Beleza ajuda a vender automóveis; disso ninguém duvida. Há inúmeros
casos, aqui ou no exterior, de carros nem tão bons assim sob diversos
aspectos, mas que conseguiram grande aceitação por se destacar em
estilo. Quando se trata de Brasil, ainda mais: é famosa mundo afora a
valorização que damos à aparência, a apresentar aos outros algo que
pareça bom, moderno, caro ou tudo isso, mesmo que não o seja.
Diante desse quadro, tem causado espanto ver alguns recentes
lançamentos da indústria nacional. E o que me leva a abordar esse
assunto, como se imagina, é a apresentação da minivan
Chevrolet Spin,
um projeto da General Motors do Brasil para substituir as longevas
Meriva e Zafira.
Minivans são, por definição, um tipo de veículo que desafia a
criatividade dos projetistas. No passado elas eram retilíneas a ponto
de parecer um caixote sobre rodas, como as primeiras gerações da
Dodge Caravan e da
Renault Espace — duas
das criadoras desse segmento em âmbito mundial, ao lado da japonesa
Nissan Prairie. Nos anos
90 ganharam curvas e na década passada voltaram ao predomínio de
linhas retas, mas com alguma harmonia, tendência da qual a Zafira era
um bom exemplo.
Como a maior parte dos desenhos da alemã Opel — marca responsável por
quase todos os projetos de estilo de automóveis lançados pela GMB do
primeiro Opala ao Vectra hatch —, a minivan mostrava formas simples
que não despertavam suspiros, mas não causavam rejeição e tinham a
qualidade de demorar a envelhecer. O mesmo pode ser dito de outros
Chevrolets originários da Opel, como as duas gerações do Corsa, o
Astra, o Omega original e os dois primeiros Vectras (abro exceção para
a terceira geração deste sedã, com sua traseira que parece já ter
nascido ultrapassada).
Duvida? Basta comparar o Vectra lançado aqui em 1996 com qualquer
outro carro da época. Com raras exceções, em geral em segmentos bem
superiores, será difícil encontrar um que tenha visto passar 16 anos
com tanta elegância.
Em algum momento, porém, a GM local decidiu partir para a
independência. Não que fosse a primeira vez: além das infinitas
remodelações aplicadas aos velhos Opala e Chevette, a subsidiária
brasileira havia desenvolvido no passado alguns bons projetos
parciais, como as versões sedã e picape das duas gerações do Corsa e a
frente com que o S10 e o Blazer foram lançados em 1995 (mais atraente,
a meu ver, que a original dos Estados Unidos). O próprio Celta de
2000, um redesenho local para o Corsa, não ficou de todo mau apesar da
aparência de fragilidade, que se tentou corrigir seis anos depois com
a adoção de faróis exagerados.
Até ali, entre erros e acertos, o saldo parecia bastante positivo para
o braço brasileiro da Chevrolet. Mas algum fator — talvez a intenção
da corporação norte-americana de vender a Opel depois que se deflagrou
a crise econômica mundial — levou à decisão de priorizar o
desenvolvimento de estilo no País, com exceção de alguns modelos que
teriam o projeto trazido da Coreia do Sul, como Sonic e Cruze, ou de
carros importados a exemplo de Captiva e Omega. Para os segmentos de
maior volume de vendas, os desenhos seriam mesmo elaborados em São
Caetano do Sul, SP. |
Frente de picape
O primeiro fruto da nova fase apareceu em 2009, o hatch Agile. Foi
um espanto: o que havia acontecido com a GM em um segmento antes
ocupado pelos harmoniosos Corsas? Faróis e grade imensos formavam uma
frente que parecia ter saído de um picape sem o necessário ajuste de
proporções. De lado, uma peça plástica simulava com mau gosto a
extensão da linha das janelas, enquanto a traseira simples, tímida,
não combinava com o restante. Era como se diferentes equipes — nenhuma
delas de grande talento — tivessem se encarregado de desenhar cada
parte do carro sem se comunicar com as demais.
