A hora de não comprar

Antes de concluir que seu carro quase novo deve ser trocado, vale
a pena analisar a vantagem de mantê-lo por mais alguns anos

por Fabrício Samahá

Semanas atrás, conversando com um amigo sobre minha intenção de trocar o carro que comprei há três anos (o que acabei fazendo pouco depois, por outro usado, quatro anos mais novo), ouvi-o lamentar-se da desvalorização pela qual haviam passado nos últimos meses seus dois automóveis, comprados novos há dois anos ou pouco mais. Nada de novo por aqui, já que todo carro passou por acentuada perda de valor de mercado desde o início dos efeitos da crise mundial, por volta de setembro do ano passado.

O que me chamou atenção foi o argumento de meu amigo de que, com tal depreciação, o "pulo" necessário para pegar um zero-quilômetro estava ainda maior e, por isso, ele vinha pensando em antecipar a troca de um dos veículos — ambos estão ainda muito bons e com pouco uso — para evitar que a distância continuasse a aumentar, o que, em seu entender, acabaria por tornar difícil a troca pelo novo mais adiante. Foi quando me veio à mente um dos artigos publicados há mais tempo no Best Cars, logo em 1997, sobre a viabilidade econômica — ou a falta dela — da troca anual de carro, que muitos defendem tanto pela conveniência quanto pelo aspecto econômico, já que em seu primeiro ano de uso um automóvel está em garantia, costuma ter menor custo de manutenção e, ao menos em tese, não dá tantos problemas quanto um mais usado.

Embora tenha faltado tempo de explicar com mais detalhes a questão àquele amigo, achei que seria um bom tema para abordar no Editorial — que ele certamente lerá — no momento em que a indústria comemora o melhor semestre de sua história, com quase 1,4 milhão de unidades emplacadas de janeiro a junho, segundo a Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores). Mas o que uma coisa tem a ver com outra?

A relação dos fatos está na impressão de que o brasileiro em geral troca de carro antes do que deveria sob o ponto de vista financeiro, muitas vezes motivado por questões subjetivas como o desejo de ter uma novidade do mercado, a vontade de se manter atualizado perante os vizinhos ou a sensação de que terá, com a troca frequente, uma vantagem econômica nos custos globais de ter e manter um automóvel. Na verdade, como apontado no artigo de 1997, o que acontece é o contrário: quanto mais tempo com um mesmo carro, menores as despesas.

O primeiro e mais relevante ponto a considerar é a própria desvalorização do veículo. Do zero-quilômetro para o carro de um ano, a perda de valor de mercado gira em torno de 15%, sem considerar a margem de depreciação inerente à venda para uma loja ou concessionária, em geral de outros 15% a 20%. Portanto, o carro que custou 25 mil reais vale em média 21 mil após 12 meses, mas pode ser que você consiga apenas 17 ou 18 mil se quiser trocá-lo por um novo dessa forma conveniente, sem ter trabalho ou correr riscos com a venda a particular (no momento atual a perda talvez seja ainda maior, pois as lojas estão de pátios lotados, mas prefiro analisar de forma genérica). Isso dá uma média, a meu ver espantosa, de 30% de desvalorização real em um ano.

Fabrício Samahá, editor

Ritmo de queda diminui
Do segundo ano em diante a perda de valor é bem mais lenta, o que é compreensível, pois um carro mais barato alcança uma parcela maior de consumidores em potencial. Tomando por base a cotação do Jornal do Carro para um modelo de boa procura e sem grandes alterações nos últimos anos — o Palio Fire de três portas —, há desvalorização de 6% do modelo 2008 para o 2007, de 7% deste para o 2006 e 5% deste último para o 2005 (o usado 2009 ainda não aparece na tabela). Tem-se no total do Palio 2008 para o 2005 apenas 17,5% de perda. Assim, mesmo que o Palio comprado novo em 2005 fosse vendido hoje a uma loja por valor 20% abaixo de sua cotação no jornal, a perda total seria de 45% em relação ao preço do carro zero — em quatro anos.

Que conclusão se pode tirar? Quem trocasse seu Palio anualmente por um zero, entregando o usado na loja, perderia por ano algo como 30% do valor do novo ou, em valores redondos, 7,5 mil reais. Quatro trocas depois, o total de perdas acumuladas é de 30 mil reais, mais que um Palio Fire novo, que hoje custa 24,5 mil reais sem opcionais. Em contrapartida, quem ficasse quatro anos com o mesmo carro até vendê-lo a uma loja teria uma perda de 45% do valor do zero, algo como 11 mil reais, no total do período. A diferença de 11 para 30 mil, que é de 19 mil, dá uma visualização razoável do que se ganha (ou se deixa de gastar) mantendo o carro usado por mais tempo.

Mas — sempre tem um "mas" — a despesa com um carro de três ou quatro anos é maior que com o de um ano ou menos, pode-se alegar. Só em termos. É inegável que a mecânica se desgasta e surgem despesas, algumas relativamente elevadas, como trocas de pneus, embreagem, amortecedores. Só que estamos partindo de uma "economia" de 19 mil reais, dinheiro que paga a manutenção até de um sofisticado carro importado por vários anos. Alguns custos até diminuem com o tempo, caso do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), que considera o valor venal do carro e portanto decresce enquanto ele se desvaloriza. O preço do seguro também tende a cair, embora menos, por causa de custos fixos entre as coberturas contratadas.

Seria então o caso de todos andarmos em carros velhos, às vezes muito rodados? Nem sempre. Há casos que justificam a troca mais frequente pelo perfil de uso, como motoristas que usam o veículo profissionalmente e rodam, por exemplo, 50 mil quilômetros ao ano. Nessa condição os desgastes se aceleram e os custos de manutenção crescem rápido, o que pode diminuir a vantagem de manter o carro por três, quatro anos. Também não se podem desconsiderar os fatores subjetivos já citados. Para muita gente, talvez a maioria, automóvel é mais que um meio de transporte e carrega fatores emocionais — até o famoso "cheiro de carro novo", por mais abalado que ele esteja pelo excesso de plásticos baratos em muitos modelos de hoje...

Entretanto, se para o leitor ou a leitora a questão financeira tem maior relevância que o gosto de mostrar o carro novo aos vizinhos, o melhor a fazer é não cair na tentação e, antes de se decidir, analisar se seu bom companheiro mecânico está mesmo no momento de ceder seu lugar a um zero-quilômetro. É grande a chance de você concluir que a hora ainda é de não comprar.

Quem trocasse anualmente perderia por ano algo como 30% do valor do novo. Quatro trocas depois, o total de perdas superaria o preço do carro zero-quilômetro.

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Data de publicação: 4/7/09

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