Alguns de nós podem nem se dar mais conta, mas como andam monótonas
nossas ruas e estradas em termos de cores de automóveis! A cinzenta
e impessoal grade de tons que vai do prata ao preto tomou conta da
paisagem brasileira, por motivos já bastante comentados — do
interesse de fabricantes e concessionárias, que não querem correr
risco de encalhe, ao receio de muitos de comprar um carro que seja
mais difícil de revender.
Mas nem sempre foi assim, como não é assim — ao menos com a mesma
intensidade — mundo afora, o que faz das cores dos carros um
interessante assunto.
No começo do século passado já era possível escolher entre várias
cores para um automóvel e mesmo combiná-las no mesmo carro: usar um
tom mais escuro nos para-lamas, então destacados da carroceria, era
um arranjo bastante comum. Foi a produção em massa de Henry Ford,
com o Modelo T, que
começou a tirar um pouco dessa variedade das ruas.
Como a tinta preta era a que secava mais rápido — portanto mais
adequada ao ritmo acelerado de montagem em série —, em dado momento
Ford a elegeu como cor obrigatória para o veículo responsável por
motorizar os Estados Unidos. Vem daí a frase que seus concorrentes
maldosamente lhe atribuíam: "Você pode ter seu Modelo T de qualquer
cor, desde que seja preto".
Passado o período do T, o colorido voltou a predominar nas ruas. Nos
anos 50 tornou-se frequente a pintura "saia e blusa", em que a linha
de cintura — à altura das maçanetas — dividia o carro em dois tons,
em geral com o mais escuro embaixo. Alguns modelos valorizavam tal
repartição, coincidindo-a com frisos e adornos em formas criativas.
No Chevrolet Corvette, um
tom diferente podia ser aplicado a uma seção de forma côncava atrás
das rodas dianteiras.
Foi também nesse período que ganhou força a pintura do teto em tom
mais claro que o restante, até mesmo branco — comum nos carros
nacionais da DKW-Vemag. O
motivo é fácil de entender: como uma cor clara reflete mais os raios
solares e absorve menos calor, aplicá-la à cabine contribuía para
reduzir seu aquecimento quando exposta ao sol.
Fatores racionais à parte, existem cores muito associadas a marcas
ou nacionalidades, como o vermelho para a Ferrari. Já para os
alemães da Audi e da Mercedes-Benz, o prateado remete aos tempos dos
"Flechas de Prata", modelos
de corrida dos anos 30 produzidos pela marca da estrela e pela Auto
Union, associação da qual apenas a Audi remanesceu. Na França, os
Bugattis esportivos tinham no azul sua cor habitual, mantida anos
depois por Amedée Gordini
em seus Renaults preparados.
Nos Estados Unidos, branco e azul vêm muitas vezes associados entre
a pintura predominante e as faixas longitudinais. E muitos carros
esporte ingleses só pareciam completos se viessem em verde escuro —
melhor ainda com revestimento interno em bege, o que este editor
considera irresistível.
Essas cores não se consagraram por acaso: nos anos 20 e 30, por
ocasião das corridas de Grande Prêmio — a antecessora da Fórmula 1
—, adotaram-se cores como padrão para os países de origem dos
carros. Os alemães usavam branco ou prata (às vezes com o metal sem
pintura); os franceses, azul; os japoneses, branco com um círculo
vermelho no capô em alusão a sua bandeira; os italianos, vermelho;
os norte-americanos, branco associado a faixas em azul ou o
contrário; e os ingleses, o clássico British Racing Green ou verde
britânico de competição. |
Gente importante
Voltando aos automóveis em nossas ruas, da fase inicial da
indústria local até os anos 70 predominavam por aqui tons suaves
como azul e verde claros, bege e branco. Carro preto era raridade,
quase exclusivo de veículos oficiais. Pode ser que essa imagem de
"cor de gente importante" explique, até hoje, por que se compram
tantos carros pretos num país tão quente quanto o nosso. Certamente
não é por qualquer aspecto prático, já que a pintura nesse tom
queima-se com facilidade, destaca qualquer risco e é das mais
difíceis de se conservar limpa.
Então vieram as cores metálicas e as preferências começaram a mudar.
Com brilho diferenciado e maior proteção contra as intempéries, a
pintura especial ganhou amplo espaço no mercado, mesmo custando
mais. Foi com ela que cores não muito populares antes, como cinza,
vinho, dourado e tons escuros de azul e verde, começaram a aparecer
mais nas ruas. Nos anos 80 e no início dos 90, acredito, tivemos
nossa maior variedade cromática entre os carros novos.
Variedade que chegou ao exagero em alguns casos. Por volta de 1995
os fabricantes passaram a lançar cores inusitadas — tons vivos de
verde, roxo, marrom-ferrugem — para chamar atenção para lançamentos
como Corsa, Fiesta e Palio, seguidos mais tarde pelo amarelo do
Astra (1998). Os poucos que aderiram pagaram o preço pela
dificuldade para revender o carro, pois o mercado logo se cansou da
brincadeira e passou a rejeitar os tons "de lançamento". Parece que
não se havia aprendido nada com o Voyage Los Angeles de 1984, série
especial pintada em um azul que muitos associavam a tampas de
panela.
Depois do predomínio do vinho (repare nas ruas quantos carros dos
anos 90 têm essa cor), o prata e o cinza rumaram à liderança, em
geral apoiados em uma associação com tecnologia
—
metais costumam ter tons cinzentos, do aço ao titânio, passando pelo
alumínio.
A adesão foi tão grande que até os fabricantes mostraram receio de
contrariar essa tendência. A bela cor dourada do Focus, que a Ford
argentina chamava de bege, era vendida aqui como prata Atenas para
não assustar o comprador com algo que — embora não fosse prata para
seus olhos — fugisse muito ao que ele buscava. O mesmo ocorreu para
um tom azulado que a Toyota preferiu chamar de prata Aquamarine.
Outro fenômeno dos últimos 10 a 15 anos foi a retração do branco, ao
menos em São Paulo e outros mercados em que essa se tornou a cor
obrigatória para táxis. Embora tenham mantido a preferência de
muitos em regiões como o Sul e o Nordeste, os carros particulares
brancos quase desapareceram das ruas paulistanas e, mais tarde,
também do interior do estado.
Depois de mais de uma década da triste hegemonia da gama
prata-cinza-preto, o cenário volta a ganhar variedade. O branco
recuperou-se a olhos vistos e já representa importante parcela das
vendas de importados de luxo. Cores alegres como amarelo e laranja
continuam a ser usadas nos lançamentos, sobretudo em versões
esportivas e "aventureiras", mas já assumem certo espaço nas vendas.
E, como nada se cria, tendências de outros tempos estão de volta. As
faixas pretas que acabam de aparecer no Ka Sport, e que a Ford
procura associar às do Mustang, parecem as do
Corcel GT dos anos 70 — na
época, como agora, o carro esporte norte-americano foi a inspiração.
No Mini da BMW e no Citroën DS3, o teto branco ou de outra cor em
contraste à da carroceria remete ao
Mini original da BMC, ao
Citroën DS e a outros modelos de
meio século atrás.
Só falta mesmo ressurgir a pintura "saia e blusa" — se vale uma
sugestão, ficaria ótima na Kombi, já que a perua é praticamente a
mesma desde quando essa combinação de tons estava em alta. |
Pode ser que
essa imagem de "cor de gente importante" explique, até hoje, por que
se compram tantos carros pretos no Brasil |