Mudança fora de hora

Em oito meses o "novo" Doblò fica velho com a troca do motor, tipo
de medida nociva ao cliente que a indústria insiste em repetir

por Fabrício Samahá

Que o mercado de automóveis gosta de novidades, ninguém tem dúvida. Embora haja modelos há muito tempo sem mudanças que conservam sua fiel clientela, é comum observar que as vendas de determinada linha cresçam em resposta a modificações técnicas ou de aparência — já que para muitos é uma satisfação circular por aí ao volante de um lançamento, um carro que não só seja novo, como também o pareça.

O problema é quando o fabricante, na sede de atender a esse público, passa da conta e prejudica o consumidor. Se uma modificação é logo seguida por outra, mesmo que em aspecto diferente do carro, o ciente que comprou a "novidade" descobre, pouco depois, que seu novo carro já está superado e que a perda de valor do bem será mais rápida do que ele esperava.

Aconteceu mais uma vez este mês com a adoção pelo Fiat Doblò do novo motor de 1,8 litro e 16 válvulas fabricado em Campo Largo, PR pela divisão FPT do fabricante, em substituição ao 1,8 de oito válvulas comprado da ex-sócia General Motors. Trata-se de mudança esperada para modelos da Fiat como o Punto (já apresentado) e a Idea (a ser lançada em agosto), mas... não para o Doblò, ao menos nesse momento. Como se sabe, o furgão de passageiros passou por uma reestilização em novembro passado.

Agora, apenas oito meses mais tarde, o "novo" Doblò se torna superado em termos de mecânica, passa a ser o "velho". Imagine a sensação de quem comprou o furgão nesse período. O mais estranho é que esse seria o último veículo da marca a precisar da troca, pois o motor GM prestava-se bem a um utilitário sem pretensões esportivas — ao contrário do Punto, que sempre mereceu um propulsor mais adequado a seu perfil jovial.

Pode-se argumentar que, em se tratando da Fiat, o cliente deveria se sentir avisado de antemão... É que o fabricante ítalo-mineiro já tem por tradição esse tipo de defasagem entre alterações visuais e mecânicas, como no caso do primeiro uso do motor Fire na linha Palio (em versão de 1,25 litro e 16 válvulas), em março de 2000, seguido após seis meses pela primeira reestilização dos modelos. Ou a adoção do motor GM 1,8, três anos mais tarde, que precedeu nos mesmos seis meses a segunda reestilização. Ou ainda o lançamento da versão 1,8 flexível em março de 2004, seis meses depois da citada reforma visual.

Outra atitude já habitual na Fiat é o pequeno intervalo entre alterações de estilo, como as muitas de frente e traseira pelas quais a linha Palio já passou. O hatch lançado em 1996 mudou de ares nos fins de 2000 e 2003 e no começo de 2007, além de ter recebido novos faróis no início de 2009. Portanto, quatro mudanças relevantes de aparência em pouco mais de oito anos. Como comparação, no mesmo período Celta, Clio e o Gol antigo mudaram de frente só uma vez, o Ka passou apenas pela ampla remodelação para 2008 e o Fiesta, lançado em 2002, mudou duas vezes em oito anos de mercado.

A empresa de Betim, MG já declarou na imprensa que adota esse ritmo acelerado para coincidir com o término do financiamento — em média — dos compradores, ou seja, o objetivo é que eles se sintam motivados a assumir novas prestações assim que se livrarem do carnê. Talvez seja a mesma razão para que essa e outras marcas antecipem tanto a estreia dos anos-modelo, tendo o Palio Fire 2010 sido apresentado na primeira semana de 2009. A precocidade só não deve ter sido ainda maior porque o ano de fabricação e o ano-modelo devem ser iguais ou consecutivos no Brasil, ou seja, o modelo 2010 não poderia ser fabricado ainda em 2008. Naturalmente, quem tiver comprado o modelo 2009 nos últimos meses do ano anterior não ficou nada satisfeito.

Fabrício Samahá, editor

Não está sozinha
Que justiça seja feita: a Fiat é a que mais abusa desses expedientes, mas não é a única a usá-los. Quem ainda se lembra do fracassado Chevrolet Tracker — o Suzuki Grand Vitara com a gravata-borboleta na grade — talvez recorde que em 2002, com apenas um ano de mercado, o jipe trocou o modestíssimo motor a diesel de 87 cv por outro de 109 cv, deixando um "mico" nas mãos de quem tivesse apostado seu dinheiro no modelo inicial. Pouco mais tarde, a mesma General Motors aplicou o motor VHC ao Classic apenas seis meses depois de apresentar como novidade essa versão do antigo Corsa sedã. Não se passaram mais que três semanas entre o lançamento da Meriva 2004, ainda com motor a gasolina, e o da versão flexível em combustível. E o Vectra hatch de 2007 sofreu alterações técnicas e visuais depois de só um ano e meio.

