Não seria ótimo
poder resolver todos os problemas por decreto? Baixa-se um, e acaba a
fome no país. Cria-se outra lei, e os índices de criminalidade caem a
zero. Com outra canetada, Bin Laden de repente aparece por trás das
grades. Tudo de forma instantânea e sem efeitos nocivos para ninguém — a
não ser para o líder da Al Qaeda, claro.
Às vezes, parece que alguns de nossos congressistas se sentem com esse
poder sobrenatural de criar soluções por meio de leis. Em meados do ano
passado, o deputado federal Inocêncio Oliveira (PFL-PE) reapresentou
projeto para que os fabricantes fossem obrigados a manter os automóveis
em produção por 10 anos, a título de evitar "a depreciação e a falta de
peças de reposição".
O congressista pretendia revogar a lei mais antiga do mundo — a da
oferta e da procura —, impondo uma sobrevida a modelos que já tivessem
esgotado seu ciclo de permanência no mercado.
Agora surge outra notícia surpreendente. Segundo o projeto de lei
2.709/03 do deputado federal Milton Monti (PL-SP), carros com mais de 30
anos de fabricação teriam sua circulação proibida, sendo encaminhados a
desmanches. A medida excluiria os veículos de coleção e aqueles em "bom
estado de funcionamento", mas eles só poderiam rodar nos fins-de-semana,
mediante licença concedida pelos órgãos de trânsito.
Mais uma solução criada por decreto. Se há nas ruas carros velhos em
péssimo estado, poluentes e mais sujeitos a quebras e acidentes, vamos
proibir a circulação de todos nivelando-os pela idade. Para que
fiscalização nas ruas? E a Inspeção Veicular de segurança e emissões,
para que temos esperado sua regulamentação há tantos anos? Se é tudo tão
simples — basta uma canetada —, por que ter tanto trabalho?
"Ah", pode argumentar o leitor, "mas os carros em bom estado não serão
desmanchados". E quem, sob que critérios, vai decidir o que é bom estado
e o que não é? Se até hoje não temos uma definição de como fazer a
Inspeção Veicular, como condenar um veículo ao desmantelamento sem
critérios objetivos? Os órgãos de trânsito terão o poder de separar um
pedaço da história de uma arma que poderia matar de tétano, tamanha a
concentração de ferrugem?
O que esses senhores precisam perceber é que não se resolvem questões
complexas por decreto. Seguir os moldes dos países desenvolvidos seria
um bom começo: inspeções de segurança com intervalos menores para os
mais antigos, licenças e impostos de circulação que não incentivem a
manter o carro velho (ao contrário de nosso IPVA, que é proporcional ao
valor venal do automóvel e isenta os de mais de 20 anos), fiscalização
rigorosa nas ruas para identificar veículos em situação irregular.
Se esperamos um dia chegar ao Primeiro Mundo, é com soluções reais — e
não canetadas irresponsáveis — que vamos caminhar à frente.
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