As alavancas junto ao volante, para o acelerador e o ajuste do avanço de ignição, renderam o popular apelido do Modelo T no Brasil: "Ford de bigode"
Cem velinhas
Um aniversário como esse não pode mesmo passar em branco. Nem vai. Por seis meses aficionados pelo Ford Modelo T vão se reunir em eventos regionais para celebrar a data de nascimento do clássico que tanto admiram, 1º de outubro de 1908. Nesse dia serão anunciados os dois projetos vencedores do desafio que a Ford propôs a cinco universidades do mundo — três americanas, uma alemã e uma australiana — de criar um carro com os mesmos atributos de simplicidade, leveza, praticidade e forte apelo do Modelo T para o século XXI. Mas esse é uma das várias comemorações.

Patrocinado pela Ford, o Model T Ford Club of America preparou uma grande festa, a "T Party 2008", realizada entre os dias 21 e 26 de julho em Richmond, Indiana, e considerada a maior reunião de exemplares do Modelo T desde que eles deixaram a fábrica. Cerca de mil Tin Lizzies eram esperados, inclusive carros trazidos de países como Canadá, Inglaterra, Alemanha, França, Portugal, Noruega, Austrália e Nova Zelândia. Um casal australiano pretendia desembarcar em Los Angeles com seu motorhome, sobre chassi de Modelo T, e dirigi-lo até o local do encontro, mais de 16 mil quilômetros dali.

De The Henry Ford Museum, em Dearborn, Michigan, viriam tanto um grupo de Modelo T quanto fotos históricas e carros-conceito. Estavam previstas competição de montagem de Modelo T, show aéreo com aviões de antes da Segunda Guerra Mundial, passeios e corrida da versão roadster do modelo. Uma parada por Richmond tentaria bater o recorde mundial de fila mais longa de carros de um mesmo modelo. Como toda boa festa, a idéia era que não faltasse diversão. E a "T Party 2008" é só a principal delas.
 

Roadster de três lugares e o novo Torpedo Runabout, dotado de portas: duas opções da linha 1911, que trazia as primeiras alterações de estilo

Visível claramente na base do carro, a suspensão contava com eixos rígidos e molas semi-elípticas na frente e atrás. Um sistema de cintas banhadas a óleo dentro do câmbio cumpria a função de freios, travando um tambor localizado dentro do câmbio. Os dois tambores das rodas traseiras é que recebiam a ação do freio de estacionamento por expansão. No início era freqüente que os quatro pneus fossem de borracha branca, sem processo de vulcanização. Com medidas 3,00-30 (dianteiros) e 3,50-30 pol (traseiros), circundavam as enormes rodas raiadas de madeira.

Criada de lata   O Modelo T foi desenhado por Childe Harold Wills e dois imigrantes húngaros, Joseph A. Galamb e Eugene Farkas. Também faziam parte da equipe que criou o carro Harry Love, C. J. Smith, Gus Degner e Peter E. Martin. Com 2,54 metros de distância entre eixos, ele representou uma evolução natural dos Ford anteriores. A grade hexagonal de base retangular era confeccionada em latão, assim como os faróis e as lamparinas do carro. Se os faróis eram acesos a carbureto, as lamparinas funcionavam com querosene e pavio mesmo. Não havia lanternas. No máximo se instalava porta-velas, como nas antigas carruagens.

Portas só eram oferecidas quando havia um banco traseiro, caso da versão Touring Car de cinco lugares. Além dela eram oferecidos o Coupe e o Runabout de dois lugares, o Town Car de seis e o Landaulet de sete. Cinza, verde e vermelho eram as cores disponíveis. Se o Touring Car era a opção mais popular, não é difícil entender a razão: por apenas 25 dólares a mais que os 825 do Runabout básico, podiam-se levar dois passageiros a mais.

Os modestos 540 kg de peso eram resultado de um esforço dos projetistas da Ford, que buscavam associar leveza a resistência no projeto. A robustez do motor era equivalente à do chassi no Modelo T — ainda era corriqueiro encontrar partes de madeira na estrutura dos carros da época. No novo Ford o chassi era construído apenas em aço e liga de vanádio, que Henry havia descoberto ainda para modelos anteriores. A publicidade da época afirmava ser esse material 50% mais rígido que o aço de outros carros. Ele estava nos eixos, molas, engrenagens. As carrocerias eram de madeira.

Na busca pela simplicidade, a lista dos equipamentos opcionais pareceria piada nos dias de hoje. Velocímetro, pára-brisa e teto rebatível, por exemplo, estavam entre eles. Em parte, seria a incorporação definitiva de alguns itens hoje essenciais, como esses, entre os itens de série do Modelo T que marcaria parte de sua evolução ao longo dos anos.

De modo geral, no entanto, a nota dominante nas modificações feitas pela Ford com o tempo trataram de deixá-lo mais simples, rápido e barato de se construir em grande escala, de modo a poder reduzir o preço e efetivar sua popularização. Os 10.660 exemplares fabricados no primeiro ano de mercado seriam quantidade irrisória se comparada aos números dos anos seguintes. As mudanças nesse sentido já eram percebidas no modelo 1910. Em seu segundo ano de fabricação, o Modelo T teve sua paleta de cores trocada pelo tom único de verde escuro. Continua

Nas pistas
Além de motorizar a América e o mundo, o Tin Lizzie também se tornou um dos mais prolíficos carros de corrida já feitos, ainda que não seja lembrado por isso. O Modelo T foi muito usado em competições nas categorias de entrada, graças às peças para aprimorar seu desempenho. Esses carros eram aliviados de grande parte da carroceria e, antes da Primeira Guerra Mundial, já havia conversões com válvulas e comando no cabeçote disponíveis no mercado. Kits para rebaixar o chassi também vieram depois, assim como coberturas de rodas e carrocerias monoposto, entre outros itens.