Não demorou muito e a GMB surpreendeu outra vez. A primeira geração do
Montana havia esbanjado bom gosto em um segmento também complexo para
se obterem bons desenhos — picapes derivados de automóveis nem sempre
conseguem proporções harmoniosas, como provam o Peugeot Hoggar, o Ford
Courier e a geração anterior do VW Saveiro, todos com a sensação de
caçamba comprida demais. No novo modelo lançado em 2010 a empresa de
São Caetano errou não só isso, mas em muito mais.
Como o especialista Edilson Luiz Vicente apontou em sua
análise
de Agile e Montana, o picape ficou desarmônico sob qualquer ponto
de vista. Manteve os "olhos esbugalhados" e a grade excessiva do
hatch, adotou padrões de estilo antiquados em vários detalhes e ficou
com a sensação de caçamba muito baixa quanto vista de lado. O apelido
popular "Monstrana" está longe de parecer inadequado.
O próprio Edilson expressou naquela oportunidade o desejo de ver uma
volta por cima pela GMB, uma recuperação do talento esquecido no
passado para desenhar automóveis. Mas o que veio em seguida ficou
longe de atender a essa esperança: o sedã Cobalt, lançado no fim de
2011. Surpreendia o fato de, mesmo partindo de uma nova plataforma, a
empresa ter mantido toda a filosofia de estilo iniciada com o Agile:
frente alta e abrutalhada, faróis e grade exagerados, traseira sem
expressão. E havia ainda um excesso na elevação da linha de cintura,
que forma a base das janelas — a relação incomum entre vidros e chapa,
talvez adotada em busca da sensação de robustez, deixava o desenho
pesado.
Por fim, veio a notícia de que a GMB estava desenvolvendo uma minivan
para substituir diretamente a Meriva e, por meio de uma versão com
sete lugares, tentar ocupar também o espaço da Zafira. Os esboços
veiculados na imprensa e, mais tarde, as fotos do modelo disfarçado
pelas ruas confirmavam que a fórmula equivocada de desenho dos modelos
recentes seria mantida no novo projeto.
Então foi revelada esta semana a Spin. Se um dos erros do estilo dessa
"família" — os faróis desproporcionais para o porte do carro — parece
ter sido percebido, outros se mantiveram. A frente é alta e retilínea
como a de um utilitário e a grade sozinha (sem considerar a tomada de
ar inferior) ocupa cerca da metade de sua seção vertical, argumento
típico de picapes e não de automóveis. Nas laterais, os para-lamas
parecem estufados e a linha de cintura é alta ao extremo. Todo esse
volume excessivo deixa as rodas com a sensação de serem muito
pequenas, o oposto do que deveria ser o objetivo. Na traseira, como
nos demais modelos, a sensação é inversa à da frente: grande área de
chapa e poucos elementos para preencher o conjunto, caso das lanternas
pequenas.
Estaria eu sendo rigoroso demais com a GM? Improvável. A cada um
desses lançamentos, leitores do Best Cars — e aficionados por
automóvel nos quatro cantos da internet — têm opinado de maneira
semelhante sobre seus desenhos, o que expressa a concordância da
maioria dos interessados de que os novos Chevrolets de projeto
nacional não agradam em aparência.
É a única marca a cometer essa falha? Seguramente não, pois erros de
desenho têm sido cometidos em várias delas, por diferentes razões —
desde a obsessão por baixos custos em todo o projeto, como a que
norteou o Renault Logan, até a necessidade de atualizar um desenho
antigo sem investir muito, como ocorreu anos atrás com o VW Golf e o
Ford Ranger. No entanto, nenhuma empresa parece insistir nas mesmas
falhas com tanta ênfase quanto a GM em sua fase de independência.
É como se ela, ao circular pela contramão da via por quilômetros e
quilômetros, tivesse a certeza de estar certa e de que todos nós — os
que buzinamos e piscamos faróis no sentido oposto para tentar
alertá-la — é que estamos equivocados. |
Era como se
diferentes equipes — nenhuma delas de grande talento — tivessem se
encarregado de desenhar cada parte do carro sem se comunicar com as
demais |