Não é de hoje que
adesivos ilustram a personalidade do motorista. Do curioso "Já fui
assaltado!" distribuído por uma rádio, que parecia pedir aos meliantes
que escolhessem uma vítima com a carteira mais cheia, às marcas de
acessórios e itens de preparação aplicadas às portas dos carros "tunados",
ao estilo Velozes e Furiosos, muito do que pensa o dono de um
carro pode ser dito ao mundo por esses pedaços de plástico.
A questão se complica, no entanto, quando os adesivos — ou outras formas
de gravação e identificação — se tornam pseudo-soluções, em geral
impensadas, para problemas que não se resolvem com tanta simplicidade.
Lembra-se o leitor do selo-pedágio, que permitia o trânsito do veículo
em rodovias por um preço mensal único? Cobrava-se o mesmo valor de quem
usava a estrada todos os dias e de quem o fazia uma vez por mês — o
exato oposto do que se pode considerar uma tributação justa. Depois, em
1997, surgiu o selo de licenciamento, aplicado ao pára-brisa para
facilitar a fiscalização. Não se sabe se seu fim precoce, logo no ano
seguinte, teve relação com a cola, terrível de remover. Sei de carros
que o têm até hoje.
Agora é a vez de dois outros adesivos. Um, com o número da placa da
motocicleta e aplicado ao capacete do piloto, é um projeto de lei
arquivado em janeiro de 2003 e reapresentado em setembro pelo senador
Magno Malta (PL-ES). Outro projeto, proposto pelo deputado Carlos
Rodrigues (PL-RJ), prevê que todo motorista com até um ano de
habilitação ostente, no pára-brisa e no vidro traseiro, a frase
"Atenção, motorista recém-habilitado". O adesivo seria entregue junto
com a habilitação.
Mais uma vez, como comentado no Editorial O poder
da canetada, nossos legisladores demonstram alienação dos
verdadeiros problemas do País.
No caso das motos, qual a razão para criar uma nova identificação? Elas
podem perfeitamente ser identificadas pela placa, cabendo à fiscalização
garantir que esta permaneça visível e sem adulteração. O site do senador
alega que "no caso de utilizarem veículos roubados, estará estampado nos
capacetes a diferença com a placa veicular, o que facilitará o trabalho
fiscalizatório". Bobagem: quem assalta um motociclista pode levar também
o capacete.
Na questão do motorista recém-habilitado, o debate vai além. Tal
indicação é típica do “ouviu o galo cantar mas não sabe onde”. Em muitos
países o motorista novato é obrigado a ostentar no veículo tal
informação por período que varia de um a dois anos — como a Permissão
para Dirigir válida por um ano daqui. Mas jamais uma longa frase nos
vidros, e sim uma letra aplicada à traseira mediante adesivo.
A letra, que no Brasil poderia ser “P” (Permissão), serve para informar
aos policiais que ali vai um motorista nessa condição, e não a quem está
dirigindo outros veículos. Isso porque quem recebeu apenas a permissão
tem certas restrições. Por exemplo, não exceder 90 km/h (França e
Portugal), alcoolemia zero (Nova Zelândia), carros com relação
peso-potência igual ou superior a 20 kg/cv (Itália) e não dirigir entre
22h e 5h sem acompanhamento de um adulto (Nova Zelândia).
À parte o que se aprende com o tempo, todo o restante da qualificação de
um bom motorista deve estar incutido nele desde o primeiro dia ao
volante. E é isso que falta à formação do motorista brasileiro. Mesmo
com todo o aumento de carga horária, de burocracia e de custos promovido
pelo Código de Trânsito Brasileiro de 1998, mesmo com o pomposo nome de
Centro de Formação de Condutores atribuído às antigas auto-escolas, a
verdade é que não se aprende a dirigir no País: aprende-se a passar no
exame para obter a habilitação.
Identificar os iniciantes sem um propósito objetivo nada vai resolver. O
que fará efeito é aprimorar a instrução, ensinar como funciona o
automóvel e ministrar aulas de direção também à noite e em rodovias de
alta velocidade, para que o motorista seja realmente preparado para o
que vai enfrentar mais tarde.
Os problemas estão aí. Resolvê-los requer mais do que um simples
adesivo.
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