Os
leitores que nos acompanham há mais tempo, ou que gostam de reler
nosso arquivo, podem se lembrar do título "A hora do alongamento" —
que só não repeti neste editorial para evitar uma semelhança com o
"A hora de não trocar" da edição anterior.
Aquele título foi usado em um artigo técnico publicado em 2002, ano
do lançamento do Polo nacional, em que apontávamos a insatisfação de
muitos proprietários com as relações de transmissão definidas pela
Volkswagen para a versão de 1,6 litro. A matéria então explicava as
causas e consequências dessa decisão pelo câmbio curto, citava
outros exemplos — de erros e de acertos — e mostrava uma tabela com
a rotação dos carros avaliados pelo site a 120 km/h na última
marcha.
E por que volto a esse tema sete anos depois? A razão é termos
publicado há poucos dias a avaliação do
Polo Blue Motion,
nova versão com ênfase na economia de combustível e na redução de
emissão de gás carbônico (embora a VW não destaque o segundo fator,
ele é diretamente afetado pelo primeiro — e sua importância cresceu
muito com a recente preocupação com o aquecimento global). Ao lado
de medidas como melhorias aerodinâmicas e pneus mais estreitos, o
Blue Motion trouxe um expressivo alongamento da transmissão, o
quarto feito pela VW no Polo 1,6 desde o lançamento (já houve
alterações nos modelos 2003, 2004 e 2009), o que fez dele um típico
4+E.
E o resultado não poderia ser melhor: com praticamente o mesmo motor
daquele Polo 2002 que incomodava pela alta rotação em velocidades de
viagem, como 3.900 rpm a 120 km/h, o Blue Motion sussurra a 2.650
rpm a tal velocidade. São 32% menos giros! Naturalmente a agilidade
em retomadas em quinta marcha não é a mesma, mas câmbio existe para
ser usado quando necessário. Basta reduzir para quarta para obter
respostas mais rápidas, pois nesse caso o Blue Motion vai a 3.450
rpm aos mesmos 120 km/h, ante 3.300 do Polo convencional de hoje em
quinta. Pode-se até mesmo fazer longas viagens em quarta sem que
isso cause esforço ao motor, pois a exigência ainda será bem menor
que no carro de 2002 em quinta marcha. Portanto, o 4+E representa o
melhor de dois mundos.
No comparativo em que avaliamos o Polo pela primeira vez, em outubro
de 2002, escrevemos que ele "poderia, sem dúvida, utilizar uma caixa
4+E como a do Corsa [de 1,8 litro], com benefícios ao consumo, nível
de ruído e até à durabilidade do motor, sem deixar de ser ágil. A
prova disso é que, sem o uso do ar-condicionado, permite sair em
segunda e passar logo a quarta ou mesmo a quinta em uso urbano
tranquilo. É quase como se tivesse apenas quatro marchas reais e
mais uma — a primeira — bem reduzida, como num utilitário..."
Com os dois primeiros alongamentos feitos nas versões convencionais,
que afetaram apenas as marchas superiores, a situação melhorou, mas
o Polo continuou com primeira bem curta e marchas muito próximas
entre si, que produziam quedas de rotação pequenas a cada troca. Não
era coerente com um motor de bom torque em baixa rotação como esse
(para entender melhor, leia artigo
técnico a respeito). Agradável aos ouvidos em uma direção mais
esportiva? Até que sim, mas quantos de seus proprietários andam
assim e por quanto tempo do período que passam no carro? No restante
do tempo, marchas próximas só dão trabalho, pois em certa variação
de velocidade pode ser preciso fazer duas trocas em vez de uma, ou
três em vez de duas. Finalmente na linha 2009 houve alteração nesse
aspecto, que o Blue Motion levou ainda mais longe. |
![Fabrício Samahá, editor](../carros/outros2/fabricio-5m.jpg) |
Problema comum
Embora o caso do Polo seja o mais emblemático, não é o único. Em
várias marcas há modelos que passaram por bem-vindos alongamentos ou
que deveriam receber essa melhoria.
Honda e Toyota, por exemplo, exageraram no câmbio curto nas gerações
de Civic e Corolla lançadas em 2000 e 2002, na ordem. Quem optava
pela caixa automática estava livre do inconveniente, mas quem os
comprava com câmbio manual tinha de aturar ruído elevado e a
sensação de "pedir marcha" o tempo todo na estrada. Antes tarde, as
engenharias dessas marcas japonesas caíram na real e tornaram as
atuais gerações mais agradáveis — sobretudo o Civic, que gira a 400
rpm a menos que o Corolla a 120 km/h em quinta. Quem sabe a Toyota
chegue ao ideal na próxima reformulação...