Já em 1909 o Modelo T vencia a prova de travessia dos EUA costa a costa, de Nova York a Seattle. Ele chegou cerca de 17 horas antes do segundo colocado, depois de 22 dias e 55 minutos em que percorreu 6.560 km a uma média de 13,7 km/h. Em 1911 o Ford vencia várias provas de subida de montanha. Seu papel como incentivo ao automobilismo em geral nos EUA é enorme. Os T de corrida chegaram a usar componentes Chevrolet.

Eram partes da Frontenac, marca que Louis Chevrolet — que ajudou a fundar a mais famosa divisão da General Motors — e seu irmão Gaston criaram em 1916 para produzir carros de corrida. Os Fords com peças dessa empresa eram chamados de Fronty Fords. Em 1916 e 1917 foram várias as vitórias alcançadas por eles. Com um Ford T dotado de cabeçote Frontenac, Gaston Chevrolet venceu a 500 Milhas de Indianápolis em 1920. Outras vitórias vinham em 1921. Válvulas e cabeçotes produzidos pela Chevrolet chegaram a equipar os Fords de corrida.

Em 1923 L. L. Corum chegou em quinto lugar com seu Fronty Ford no circuito de Indianápolis. Já em maio de 1924, o próprio Henry Ford foi juiz na 500 Milhas e chegou a posar para fotos em um Fronty feito por Arthur Chevrolet, outro irmão de Louis. As velocidades excediam 160 km/h nas retas. Os Fronty Fords não chegaram a ganhar naquela prova, mas bateram todos os recordes de velocidade dos anos anteriores. Em 1924 e 1925 até o pai de Stirling Moss correu de T na mesma prova. Nos anos 40 ainda havia exemplares de Fronty competindo nos EUA.

Carro do Século
Até hoje nenhum outro carro recebeu maior honraria e reconhecimento que o Ford Modelo T. Em dezembro de 1999 ele foi eleito O Carro do Século por um júri internacional formado por 132 profissionais de 33 países, como jornalistas automotivos e outros especialistas, que o consideraram o carro mais influente do século XX. De 700 modelos selecionados desde outubro de 1996 por recomendações de membros da indústria e clubes, sobraram 200 elegíveis em fevereiro de 1997. Em setembro daquele ano a lista já tinha sido reduzida a 100 carros, anunciados no Salão de Frankfurt.

Uma votação pela internet indicou os 10 favoritos do público, enquanto o júri escolhia seus 25 favoritos. Dos 10 carros da eleição popular, nove estavam na lista do júri, exceto o AC Cobra, o que fez a lista divulgada no Salão de Genebra de 1999 ter 26 veículos. No Salão de Frankfurt daquele ano finalmente eram revelados os cinco finalistas.

Além do Modelo T, Austin Mini, Citroën DS, Volkswagen Sedan (Fusca) e Porsche 911 figuraram nessa ordem como os outros integrantes dessa elite. No mesmo evento foram anunciados o Desenhista Automotivo do Século (Giorgetto Giugiaro), o Engenheiro Automotivo do Século (Dr. Ferdinand Porsche), o Executivo Automotivo do Século (Ferdinand Piëch) e o Empresário Automotivo do Século. Este último foi para Henry Ford, o pai do Modelo T.

Recentemente, a revista Time escolheu o Modelo T um dos 50 piores carros de todos os tempos. É uma lista bem humorada, que se apega a alguns fatos peculiares desses carros, mas comete algumas grandes injustiças.
Nunca ninguém defendeu a idéia de que o Modelo T fosse um exemplo de tecnologia de ponta, conforto ou luxo, muito menos a perfeição em forma de carro. Mas chamá-lo de "pedaço de lixo, o Yugo de seus dias" (em alusão ao problemático carrinho feito na antiga Iugoslávia e vendido nos EUA nos anos 80) foi uma oportunidade desperdiçada de publicar qualquer outra coisa, uma página em branco que fosse.

A simplicidade do Modelo T possibilitou a popularização do automóvel, a ebulição da indústria e do transporte como meio de expressão da liberdade do indivíduo. Responsabilizar o T pela poluição nos grandes centros e até as guerras causadas por conta do petróleo, ainda que seja compreensível a ligação, é de um simplismo obtuso. É como defender que a revolução industrial deveria ter esperado, para tirar a humanidade da economia exclusivamente rural ou artesanal, que surgissem processos produtivos dependentes apenas de energia limpa e renovável. Ou isentar os governos belicistas de suas (ir)responsabilidades e atrocidades.

Até é possível encarar a lista dos 50 piores carros da história da Time como uma leitura divertida, demonstração de um dos passatempos preferidos do americano médio contemporâneo: difamar os automóveis de Detroit. Mas quem busca a verdadeira importância do Modelo T na história deve considerar a eleição do Carro do Século. Cabe ao Carro do Século XXI conseguir manter as qualidades trazidas pelo Modelo T e extinguir as limitações de seu projeto que persistem nos carros atuais, como impacto ambiental e segurança. É esperar para ver.

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