Em 1876, dez anos antes que Karl Benz apresentasse aquele que é
considerado o primeiro automóvel — o Benz
Patent-Motorwagen —, René Panhard e Émile Levassor construíam o
primeiro motor a combustão interna da França. Mas seria preciso esperar
mais 14 anos até que, em 1890, ficasse pronto o primeiro carro desses
pioneiros franceses, cuja empresa seria uma das mais notáveis do setor
no país durante o período anterior à Segunda Guerra Mundial.
O automóvel que inaugurou a Panhard et Levassor era uma "carruagem sem
cavalos" com motorista e passageiro à frente, o motor no centro (uma
unidade de dois cilindros em "V" feita sob licença de Gottlieb Daimler)
e mais dois lugares na parte traseira, voltados para trás. A direção era
comandada por uma longa alavanca, antes que se adotasse o volante como
conhecemos, e as rodas traseiras eram bem maiores que as dianteiras.
Essa curiosa disposição não duraria muito: já no ano seguinte, depois de
testar sem sucesso a posição traseira do motor, os franceses revelariam
o primeiro carro com uma arquitetura que seria usada pela indústria por
pelo menos 80 anos.
Nesse segundo Panhard et Levassor, o motor vinha na frente, seguido pela
embreagem acionada por pedal, a caixa de câmbio com quatro marchas e ré
(ainda de engrenagens expostas) e a transmissão às rodas de trás (então
por meio de corrente central), enquanto os dois ocupantes se sentavam
praticamente sobre o eixo posterior. Com dois cilindros, 1.060 cm³ e
potência de 4 cv, alcançava perto de 20 km/h. Não era fácil dirigi-lo,
por motivos como a direção sem nenhum efeito de autoalinhamento e a
existência de três comandos para frear. O uso de pneus de borracha
maciça exigia molas bastante flexíveis e, como não havia amortecedores,
o carro sacolejava todo o tempo nas precárias estradas da época.
Um modelo maior, já com as quatro rodas do mesmo tamanho, vinha em 1892
com um banco mais elevado atrás dos assentos dianteiros. Três anos
depois, a Panhard adotava volante de direção e introduzia o tipo de
transmissão que se tornaria um padrão da indústria até a adoção de
sincronização pela Cadillac em 1928.
Outro pioneirismo da marca foi a barra
Panhard, que contribuía para melhor posicionamento do eixo rígido:
essa solução simples para suspensões atravessou o século XX e chegou aos
carros de nossos dias.
Em um tempo em que confiabilidade era incomum nos automóveis, um modelo
da marca fez a viagem de Paris a Versailles sem problemas mecânicos e,
mais tarde, cumpriu 225 quilômetros entre a capital francesa e Étretat.
De Paris a Bordeaux, ida e volta, naquela considerada a primeira corrida
de carros do mundo em 1895, dois Panhards foram primeiro e segundo
colocados — o piloto vencedor era o próprio Levassor. Modificado para
maior desempenho, o carro que ganhou a prova atingia a rotação de 1.250
rpm, um avanço para o período. Esse sócio falecia três anos mais tarde,
em um acidente de carro na prova Paris-Marselha, mas a empresa seguia
adiante.
Naquele fim de século, em que os modelos de rua passavam a ter
carroceria fechada e os de corrida venciam 15 das 22 provas de que
participaram, a técnica continuava a avançar, com o emprego de pneus com
ar em 1898 e radiador tubular adiante do motor no ano seguinte. A
configuração do Panhard da época estabelecia o padrão pelo qual várias
empresas fabricariam carros por algum tempo, com chassi de madeira,
caixa de câmbio fechada, transmissão final a cargo de correntes laterais
e comandos cilíndricos no volante. O motor de um dos modelos, com quatro
cilindros e 2,4 litros, obtinha 12 cv e permitia rodar a quase 50 km/h.
Em competições, a marca usava grandes motores de até 15,4 litros e
transmissão com cardã, este um recurso que chegaria a seus modelos de
rua em 1908. Foi o ano em que René passou o negócio a seus filhos Paul e
Hippolyte, pouco antes de morrer. Dali em diante, algumas tradições
foram rapidamente abandonadas pelos novos patrões: os carros passaram a
ter chassi de aço prensado em vez de madeira, ignição por magneto e
câmbio com o padrão que a Mercedes vinha usando havia nove anos, no
lugar do complexo sistema com as marchas em quadrante, que exigia
especial habilidade no uso.
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