A marca inglesa Bentley esteve, por mais de 60 anos, associada à
Rolls-Royce de tal modo que seus carros passaram a ser, em sua maioria,
apenas versões mais informais e esportivas dos que levavam a marca da
empresa-mãe. Antes dessa fase, porém, os automóveis Bentley foram
símbolo de desempenho e engenharia esmerada, atributos que foram levados
a outras marcas, depois da absorção pela RR, por seu fundador W. O.
Bentley.
Walter Owen Bentley nasceu em Hampstead, Londres, em 16 de setembro de
1888. Nono de 11 filhos de Alfred Bentley e Emily née Waterhouse,
estudou até os 16 anos, quando se tornou aprendiz de engenheiro em uma
estrada de ferro em Doncaster. Conduzir uma locomotiva era um sonho de
infância que logo se materializou. Na época também pilotou motocicletas
Indian, Quadrant e Rex. O
aprendizado foi produtivo, mas ele percebeu que não seria suficiente
para uma carreira. Passou a estudar engenharia na King's College de
Londres e foi trabalhar, em 1910, na manutenção de 250 táxis da marca
Unic.
Com o irmão Horace Millner (H.M.), Walter (mais conhecido como W.O. pela
convenção de usar as iniciais quando irmãos trabalham juntos) abria em
1912 a Bentley & Bentley, revendedora de carros franceses da marca DFP (Doriot,
Flandrin & Parant), disponíveis nos modelos 10-12 HP, 12-15 HP e 16-20
HP. Para ele, colocar os automóveis em competições seria a melhor
maneira de promovê-los, e foi o que fez. Logo identificava um ponto
fraco na mecânica do DFP — pistões —, que decidiu sanar com a instalação
no motor do 12-15 HP de pistões de liga de alumínio de sua fabricação.
Com essa alteração e comando de válvulas mais "bravo", o carro dirigido
pelo inglês bateu recordes em Brooklands, em 1913 e 1914, e em subidas
de montanha. Na prova Tourist Trophy na Ilha de Man, também em 1914, seu
DFP foi um de seis carros ao fim de uma corrida iniciada com 23
veículos. Além de rápido, o modelo francês com pistões britânicos havia
se mostrado robusto e confiável.
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Bentley colocou à
disposição do interesse nacional sua tecnologia de pistões de alumínio,
que permitiam melhor dissipação de calor, o uso de
taxa de compressão mais alta e maiores
rotações. Logo obteve um contrato para fornecer pistões aos aviões do
Serviço Naval e Aéreo Real, sendo o primeiro motor equipado com eles um
Rolls-Royce. Mais tarde, W.O. projetaria seus motores aeronáuticos, como
o BR1 de nove cilindros e o BR2 — siglas para Bentley Rotary —, em
parceria com F.T. Burgess.
Encerrado o conflito, o engenheiro uniu-se mais uma vez ao irmão para
fundar a Bentley Motors Limited: queria construir automóveis. No Salão
de Londres do mesmo ano, 1919, apresentavam um protótipo ainda sem motor
concluído. Em outubro ficava pronto o propulsor de quatro cilindros e
3,0 litros, projetado com a participação de Burgess e de Harry Varley,
que vinha da Vauxhall. Em janeiro seguinte começavam os testes com um
protótipo; a primeira entrega a um cliente do Bentley 3 Litre acontecia
em setembro de 1921.
O automóvel era fornecido como chassi com mecânica, em três opções de
distância entre eixos — 2,74, 2,98 e 3,30 metros —, para ser "vestido"
por empresas de carrocerias como a Vanden Plas, recomendada pelo
fabricante. Isso fez com que o 3 Litre ganhasse diferentes desenhos e
formatos, como turismo de quatro lugares, cupê de capota escamoteável e
até mesmo boattail, em que a traseira afilada lembrava a proa de um
barco. Já na época um Bentley era para poucos: o modelo ostentava o
maior preço entre os automóveis de seu porte no mercado inglês, chegando
a custar três vezes um carro de potência similar.
O motor, dotado de bloco e cabeçote fundidos em uma só peça, usava
comando de válvulas no cabeçote e foi um
dos primeiros na história a contar com quatro válvulas e duas velas para
cada cilindro. Com potência de 70 cv, levava o 3 Litre a uma velocidade
máxima de 130 km/h, que subia para 145 km/h na versão Speed e 161 km/h
na Super Sports — ótima marca para o tempo. O carro usava câmbio manual
de quatro marchas e freios apenas nas rodas traseiras, embora as
dianteiras os recebessem em 1924.
Mesmo grande e pesado (1.800 kg) em comparação aos compactos Bugattis
que venciam corridas na época, o 3 Litre foi vitorioso nas pistas:
ganhou a 24 Horas de Le Mans, na França, tanto em 1924 quanto em 1927, o
que lhe rendeu boa imagem e ajudou a vender. "Corríamos não pela glória
ou pelo heroísmo, mas estritamente pelos negócios", explicaria W.O. mais
tarde em sua autobiografia. De sua parte,
Ettore Bugatti alfinetava o
adversário chamando o modelo de "o caminhão mais rápido do mundo".

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