Para o departamento de marketing de um fabricante, encontrar um bom
nome para um novo carro é talvez a mais difícil tarefa, assunto que
já comentamos aqui nas edições 304 e
346. E a segunda mais difícil,
ao que parece, é encontrar boas designações para suas versões.
Mesmo quando se recorre ao método mais comum — siglas —, dá certo
trabalho. Por ser a forma mais usada pela indústria, há grande
chance de recair nas mesmas siglas da concorrência. Exemplos? GL já
apareceu nas "quatro grandes" marcas instaladas no Brasil e GLS só
não foi usado pela Ford. Outra frequente é GT (apenas a Fiat ainda
não aplicou), que significa grã-turismo e sugere um carro de alto
desempenho, embora em muitos casos encontrar tal esportividade seja
um desafio.
O significado das siglas raramente é divulgado e muitas vezes não se
mostra coerente com o que o carro oferece. Quando consultadas, as
fábricas costumam dar respostas evasivas ou dizer que são apenas
combinações de letras com sonoridade agradável. De fato, vez ou
outra elas chegam a siglas brilhantes como a VTS do antigo Citroën
Xsara, que tinha pronúncia próxima à da palavra francesa para
velocidade: vitesse.
Hoje parece haver uma tendência pelo uso de nomes, talvez pelo
cansaço das siglas de sempre. A Fiat usa Economy, Attractive,
Essence, Sporting, Adventure, Absolute e outros; a Volkswagen,
Comfortline, Sportline, Trend e Prime e alguns mais; a Renault
trabalha com Authentique, Expression, Dynamique. A Citroën usa
apenas em acabamentos de topo (Exclusive) e a Ford só em alguns
modelos, como Edge e Ranger Limited, Focus Titanium e EcoSport
Freestyle. Já a General Motors e a Peugeot, que usavam nomes alguns
anos atrás, hoje preferem siglas para a maior parte de suas linhas.
Há versões que se tornam marcantes para um fabricante, a ponto de
serem usadas outra vez. Para a Ford, o Escort XR3 foi por mais de 10
anos um sonho de consumo de muitos, o que certamente a levou a usar
XR no Ka e no Focus. No exterior houve diversas variações dessa
sigla, como XR2 para o Fiesta, XR4 para o Sierra, XR6 para o Falcon
australiano e XR7 para o Mercury Cougar norte-americano, que nem
Ford era. Outra tradição da marca foi o nome Ghia, do estúdio de
estilo adquirido por ela nos anos 70. Mas, depois de numerosos
modelos na Europa, na Austrália e aqui na América do Sul por mais de
três décadas, a marca foi descartada.
Na Volkswagen, GTi — com o "i" minúsculo referente à injeção
eletrônica — foi criado para o Golf esportivo em 1976 (a Maserati já
havia usado em seu 3500, mas com letra maiúscula para
Internazionale) e se tornou sinônimo de carro compacto e potente na
Europa. Aqui, GT, GTS e GTi referiam-se a Gols muito desejados nos
anos 80 e 90 e a última sigla teve seguimento no Golf. A versão GT,
ainda disponível no Golf e até há pouco no Polo, parece querer
lembrar aqueles tempos de prestígio. Já a Fiat, que chamava atenção
há 20 anos com os Unos 1.5R e 1.6R, não hesitou em chamar de 1.8R o
Palio mais esportivo lançado em 2006.
O fenômeno ocorre também no exterior e em marcas de prestígio. Na
Ferrari, GTO (Gran Turismo Omologato, homologado para competição)
começou em 1962 com o 250, reapareceu em 1984 no 288 e, há pouco
tempo, voltou em um derivado do 599 GTB. Outro retorno foi o de SV
para o Lamborghini Murciélago, que retomou o batismo de sucesso do
Miura dos anos 70, também usado por um Diablo. Na Porsche, Carrera
surgiu ainda no pioneiro modelo 356, mas se tornou muito associado
ao mais famoso 911. Outra designação, Targa, foi registrada pela
marca alemã para seu meio-conversível e não pode ser usada por
outras — embora a Lamborghini tenha pretendido fazê-lo em seu Diablo,
que acabou chamado de Roadster.
Fale em Quadrifoglio e um alfista saberá que se trata de uma Alfa
Romeo especial. Pronuncie Virage e os admiradores da Aston Martin
terão a mesma impressão, enquanto Volante — voador em italiano —
lhes remete a um conversível. Na Mercedes-Benz, além do charme da
sigla AMG para as versões dessa "oficina de fábrica", o carisma do
número 6.3, da veloz versão do 300 SEL lançada em 1968, explica por
que os carros recentes com motor de 6,2 litros ganharam o sufixo 63
AMG.
Assim como S e RS para a Audi, a letra M tornou-se símbolo de
desempenho para a BMW, seja à frente do número nos automóveis (M3,
M5, M6) ou após a sigla nos utilitários esporte (X5 M, X6 M) e nos
roadsters (Z3 M, Z4 M). A exceção foi o recente Série 1 M Coupe:
apesar da tentação de batizá-lo como M1, prevaleceu o respeito à
memória do supercarro de motor central dos anos 70, que era assim
denominado.
