A
obrigatoriedade do transporte de crianças de até sete anos e seis
meses em cadeiras apropriadas, conforme a resolução nº 277 do
Conselho Nacional de Trânsito (Contran), afinal começou de verdade
depois de um adiamento de três meses. E tornou-se o assunto do
momento para quem tem carro e filhos pequenos ou mesmo transporta
parentes e amigos que se enquadrem naquela faixa etária.
O adiamento da entrada em vigor, prevista para junho, foi
justificado pela falta do produto no mercado — na cidade do Rio de
Janeiro deu-se mais algum tempo, até 1º de outubro, pelo mesmo
motivo. Aparentemente muitos deixaram para comprar em cima da hora,
por uma característica tipicamente brasileira, e nem os próprios
fabricantes esperavam que a lei fosse aplicada de fato, sendo então
pegos de surpresa pela demanda.
Aconteceu o mesmo no passado com o kit de primeiros socorros,
exigido por pouco tempo depois da entrada em vigor do Código de
Trânsito Brasileiro (CTB) de 1998. Em São Paulo, viu-se caso
idêntico quando a prefeitura lançou novos padrões de sinalização
visual para fachadas de empresas. Houve tanta polêmica sobre o
assunto que muitos donos de estabelecimentos preferiram aguardar, na
expectativa de que a norma fosse alterada ou adiada. Nada disso
aconteceu e, com a lei já em vigor, o que se viu por toda a cidade
foram faixas improvisadas, dentro das dimensões permitidas, até que
os produtores de sinalização visual dessem conta dos pedidos de
última hora.
Prazos à parte, a nova norma trouxe situações curiosas. Como se
sabe, táxis, ônibus e até veículos de transporte escolar estão
isentos da obrigatoriedade da "cadeirinha". Para seguir à risca a
lei, na capital paulista a Polícia Militar chegou a exigir, na
última terça-feira (7), que pessoas tomassem um táxi — sem o
dispositivo, claro — para seguir viagem por não ter a cadeira no
carro em que circulavam, como mostrado na imprensa.
Faltou bom senso na interpretação da norma, mas a questão desses
veículos de uso público é mesmo complexa. Acredito que em nenhum
país (se o leitor souber de algum, por favor avise) a exigência se
estende a táxis. Na Inglaterra, por exemplo, há permissão para
menores de três anos sem cadeira, no banco traseiro, se uma delas
não estiver disponível nesse tipo de carro. De qualquer forma, as
grandes companhias de táxi bem poderiam oferecer os assentos a quem
requisitasse um carro assim equipado por telefone. Há no mercado
modelos que se adaptam a crianças de ampla faixa etária, só não
servindo às de até um ano, que usam o chamado bebê-conforto.
Outro problema debatido, já com a norma entrando em vigor, foi a
inadequação dos assentos de elevação — usados para crianças de
quatro anos a sete anos e meio — a alguns carros fabricados até
1998, em que os cintos de segurança traseiros são subabdominais (de
dois pontos) e não de três pontos. Depois que o Departamento
Nacional de Trânsito (Denatran) recomendou tolerância nesses casos
aos órgãos de fiscalização, o Contran acabou por autorizar na última
segunda-feira (6) o transporte de crianças de mais de quatro anos no
banco dianteiro desses automóveis, com dispositivo adequado, ou no
traseiro com cinto de dois pontos e sem assento de elevação.
Algumas questões continuam em discussão, como a de famílias com três
ou mais crianças em idade que requer o dispositivo. Volumosas, três
cadeiras chegam a não caber no banco traseiro de muitos carros,
sobretudo em um país onde os modelos "de luxo" são os mesmos
vendidos como compactos aos norte-americanos. Para esse caso, o
exemplo britânico poderia ser adotado pela legislação: se houver
duas cadeiras no banco, uma terceira criança (a maior delas) pode
viajar usando apenas o cinto de segurança. |
|
Precisa evoluir
Embora a resolução 277 traga um avanço, o fato é que o
transporte infantil ainda precisa evoluir muito no Brasil. Quando
meu filho Bruno nasceu, há quase dois anos, compramos de imediato um
bebê-conforto e meses depois uma cadeira que deve servir ainda por
um bom tempo, pois pode ser convertida em assento de elevação.
Apesar do cuidado na escolha, percebo que sua fixação ao carro é
insatisfatória.
Prender a cadeira com o cinto, como se faz na quase totalidade dos
casos por aqui, não é o ideal. Embora tenha resistência suficiente
no evento de uma colisão, o cinto fica todo o tempo estendido — em
alguns casos, quase até o limite — e prensado por uma fivela da
cadeira, o que me parece fator de desgaste para o cinto a longo
prazo. Além disso, a colocação e a remoção da cadeira (frequentes em
nosso caso, pois usamos a mesma no carro pessoal e nos veículos em
teste, que mudam quase a cada semana) estão longe de serem práticas
ou confortáveis. É comum que o fecho do cinto do lado interno, por
falta de largura no assento, fique em tal posição que se esconda sob
a cadeira na hora da montagem.
Outra questão: com base larga e plana, a cadeira que usamos (sei que
algumas não apresentam esse inconveniente) não se adapta bem a
bancos que não sejam também planos. Em alguns casos, um lado da
cadeira fica apoiado em uma lateral do banco, mais alta que a região
destinada ao passageiro adulto, na qual se apoia o outro lado da
cadeira — e ela, assim, fica torta. Colocá-la no espaço central do
banco ajuda em alguns casos, mas tende a deixá-la instável, com
movimentos laterais, justamente porque sua base é maior que a área
plana do assento. Pior ainda se o cinto central for apenas
subabdominal, economia lamentável que ainda se vê em muitos carros,
mesmo aqueles longe de serem baratos
— um aspecto a que o
Contran deveria estar mais atento.
Todos esses problemas seriam eliminados com a adoção da fixação
Isofix, padrão internacional pelo qual basta um clique para montar a
cadeira, em posição ideal, a suportes ancorados à estrutura do
carro. Só que tanto os suportes Isofix são raros nos carros
nacionais quanto as cadeiras adequadas a esse padrão são incomuns no
mercado. Nos Estados Unidos, um sistema similar (o Latch, sigla em
inglês para âncoras inferiores e cordas para crianças) é exigido
desde 2002, enquanto na Europa o Isofix será obrigatório apenas ao
fim de 2014, mas já equipa grande parte dos carros.
No Brasil, como se sabe, itens de segurança não proliferam enquanto
são opcionais (e caros). Portanto, como já feito com bolsas
infláveis e freios antitravamento (ABS), caberia ao Contran
regulamentar que todos os carros novos passassem a trazer a fixação
Isofix a médio prazo, sendo a data europeia mais que suficiente para
isso. O efeito natural seria os consumidores exigirem o mesmo padrão
dos fabricantes de cadeiras. Na condição atual, é natural que estes
últimos não sejam incentivados a adotá-lo, pois o mercado para esse
tipo de cadeira ainda é muito pequeno.
A nova norma para o transporte infantil representa, sem dúvida, um
progresso. Mas vários aspectos ainda precisam ser debatidos e
acertados para que ela constitua, de fato, um avanço na segurança
desses pequenos passageiros que ainda não podem decidir por si
próprios qual a forma adequada para viajarem. |
Os problemas
seriam eliminados com a fixação Isofix. Nos Estados Unidos, um
sistema similar (o Latch) é exigido desde 2002. |