfundível e exuberante do motor dois-tempos passava para a história.

Bob Sharp

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