Embora as linhas -- por intenção
-- não parecessem de Porsche nem de VW, o 914 trazia ambos os logotipos
e o painel era típico de sua marca
Recurso de série no 914 era o
teto targa: o painel sobre os ocupantes podia ser removido e guardado no
porta-malas para rodar a céu aberto |
É
difícil encontrar alguém que não sonhe com um modelo da Porsche na
garagem. Mesmo os mais apáticos em relação a automóveis quase sempre dão
o braço a torcer com relação ao carisma da marca alemã e, claro, da
técnica e do refinamento que fazem parte de seus carros. Obviamente
tanta perfeição tem seu preço e acaba sendo privilégio de poucos
endinheirados. Mas houve um tempo em que a marca, desejosa de abrir
novos caminhos, teve a ideia de "popularizar" o acesso a sua linha. No
fim dos anos 1960 a casa de Stuttgart viu a necessidade de um modelo
mais simples para ampliar sua participação em um segmento onde não
atuava. Estava lançada a pedra fundamental do 914, um dos mais
irreverentes Porsches da história.
Um Porsche popular ou um Volkswagen de elite? Naquele tempo Stuttgart
queria um substituto para o 912, um derivado menos potente do
911, ao mesmo tempo em que a Volkswagen
gostaria de atuar no mercado de carros esporte com um modelo renovado
para substituir o Karmann Ghia tipo 34. Se
a VW tinha experiência em grandes volumes de produção e carros com
mecânica robusta, a Porsche respondia com refinamento técnico e fama na
área de esportivos. O "acordo de cavalheiros" entre
Ferry Porsche e
Heinz Nordhoff, presidentes da Porsche e da VW, na ordem, deu origem a
um caso dos mais raros na história: mecânica simples da VW, projeto da
Porsche e construção da carroceria pela Karmann, em Osnabrück —
escolhida pois não havia capacidade ociosa em nenhum dos fabricantes.
Segundo
o próprio Ferry Porsche, "precisávamos alargar nossa oferta para um
patamar inferior de preço e não podíamos fazer isso sozinhos". Portanto
a ideia era unir o melhor de cada marca para criar um carro
relativamente barato, fácil de lidar mecanicamente, mas com qualidades
de desenho e construção dignas das melhores casas europeias. A
apresentação oficial do novo esportivo, que seria vendido pelas
concessionárias VW, se deu no Salão de Frankfurt em setembro de 1969. Os
entusiastas puderam ver um modelo que não revolucionava o segmento, mas
era uma novidade bem-vinda.
Somente duas pessoas podiam desfrutar sua carroceria baixa e leve. As
linhas eram limpas por todos os lados. À frente o capô era mais baixo
que os para-lamas, como no 911, e nestes vinham as luzes de direção. Os
faróis circulares escamoteáveis, que tinham um motor elétrico para cada
um e ainda um comando manual para o caso de pane, davam um toque
esportivo e leveza visual ao conjunto. Logo abaixo, faróis auxiliares
eram protegidos por uma grade e ladeados por uma faixa cromada. Na parte
traseira as lanternas eram finas e horizontais, de bom gosto. A
estrutura previa zonas de deformação em caso de impactos à frente e
atrás, recurso ainda raro na época. As medidas eram modestas, com 3,98
metros de comprimento, 1,65 m de largura, 1,23 m de altura e 2,45 m de
entre-eixos. O peso ficava entre 940 e 995 kg.
Por dentro, nada de luxo: apenas comandos à mão e acabamento adequado à
proposta, mas que seria criticado por estar em um Porsche. Os bancos
podiam vir revestidos em tecido, curvim ou, na versão mais potente,
couro. À frente do motorista a identificação com a marca era imediata: o
grande conta-giros estava no meio, ladeado à direita pelo velocímetro e
no lado oposto pelo marcador de combustível e luzes de aviso. A economia
de escala trazia os comandos de ventilação do 911. Já forros de porta e
o painel tinham o DNA da Volkswagen, evidenciado pela maçaneta interna
das portas típicas de modelos como Fusca. Solução interessante para os
ocupantes era o teto removível estilo targa, já conhecido do 911: a
cobertura de plástico rígido podia ser removida a guardada no
porta-malas traseiro.
Sem ele a coluna traseira se destacava como uma
proteção em caso de capotagem. Havia outras particularidades: abaixo das
portas vinha o nome Porsche em letras garrafais, mas o emblema da
marca de Wolfsburg também estava presente na traseira, nas calotas das versões de
entrada e no volante.
Todavia, isso não foi suficiente para que os puristas torcessem o nariz.
O importante em um Porsche estava logo atrás dos ocupantes. O motor
ficava em posição central, atrás de motorista e passageiro, e a ideia
acabou criando dois porta-malas (um atrás e outro à frente), que somavam
a capacidade de 460 litros, similar à de um sedã de porte médio. O
estepe vinha no compartimento dianteiro, em posição baixa e quase
horizontal, e o tanque de combustível estava atrás dele e à frente do
painel.
A unidade de entrada era o quatro-cilindros
boxer de 1,7 litro do
VW 412, com
refrigeração a ar — clássica nas duas marcas — e
comando de válvulas no bloco. A potência
de 80 cv e o torque máximo de 13,4 m.kgf permitiam aceleração de 0 a 100
km/h em 13 segundos e velocidade máxima de 177 km/h. Curiosamente, só
essa versão usava injeção
eletrônica, a mesma Bosch do VW, necessáriia para atender às normas de emissões poluentes mais
rigorosas do mercado norte-americano. A outra opção era o motor Porsche
boxer de seis cilindros e 2,0 litros cedido pelo 911T, também "a ar".
Continua
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