Combinação explosiva

Carros potentes e motoristas alcoolizados, envolvidos em graves
acidentes: uma reflexão sobre causas, efeitos e soluções

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editor

Primeiro foi o engenheiro com um Porsche 911 Turbo que, em julho, atingiu o Tucson da advogada que cruzava um sinal vermelho em São Paulo, levando-a à morte. No mesmo mês, uma nutricionista atropelou e matou um administrador, também na capital paulista, capotando um Range Rover. Mal começou agosto e outro administrador destruiu um Chevrolet Camaro — repetindo o que fizera em 2007 com um Ferrari F430 — em São Bernardo do Campo, SP, ao invadir uma praça.

Quando a onda parecia ter terminado, outro caso envolvendo um Camaro no fim de setembro: dessa vez um jovem de 19 anos em São Paulo bateu em cinco carros até parar, tendo levado à morte do motorista de uma Towner que se incendiou com o impacto.

Em comum entre os quatro recentes acidentes, alguns fatores: carros de alto desempenho, consumo de bebida alcoólica e, em maior ou menor grau, excesso de velocidade. Uma combinação explosiva, sem dúvida, mas também perfeita para que os casos ganhassem projeção nacional na imprensa. Sem o primeiro desses elementos as notícias cairiam na mesmice, tornando-se parecidas com milhares de casos que acontecem todos os dias em um dos países onde o trânsito mais mata e deixa sequelas.

Sensacionalismo à parte, podem-se tirar algumas lições dos casos. Para começar, chama atenção a presença cada vez mais frequente de carros potentes em acidentes como esses. Há 10 ou 15 anos, quando os modelos importados de alto desempenho já tinham razoável presença no mercado, raramente se ouvia falar de colisões graves em que seus donos tirassem a vida de terceiros. Houve, é verdade, casos memoráveis por se tratar de pessoas conhecidas, como o do então jogador de futebol Edmundo, que matou três pessoas com um Jeep Grand Cherokee em 1995, e o do cantor Ivair "Renner" Gonçalves, que em 2001 tirou duas vidas ao atingir uma moto com um BMW.

Nesse aspecto, o que parece ter havido é uma popularização — guardadas as proporções — da potência dos motores. Um carro de 400 cv era algo quase inatingível anos atrás, coisa para Ferrari e Porsche dos mais caros. Hoje existe um Camaro de R$ 200 mil com esse patamar de desempenho, sendo natural que muito mais pessoas tenham acesso a um carro tão potente.

Entretanto, seria leviano — apesar de feito com frequência por parte da imprensa — apontar os carros velozes como responsáveis pelos graves acidentes, pelo simples fato de que automóveis não disparam pelas ruas sozinhos. Logo após o acidente com o primeiro Camaro, uma reportagem (?) do canal de TV Record tentava mostrar como seria difícil, perigoso até, dirigir o esportivo. Para impressionar o espectador, o carro foi filmado de dentro, acelerando em uma rua estreita, como se fosse uma besta incontrolável e assassina.

Os fatores da segurança
Quanta bobagem! Há milhares de Camaros, Mustangs e carros mais potentes que eles rodando pelos Estados Unidos; Porsches, Mercedes e BMWs trafegam por horas a mais de 200 km/h todos os dias pelas autobahnen alemãs, e tais países não se tornam palco de uma carnificina por isso. Milagre? Proteção divina? Não: basta que ao volante esteja alguém capacitado, em plenas condições de dirigir, com respeito à vida e temor à lei — fatores que compõem um trânsito seguro, ainda que rápido.

Capacitação no sentido de formação do motorista. Não é novidade para ninguém que isso não existe no Brasil, onde se aprende apenas a passar no exame de habilitação. Bastante já se mexeu no assunto, encarecendo e complicando o processo para se obter a CNH, mas os resultados parecem pífios. Há muitos recém-habilitados que não demonstram conhecimento e treinamento para dirigir no trânsito que temos, e isso parece que levará gerações para evoluir — se houver, de fato, um esforço nesse sentido.

Plenas condições de dirigir significam, além do estado de saúde — que não parecia ser um problema naqueles casos —, ausência ou nível seguro de alcoolemia. Nos quatro acidentes foi identificado consumo de bebida alcoólica. Não cabe generalizar, pois entre os casos houve níveis de ingestão de álcool diversos, mas nos motoristas dos Camaros esse fator foi certamente decisivo.

Ora, temos uma legislação rigorosa a esse respeito, até mais severa que a de muitos países de vanguarda, mas excessos continuam a ser cometidos todo o tempo. O que se percebe é que, depois de uma fiscalização intensa logo que a "lei seca" entrou em vigor, tudo se relaxou e os motoristas voltaram a sentir a impunidade de dirigir após beber. Campanhas incisivas podem ajudar a melhorar esse quadro, mas só vejo expectativa de resultados concretos de uma forma: com severa e continuada fiscalização.

É preciso que as pessoas, antes de beber, tenham ciência de que assumir o volante mais tarde lhes trará grande risco de serem punidas, já que o perigo de causar um acidente não parece incomodá-las.

Terceiro fator: respeito à vida. Quando vejo que o jovem do caso mais recente — o do Camaro que bateu em cinco carros — tinha apenas 19 anos, o que me vem à mente é a falta de educação do rapaz no sentido de respeitar sua vida e a do próximo. Como um pai permite que seu filho dessa idade tenha um carro de 400 cv? Não sabe ele que os jovens se sentem inatingíveis, como super-homens? E quanto ao rapaz, não sabia que acelerar forte um carro desses exige capacitação, reflexos e, sobretudo, local adequado? Desconhecia que assumir o volante embriagado seria caminhar para uma tragédia, mesmo que estivesse em um Fusca?

É claro que sabia, mas lhe faltaram educação e respeito a si mesmo e a outras pessoas. Se o Estado não tem como resolver essa deficiência, pois cabe a cada um de nós transmitir tais valores em casa, ele certamente pode — e deve — fazer seu papel por meio de punição exemplar. O que nos leva ao quarto e último fator por um trânsito seguro: as pessoas devem temer a lei e as consequências de seus atos.

Temos aí um quadro complexo de fatores que causaram os acidentes, alguns deles de difícil solução. O importante, porém, é que se dê atenção aos aspectos que realmente importam, deixando de lado o sensacionalismo barato de culpar os carros potentes pelos males causados por motoristas irresponsáveis.

Muitos rodam a mais de 200 km/h todos os dias pelas autobahnen alemãs, que não se tornam palco de uma carnificina por isso

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Data de publicação: 8/10/11

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