A
campanha do Clio 2011 aposta no consumidor volúvel que hoje
não gosta do carro, mas pode mudar mais uma vez de ideia
Texto: Kleber Nogueira - Fotos:
reprodução
Usar patins, trabalhar em escritório, se casar
e comprar um Clio: as ideias de início rejeitadas pelo personagem acabam
por ser aceitas
Dinheiro é um artigo efêmero nos departamentos de marketing. Num dado
momento, ele aparece aos milhões — mas, a qualquer crisezinha à toa, ele
é o primeiro a se escafeder. Os profissionais de marketing sabem bem o
que significa essa realidade.
Por esse motivo, todo o dinheiro gasto em
campanhas publicitárias é rigorosamente justificado por pesquisas de
mercado, uma vez que vultosos investimentos não podem ser feitos ao
sabor de uma mente criativa qualquer. Espaço na mídia é caro, sem citar
o custo de produção de uma foto de anúncio de revista ou de um pequeno
filme de 30 segundos. São cifras que farão levantar todos os fios de
cabelo de uma pessoa comum, como eu e você.
Em nome desse cuidado todo, da assertividade a qualquer custo (em nome
do custo, vale cortar até a assertividade!), é um bom método
apropriar-se de seus pontos negativos para ganhar alguma coisa em cima.
Bom exemplo é do recém-finado Unibanco, que sentiu nas pesquisas que a
imagem das instituições bancárias era péssima — eram tidos como
exploradores por seus clientes — e teve a brilhante ideia de criar o
seguinte posicionamento para sua marca: "Unibanco. Nem parece banco". No
mínimo risível. Afinal, você é ou não é um banco?
A Renault estreou na campanha publicitária do Clio 2011 uma tática
semelhante. Só que pôs a culpa no consumidor, volúvel demais: critica
hoje, idolatra amanhã. Mas será que as pessoas são realmente instáveis
assim como essas marcas pintam nos comerciais?
Instável mesmo foi a trajetória do Clio. Começou buscando uma imagem
superior; já foi o único carro pequeno nacional com bolsas infláveis
frontais de série, já teve versão de luxo, esportiva, jovem, feminina,
mas no fim da carreira foi rebaixado a carro de entrada da marca. A
estratégia incluiu trocar o nome de sua versão sedã para Symbol,
acompanhada de uma nova aparência, para que ele se desvinculasse do
hatch barato. Para fazer o reposicionamento do produto no andar de
baixo, criou-se a frase "o popular que todo popular gostaria de ser".
O filme "Mudança", da agência Neogama/BBH, mostra um rapaz que diz
coisas que jamais consegue cumprir. Diz que odeia patins. Depois aparece
patinando e dizendo que jamais trabalharia em escritório. Trabalhando
num escritório, diz que nunca vai se casar, e se casa. Depois, lança:
"Jamais pensei em ter um Clio".
O brasileiro sabe que o Clio nunca foi uma unanimidade por aqui desde
seu lançamento, em 1999. Não por ser um carro ruim — muito pelo
contrário —, mas por fatores como um desenho que nunca caiu no gosto
popular e a imagem de manutenção cara, ou ao menos mais cara que a de
outras marcas. Não tenha dúvida: por suas pesquisas de mercado, a
Renault já sabe disso há muito tempo. E deve ter se cansado de tentar
convencer o consumidor de que o Clio tem qualidades.
Daí, ao mesmo tempo em que ampliou a garantia do carro para três anos (o
que para alguns deve indicar menor gasto com manutenção), resolveu
apelar com uma mensagem subliminar do tipo: "Tá certo, você sempre achou
o Clio um carro esquisito, eu sei. Mas eu sei também que você é um cara
que sempre muda de opinião... Quem sabe você não muda em relação ao
Clio?".
A aposta pode ser boa — se será bem-sucedida ou não, o tempo dirá. Mas,
pensando bem, talvez a Renault esteja com um sério complexo de
inferioridade. Porque a marca também anunciou o Sandero, em 2007, como
"o Renault que você não esperava"... Por que eu não esperaria? Por ser o
Sandero bonito, moderno, espaçoso — ou detentor de qualquer outra
suposta qualidade — e os outros Renaults não?
Você, consumidor volúvel
como diz a marca, que responda.