Com o
Peugeot Hoggar, pela primeira vez uma versão "aventureira"
encara a realidade de que seus compradores não sairão do asfalto
Texto: Kleber Nogueira - Fotos:
reprodução
Na contramão da concorrência e
seus apelos a esportes radicais, o picape assume: não sirvo para fora de
estrada, mas tenho qualidades
A
Peugeot decidiu aventurar-se no terreno dos picapes derivados de
compactos com seu Hoggar,
derivado do 206 (no Brasil, chamado de 207 após reestilização). A marca
já tinha certa experiência no campo dos "fora de estrada leves" com a
Escapade, versão pseudo-aventureira da perua 206/207 SW. Mas, com o
lançamento do Hoggar, a Peugeot parece estar pegando gosto pela coisa,
até mesmo perdendo a vergonha de dizer a verdade nos filmes
publicitários.
"Perdendo a vergonha" porque ela não teve medo de assumir ao consumidor
que não entende nada de lama, mas que "se vira bem" em outras coisas,
buscando identificar-se com o consumidor desse tipo de produto. Outras
marcas, como a Fiat, insistem em afirmar ao consumidor, na publicidade,
que sua linha aventureira é quase tão valente quanto um verdadeiro
veículo fora de estrada. E todos sabemos que isso não é verdade. Tirando
os pneus de uso misto e a maior altura livre do solo, esses carros com
todos aqueles apliques de plástico e detalhes de acabamento se sairiam
tão mal num lamaçal real quanto uma versão urbana qualquer.
Criada pela agência Loducca.MPM, a campanha do Hoggar tem como
assinatura a frase "O que a gente leva da vida é a vida que a gente
leva". Frase muito comum no cancioneiro popular, é bem direta e sugere,
emocionalmente, que o Hoggar tem aptidões que vão além de transportar
carga. Aliás, a campanha ignora o fato de que o veículo é um picape e
foi projetado para carga (ao menos é o que se espera de um picape) para
abordar unicamente o aspecto emocional, deixando de lado qualquer
característica tangível do produto, como robustez, motorização e
capacidade de carga.
O filme "Risoto", com 30 segundos de duração (assista pelo quadro nesta
página), é ponto comum nas propagandas de aventureiros: no mato, com
borboletas, pássaros, terra e todo aquele figurino selvagem típico. Mas
a mensagem é muito verdadeira. O consumidor que compra esse tipo de
carro quer ser reconhecido por seu estilo de vida e sua personalidade. A
atitude de comprar um carro assim traz como discurso: "Sou uma pessoa
aventureira, curto desafios e amo a natureza". Mas 99,9% de quem gosta
disso não saem da cidade... São pessoas que passam o dia em escritórios
ou atrás de balcões, atendendo a clientes com gravata e calça social. O
carro deles representa essa atitude, sem que o dono precise dizer — ou
praticá-la. Basta um simples nome ou sobrenome, como EcoSport,
Adventure, Cross, Escapade.
Quem não conhece pelo menos um vizinho que tem um EcoSport, com aquele
desenho do cara escalando uma montanha estampado na capa do estepe e a
frase "Eu pratico EcoSport", mas o camarada é obeso, sedentário e
fumante inveterado?
Para quem questiona a atitude desses consumidores que compram carros
apenas para exteriorizar suas frustrações, o Hoggar dá uma resposta: "Eu
nunca saltei de paraquedas, nunca fiz rapel em cachoeira, nunca
mergulhei com tubarões, nem montei em um cavalo selvagem... mas o meu
risoto você tem que experimentar". O picape Peugeot diz tacitamente ao
espectador: "Eu nunca venci o rali Paris-Dacar, nunca atravessei um
atoleiro, não cruzo riachos com água no peito, mas também sei fazer
muitas coisas boas". Esse discurso identifica o produto exatamente com o
tipo de consumidor que o procura. O camarada não é jipeiro, nem tem a
pretensão de ser: ele quer um carro com um visual aventureiro e nada
mais.
Mas é claro que não dá para mandar um recado desses numa rua asfaltada.
Por isso, eles põem o carro rodando numa estradona de terra, levantando
aquele poeirão. Afinal, para quem trabalha o dia todo na frente de um
computador, tem namorada, vai à balada e tem horror a lama de verdade,
isso é o máximo que se pode fazer num fim de semana. E os publicitários
querem convencer com a máxima "você leva da vida a vida que você leva",
tentando empurrar uma falsa afirmação que diz, na entrelinha, que
aqueles que têm uma vida pacata demais não são verdadeiramente felizes.