Como venda de biscoito

A indústria reduz as boas opções e o consumidor deixa
de comprar: um círculo que não interessa a ninguém

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorPara entusiastas, como este editor e — sem a menor dúvida — a maioria de nossos leitores, é frustrante perceber como nosso mercado perdeu o brilho nos últimos, digamos, 10 anos.

Naquele tempo, com o consumidor eufórico pelos importados que chegavam, a indústria nacional fazia seu melhor para manter a hegemonia. Fabricávamos um carro grande e de tecnologia sofisticada (Omega), dois conversíveis "de série" (Escort e Kadett), dois picapes pesados (F-1000 e a Série 20 da GM) e uma boa gama de versões esportivas, com conteúdo exclusivo na aparência e na mecânica.

O que aconteceu depois? A expectativa de um mercado de três milhões de veículos na virada do século, que nunca se confirmou; a vinda de novos fabricantes, a produção de carros pelos que faziam jipes, motos ou caminhões; a desvalorização do real em 1999, acabando com a saudável competição entre importados e nacionais; a crise econômica de que o País parece nunca mais sair, apesar do "espetáculo do crescimento" que o presidente anunciou para o segundo semestre de 2003.

E hoje estamos aqui. As vendas não decolam, o poder aquisitivo do consumidor está em baixa e, como conseqüência natural, a indústria se volta a carros mais simples e baratos. Foi-se o Omega nacional, foram-se os conversíveis, pouco restou de versões esportivas, picape pesado há apenas o F-250. Mesmo com um favorecimento menos evidente, via alíquotas de IPI mais equilibradas, os modelos de 1,0 litro permanecem líderes absolutos, evidência de que o brasileiro não tem comprado o carro que deseja, mas o que o bolso alcança.

O Espaço do Leitor traz mensagens freqüentes reivindicando esportivos, carros de nova geração, tecnologias mais modernas. Mas se o mercado compra — e como compra — carros modestos e superados, pois são os mais baratos em suas categorias, falta estímulo e escala de produção para justificar o investimento em projetos mais caros. O que só frustra o consumidor de maior poder aquisitivo, levando-o muitas vezes a manter seu automóvel usado, um carro "dos bons tempos". As vendas em declínio de modelos que já fizeram sucesso e se desatualizaram, como Vectra e Golf, são uma prova disso.

Um círculo vicioso: a indústria diminui suas opções e desatualiza seus produtos por causa das vendas, o mercado desacelera sua compras por causa da falta de boas e atualizadas opções. Parece a propaganda do biscoito, mas neste caso sem a menor graça.

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Data de publicação: 6/3/04

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