Com a grade menor e mais discreta, que ganhava um mascote no topo, o estilo do Airflow se tornava mais convencional para 1935

O interior do mesmo ano-modelo: painel bem-acabado, instrumentos em profusão e bom arranjo para deixar a alavanca de câmbio bem à mão

O Airflow ganhava a companhia do Airstream, com influência bem mais discreta da tendência streamline, menores dimensões e motor inferior

Havia espaço para seis ocupantes nos modelos de entre-eixos menor ou mesmo oito nos maiores, com dois bancos rebatíveis entre os dois inteiriços. Em todos os sedãs as portas traseiras eram articuladas para trás, tipo conhecido como "suicida". No cupê, o estepe vinha escondido por trás de uma tampa traseira, enquanto ele era fixado por fora nos sedãs, ao estilo que hoje chamamos de continental. Em todos eles, a bagagem era guardada por dentro do veículo por trás do banco traseiro. O vidro de trás, bipartido, e as largas colunas limitavam a visibilidade em manobras, problema comum nos carros da época.

A reação ao estilo do Airflow foi mista, ainda que, de maneira geral, a primeira impressão tenha indicado interesse. Havia encomendas, mas a apressada finalização do projeto e o desenho radical fizeram com que a produção se atrasasse até abril de 1934. Isso explica as suspeitas do público em relação ao modelo e por que foram fabricados apenas 10.839 Airflows da Chrysler e 13.940 da DeSoto naquele ano. Mesmo com 70 recordes de velocidade entre carros de produção nos lagos de sal de Bonneville, Utah (de uma milha a 153 km/h e 24 horas à média de 135 km/h, por exemplo), o mercado andava cético sobre as qualidades do Airflow. A publicidade da concorrência, sobretudo da General Motors, colocava em dúvida a segurança do modelo. Para calar os duvidosos, a Chrysler comprovou a resistência da estrutura ao atirar um Airflow de um desfiladeiro de 33,5 metros. Apesar de amassado, o sedã continuou funcionando normalmente.
 
Breve evolução, longa reverberação   Foi sob a orientação do desenhista industrial Norman Bel Geddes, especialista em aerodinâmica, que a Chrysler atualizou o desenho do Airflow para 1935. Os para-choques traziam uma lâmina apenas com duas garras, um desenho bem tradicional. Os faróis, agora simples, tinham um ornamento em forma de escudo bipartido logo abaixo. A característica grade de 1934 abriu espaço para outra mais simples, convexa e bipartida, marcando um ressalto no topo do capô, onde havia um discreto mascote. As três aletas de ventilação do ano anterior, nas laterais do capô, passavam a ser uma única com acabamento cromado. Em linhas gerais, o Airflow estava bem mais discreto por conta dessas alterações. Mas a Chrysler não se satisfez ao tornar mais comedido seu mais ousado projeto até então.
 
Substituto do Six, o Airstream era apresentado naquele mesmo ano-modelo como uma opção com influência bem mais discreta da estética streamline. O nome já indicava que o novo modelo deveria faturar na imagem de arrojo e vanguarda do irmão, mas na prática o Airstream apenas se valia de preceitos de engenharia e estilo que já eram conhecidos e empregados, tanto pela Chrysler quanto pela concorrência. Diferente do Six era a opção de motor de oito cilindros e 105 cv, o que confluía com a motorização do Airflow, embora este começasse em 115 cv naquele ano. Se o maior entre-eixos do Airstream era de 3,07 metros, o do Airflow começava em 3,12 m. Por outro lado, o modelo básico deste último custava 65% mais que o do novo carro.
 
De fato, embora nitidamente mais tradicional que o Airflow, o Aistream formava uma dupla coerente com ele, mas ressaltava a modernidade do irmão, que tinha para-choques e faróis semi-embutidos. Contudo, se foram vendidos 7.751 Airflows da Chrysler naquele ano, no mesmo período o Airstream conquistou 33.755 compradores. Para 1936, a mesma relação de personalidade seria mantida entre os dois modelos. O Airflow ganhava nova grade, dessa vez com um prolongamento superior arredondado que lhe dava um aspecto de gaiola de pássaros, e ainda comportava um mascote em forma de duas asas. Os ornamento sob os faróis era circular, lembrando os faróis duplos de 1934. Continua

Os herdeiros

O ano de 1934 foi mesmo o divisor de águas no desenho automotivo, entre o meramente funcional e o que também incorporava e refletia valores estéticos mais aprofundados e propositais, com intuito de vender modernidade, tecnologia e desempenho superior. Ainda que já houvesse indícios de como a aerodinâmica renovaria o aspecto visual dos automóveis mundo afora, como o conceitual Pierce Silver Arrow do ano anterior, nada se compara ao impacto causava pelo Airflow, um carro de série de um grande fabricante que não só apresentava uma traseira de caimento suave, semelhante à forma da gota, como também uma dianteira que embutia elementos antes dispersos como grade e faróis. Por ser um carro de fabricação mais avançado que o que se via como futurismo pelos salões do automóvel, o Airflow causou a surpresa de um escândalo na época.