No caso da Ford, em 1996 o Escort ganhou retoques de estilo para, em seis meses, mudar outra vez junto da estreia do motor Zetec. No Ranger houve alteração de estilo em 2004, complementada em questão de seis meses pela chegada de novo motor a diesel. Quanto à Volkswagen, quem comprou um Fox modelo 2010 — ainda com o desenho antigo — não deve ter gostado nada, nada de vê-lo remodelado e com melhorias internas no fim de 2009. Ou seja, o carro novo ficou velho antes mesmo que chegasse o ano que constava como seu ano-modelo. Não seria mais respeitoso ao consumidor estender a linha 2009 até o momento da reestilização?

No passado, o fracasso do Gol inicial com motor de 1,3 litro levou ao lançamento da versão 1,6 em um ano. Já o Passat GTS Pointer 1,8 introduzido em 1984 tornou-se superado em alguns meses por uma reforma visual. Nesse mesmo ano, o Gol GT teve uma reduzida série de quatro marchas — configuração inadequada ao motor 1,8 esportivo, que pedia um escalonamento mais fechado — até que a caixa de cinco estivesse disponível. E o Santana ainda estava fresco no mercado quando, em 1985, passou pelas alterações técnicas do motor AP.

Até as marcas há menos tempo no País têm agido assim. O motor flexível do Honda Civic chegou poucos meses depois da atual geração do modelo, em 2006 — talvez devesse ter demorado mais e atingido melhor desenvolvimento, já que ficou menos potente e mais gastador que a unidade monocombustível. No caso do Nissan Sentra, a versão a gasolina e a álcool chegou em agosto de 2009 e, três meses mais tarde, já vinha um retoque na frente do sedã importado do México. Alterações que bem poderiam ter sido feitas juntas.

E por falar em importação, há os casos de mudanças rápidas de planos que criam "micos" no mercado. A GM iniciou e cessou em um ano a vinda do Astra, em 1995, e do Tigra, em 1998. O Vectra de 1993, nacional mas com alto conteúdo importado, foi mero paliativo até que a Opel tivesse pronta a segunda geração lançada aqui em 1996, após somente dois anos e meio do anterior. O Fiesta espanhol também chegou em 1995 já condenado, pois em pouco mais de um ano seria lançada a versão brasileira com novo desenho. E em 2001 começava a vir do México o antigo Fiesta em carroceria sedã, meses antes do novo hatch feito em Camaçari, BA. Mesmo que o sedã da nova linha tenha levado mais dois anos, o mexicano nasceu com os dias contados.

Na produção nacional também houve tapa-buracos sem chance de maior permanência no mercado. O sedã Fiat Oggi nasceu velho em 1983, sete anos depois do 147 que lhe deu origem, e só durou dois anos até que aparecesse o Prêmio, derivado do Uno. Em 1996 o Tipo ganhou nacionalidade brasileira, seguindo-se ao êxito da versão importada, mas não resistiu à incompetência da Fiat em gerir a questão dos incêndios no carro italiano e saiu de linha em menos de dois anos. No caso do Brava, o hatch chegou ao Brasil em 1999, quatro longos anos após o lançamento europeu
— em tempos de rápida renovação da categoria — e, sem sucesso, durou só até 2002.

Na Ford, o primeiro Verona de 1989 foi uma tardia derivação do Escort remodelado em 1986 e não resistiu por mais de três anos. Durou ainda menos sua versão para a Volkswagen, o Apollo, de 1990 a 1992. Os sucessores deste, o sedã Logus e o hatch Pointer, nasceram em 1993 e 1994 (na ordem) como filhos de um casamento em crise — a Autolatina, associação Ford-VW desfeita em 1995 — e saíram de produção em 1997 depois de uma carreira tímida. Na GM, a tentativa de fazer um utilitário de grande porte como o antigo Veraneio, mas com a mecânica do picape Silverado, resultou em 1998 no Grand Blazer, abandonado em dois anos. E se esse deixou saudades em pouca gente, muitos ainda lamentam o fim da perua Omega Suprema, produzida só de 1993 a 1996 e que nunca teve sucessora à altura na indústria brasileira.

A Fiat adota esse ritmo para coincidir com o término do financiamento dos compradores: o objetivo é que eles assumam novas prestações assim que se livrarem do carnê.

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Data de publicação: 17/7/10

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