Na Dodge, a marcante designação R/T (Road and Track, estrada e
pista) dos carros "musculosos" foi mantida em seus carros mais
vigorosos, até mesmo no Dakota brasileiro. Para a Chevrolet, ZR-1
ficou de tal modo associado a um Corvette muito potente que, quase
20 anos mais tarde, voltou a identificar sua versão de topo. E os
fãs da Ford europeia sabem que a sigla RS, lá, não é usada por acaso
desde que o Escort das décadas de 1960 e 1970 faturava ralis. |
Válvulas, não: soupapes
Há siglas que informam sobre características técnicas, sendo
Turbo e 16V as mais comuns. A letra final "i" indicou por muito
tempo a presença de injeção, mas persiste em modelos como Honda
Civic (Si) e quase todo BMW a gasolina. A Alfa costumava destacar a
dupla ignição, com duas velas por cilindro, pela expressão Twin
Spark. Na França, Renault e Peugeot algumas vezes preferiram 16S a
16V: "s" de soupapes, dentro do hábito daquele povo de evitar o uso
do inglês, no qual "V" seria de valve.
O FSI de Audi e Volkswagen também se refere a uma injeção —
direta do tipo estratificada —, mas o "T" antes dessa sigla nem
sempre é de turbo: no V6 de alguns Audis é usado para compressor. Já
I-Motion (VW), Easytronic (GM) e Dualogic (Fiat) são nomes para as
versões com câmbio automatizado e Blue Motion identifica, na linha
VW, características que reduzem consumo e emissões.
Algumas marcas, como BMW e Mercedes-Benz, integram as versões ao
próprio nome do modelo, que é também um número ou sigla. O modelo é
BMW Série 3 ou Mercedes Classe C, mas o que designa a versão é 320i
ou C 200, por exemplo. A numeração está relacionada ao motor, de
forma cada vez mais flexível. No passado, um 750i era um Série 7 de
5,0 litros, e um C 200, um Classe C de 2,0 litros. Hoje há ampla
liberdade de modo que o atual 750i tem apenas 4,4 litros (e já houve
versões de 4,8 e 5,4 litros com tal designação) e o C 200 usa, na
verdade, um 1,8-litro.
Em outros casos, um nome diferencia o tipo de carroceria sem
recorrer a expressões manjadas como Hatch e Station Wagon. Na BMW,
as peruas são chamadas de Touring; na Citroën, de Break; na VW
alemã, de Variant; e na Opel, de Caravan (embora só o tenhamos usado
aqui na linha Opala). A Renault adotou Nevada tanto para a perua 21
quanto para a Laguna, mas escolheu outro — Grand Tour — para a
Mégane.
A Audi começou a empregar Avant para modelos hatchback, nos anos 70,
e adaptou o termo para suas peruas na década seguinte. Quando surgiu
uma nova safra de hatches, anos atrás, foi preciso criar outro nome
— Sportback, hoje usado em A3, A5 e A7. Curioso foi a Mitsubishi
lançar um Lancer hatch e sacar o mesmo nome da Audi. E ainda mais
curioso foi a assessoria de imprensa da marca, após ler a
notícia do
Best Cars, vir nos pedir para não o chamarmos de hatch,
alegando que ele seria um Sportback...
E não poderia faltar um excesso: o recurso frequente à renovação de
versões, talvez para afastar os holofotes do fato de que os carros
denominados por elas mudam muito pouco. Em 17 anos o Corsa usou
nomes e siglas (Wind, Super, GL, GLS, GSi), passou um período sem
versões (ao se tornar Classic em 2002), adotou novos nomes (Life,
Spirit, Super) e voltou a siglas (LS, LT). No Clio, fabricado há 12
anos, as siglas (RL, RN e RT) deram lugar a nomes (Authentique,
Expression, Privilège), mas restou apenas a versão Campus.
Difícil mesmo é superar o Uno — o original, de 1984 — como campeão
em número de versões. Conte comigo: S, CS, SX, 1.5R, 1.6R, CSL,
Turbo, 1.6 mpi e os Milles básico, Brio, Electronic (com ou sem o
símbolo do Palácio da Alvorada ao lado), ELX, i.e., EP, Smart, SX,
EX, Fire, Way, Economy... Ufa! Se os outros membros da família forem
considerados, a lista cresce ainda mais, pois houve Prêmio SL, Elba
Weekend e Top, Fiorino Pickup LX, Working e Trekking, entre outros.
Acabou? Não: temos ainda edições limitadas como CS Top, Export e
Mille Young.
Dá para imaginar o trabalho que o marketing da Fiat dá aos que
elaboram tabelas de carros usados e os que lidam com tais
informações, como lojas, seguradoras e... jornalistas
especializados. |
A letra final
"i" indicou por muito tempo a presença de injeção, mas persiste em
modelos como Honda Civic (Si) e quase todo BMW a gasolina |