As francesas, porém, ainda fazem modelos que deveriam ser alongados
em nome do conforto em uso rodoviário. Não há razão, por exemplo,
para um Citroën C4 ou Peugeot 307 com motor de 2,0 litros chegar a
3.600 rpm a 120 km/h, resultado de excessivo encurtamento da
transmissão na versão vendida aqui em relação ao original europeu. A
Renault chega a usar câmbio curto até no Mégane 2,0 com caixa
automática, que produz 3.200 rpm — os automáticos costumam ser mais
longos que os equivalentes manuais, pois não incomodam os motoristas
mais preguiçosos com a necessidade de reduzir marchas pelo comando
da alavanca.
Mas nada é tão desagradável quanto viajar nos carros com motor de
1,0 litro — quase todos eles. De modo geral eles "berram" a mais de
4.000 rpm a 120 km/h e, como são modelos de menor custo com forração
fonoabsorvente escassa, se tornam intoleráveis para quem exige
conforto. Alguns giram em maior rotação (como o Classic, 4.400 rpm,
e o Siena Fire, 4.350 rpm) que outros, como o novo Ka, de 4.050 rpm.
Em quase todos os casos, o problema é que os câmbios foram
calculados para velocidade máxima em quinta marcha. Uma rara exceção
é o Mille, que tem cálculo exato para máxima em quarta e traz a
vantagem de uma quinta longa de 3.850 rpm a 120 km/h. Não é
coincidência que o veterano modelo consiga marcas de consumo em
estrada entre as melhores do mercado.
Esse é mais um motivo para nossa recomendação de optar por motores
maiores — como os da crescente faixa de 1,4 litro — sempre que
possível. Entre modelos dessa cilindrada, no Siena a rotação já cai
para 3.800 rpm; no Prisma (opção natural acima do Classic), para
3.650 rpm; e o Citroën C3 roda a moderadas 3.550 rpm. Se à primeira
vista a escolha de um carro de cilindrada superior tem relação
apenas com desempenho, é bom saber que afeta também o conforto em
viagens. E, como menor rotação se traduz em menor consumo, a
diferença de transmissão traz uma economia que compensa em parte o
aumento de capacidade do motor.
Alguns fabricantes já tentaram a alternativa de usar seis marchas em
câmbio manual. Para um esportivo de alta rotação como o Civic Si,
foi o melhor caminho, pois permitiu definir uma quinta de desempenho
(que o leva a 8.400 rpm a 225 km/h) e deixar a sexta para economia e
baixo ruído, com moderadas 3.200 rpm a 120 — observe que, por ser um
motor "girador", a esse regime ele está abaixo da metade de seu
potencial. Mas há casos em que seis marchas soam como excesso. No
Nissan Tiida, o regime de 3.250 rpm a 120 em sexta equivale-se aos
de Focus e Vectra em quinta, sinal de que a marca japonesa apenas
aproximou as marchas entre si, sem tanto benefício à rotação em
viagem. O fato repete-se na nova Grand Livina, que tem motor e
câmbio similares. E há o caso clássico de Siena e Palio Weekend 6
Marchas, com todas elas tão curtas que a terceira mal chegava a 80
km/h. Pareciam mais um jipe com a reduzida acionada.
Na outra ponta estão carros que usam com vantagem o câmbio longo.
Fiesta e Focus 1,6 giram a 3.350 rpm a 120 km/h, regime contido para
sua cilindrada; o Ka 1,6 é ainda mais longo com 3.150 rpm. Até a VW,
que tanto apelou a caixas curtas no passado (não apenas no Polo),
hoje obtém 3.300 rpm no Gol 1,6 de nova geração, enquanto o Corsa
1,4 vai a adequadas 3.500 rpm, notando-se que tem motor menor que os
demais citados. O caso mais extremo parece ser o do novo Fit 1,4
automático: apenas 2.650 rpm em quinta, sendo a quarta usada para
máxima. Contudo, a caixa do Honda aumenta facilmente a rotação
quando se usa mais o acelerador (desbloqueia-se
o conversor de torque), o que diminui a vantagem.
Minha impressão é de que o mercado brasileiro caminha, mesmo que a
passos lentos, para aderir a câmbios mais longos. À medida que
surgirem novas propostas de "carros ecológicos" como o Polo Blue
Motion, mais consumidores devem se convencer dos benefícios dessa
escolha no cálculo da transmissão, levando outras marcas a ir pela
mesma direção. Um processo que seria bem mais rápido com o devido
esclarecimento pela imprensa, tarefa que o Best Cars
continuará a cumprir. |
Nada é tão desagradável quanto viajar nos carros com motor de 1,0
litro — quase todos eles. De modo geral eles "berram" a mais de
4.000 rpm a 120 km/h e se tornam intoleráveis para quem exige
conforto. |