Alguns meses depois de sua apresentação e chegada às concessionárias da Chrysler, o outro lado do Atlântico demonstrava estar em sintonia com os preceitos defendidos pelo Airflow. No Salão de Paris, em outubro, dois modelos também tiravam o fôlego dos visitantes. Um era o Voisin C25 Aérodyne, que até possuía um recorte interessante do capô, mas concentrava no teto a ousadia de uma inclinação em forma de arco e o deslizamento para trás, deixando aberta a área sobre o banco dianteiro. A outra estréia era a do também revolucionário Tatra 77 checo, ainda mais radical que o Airflow, mas muito menos influente. Com faróis semi-embutidos e sem grade por conta do motor traseiro a ar, ele terminava em uma longa cauda com barbatana central que lhe deixava com aspecto de um grande girino, até por não ter janelas atrás. Tão estranho quanto fascinante, o 77 serviu de inspiração para outros modelos da Tatra e também para a arquitetura do primeiro Volkswagen, o Fusca — ainda que, visualmente, este mais parecesse um Airflow Coupe.

Em 1935 outros modelos streamline começaram a surgir pelo mundo. Um dos mais interessantes era o Peugeot 402. Em seu perfil geral ele parecia a mais fiel cópia do Airflow sedã, mas o fabricante francês conseguiu criar uma solução ainda mais bizarra que a cascata cromada da grade do modelo norte-americano. Por trás de uma grade ovalada em forma de escudo, o 402 tinha dois faróis circulares. Outra solução que não é para todos os gostos, mas é singular, corajosa e criativa. Até a Fiat — que, ironicamente, hoje adquire o controle acionário da Chrysler — lançou naquele ano o sedã 1500 na proposta streamline. Mais discreto que os modelos norte-americano, checo e francês, ele tinha faróis semi-embutidos nos para-lamas, ao estilo do Pierce-Arrow, e desenho todo arredondado, ainda que sem vigias nas colunas traseiras nem inclinação acentuada atrás.

Para continuar em modelos com influências mais evidentes do Chrysler, de marcas sem pretensões de exclusividade — como eram os carros de luxo da época, não raro com carrocerias personalizadas —, outras três provas do poder global de influência do Airflow foram o sueco Volvo PV36 "Carioca", o japonês Toyota AA e o alemão Adler 2.5 Liter. O primeiro, de 1935, lembrava o Airflow daquele ano até pelas saias nos para-lamas traseiros, ainda que também sem vigias laterais traseiras. Além de representar uma ruptura no desenho da Volvo, marcou a priorização da segurança nos produtos da marca. Primeiro Toyota de passeio, o AA de 1936 foi desenvolvido num processo de engenharia reversa: um Airflow foi todo desmontado para os japoneses entenderem os detalhes em que baseariam seu projeto. Já o 2.5 Liter de 1937 foi o último modelo da Adler. Sua frente, com faróis embutidos e grade com aletas que se prolongavam por todo o capô, lembrava a do Airflow 1934, mas o traço de personalidade própria era a linha de cintura descendente.

Voisin C25 Aérodyne Peugeot 402
Tatra 77 Fiat 1500
Volvo PV36 "Carioca" Toyota AA
Adler 2.5 Liter Lincoln Zephyr

Nos Estados Unidos, um segundo marco do estilo streamline foi o Lincoln Zephyr de 1936. Sua carroceria lembrava bastante a do Chrysler da mesma escola de desenho, mas a frente equilibrava faróis embutidos nos para-lamas com um nariz bem ressaltado para comportar a grade. Eram traços mais discretos que os do Airflow de dois anos antes, o que ajudaram a lhe garantir uma vida mais longa no mercado.

Alem de várias pequenas influências em outros modelos de Detroit, o estilo streamline alavancado pelo Chrysler ironicamente renderia um grande (e tardio) sucesso no mercado norte-americano dos anos 50 em diante, quando o Volkswagen começou a conquistar sua fatia cada vez mais generosa de vendas entre os importados. Detroit já seguia outros caminhos no desenho automotivo. De qualquer forma, o Fusca e todos os demais exemplos aqui listados comprovam que, se o Airflow não vingou em termos comerciais, ele serviu de musa inspiradora de boa parte dos projetos mais interessantes e ousados dos anos 30.

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