Categorias, uma difícil separação

À medida que surgem cruzamentos entre as classes de automóveis,
fica mais complicado manter a necessária divisão em segmentos

por Fabrício Samahá

Enquadrar os automóveis em categorias ou segmentos é algo que tem ficado cada dia mais difícil, seja pela criação de diferentes tipos de carros, seja pela interseção entre as divisões por tamanho. Quem trabalha como eu, no comando de uma mídia especializada no setor, tem se deparado com essa dificuldade com crescente frequência.

Até 10 ou 15 anos atrás, tudo era relativamente simples: pequenos eram pequenos, médios eram médios, peruas eram peruas, utilitários esporte eram utilitários esporte e assim por diante. Só que o pessoal de marketing das fábricas percebeu a oportunidade de mesclar categorias ou de tentar elevar a percepção do mercado sobre determinado modelo, o que naturalmente permite aumentar o preço e os lucros. Foi quando tudo começou a ficar mais nebuloso.

Veja-se o caso dos utilitários esporte. Os que chegaram com a abertura das importações, de 1990 em diante, eram sobretudo veículos aptos ao uso fora de estrada, com suspensões de utilitário e tração nas quatro rodas. Mas no fim da década vieram opções mais urbanas, com estrutura monobloco, plataforma de automóvel, suspensões independentes e até tração apenas dianteira. Foi a fórmula seguida pela Ford para o primeiro modelo nacional do gênero, o EcoSport, lançado em 2003. Se em termos brasileiros a receita permanece exclusiva, de fora vêm muitas opções dentro do mesmo conceito. Os utilitários de concepção tradicional são cada vez mais raros.

Ao se considerar que a Ford tinha um utilitário esporte com base em um automóvel (o Fiesta), por que a concorrência não poderia deixar seus carros com aspecto fora de estrada? A Fiat vinha fazendo isso com êxito desde 1999, com a Palio Adventure, e o mesmo foi seguido pela Volkswagen com o CrossFox, a Peugeot com a 206/207 Escapade (e agora a mesma versão para o furgão de passageiros Partner), a Nissan com a Livina X-Gear e a própria Fiat com as versões Adventure de Idea e Doblò. O que se tem hoje é um segmento com hatch, peruas, minivans e furgões com proposta de uso semelhante à do utilitário da Ford, além de preços compatíveis entre si em alguns casos. Como ser purista e não fazer comparações do EcoSport a vários desses modelos?

Sabe-se que muitos — talvez a grande maioria — apreciam utilitários não por querer se aventurar por trilhas, mas apenas pela aparência robusta, imponente ou pela alta posição de dirigir, que confere o que costumamos chamar de "sensação de domínio do trânsito". Como tudo fica no terreno das impressões, pouco importa para esse público se o que há por baixo da carroceria tem ou não aptidão para ir bem longe do asfalto. Assim surgiu o que se denominou em inglês crossover, ou cruzamento, um veículo que combina elementos de várias categorias.

Caso típico é o do BMW Série 5 Gran Turismo que acaba de chegar ao Brasil: além do formato de hatchback e das maiores dimensões que as do sedã Série 5, a marca alemã adotou um interior com posição mais alta para que — com mínimo prejuízo das qualidades dinâmicas que caracterizam um BMW — o GT pudesse atender aos que buscam "domínio da estrada". E a inspiração desse hatch veio de um típico crossover, o X6, talvez o utilitário mais próximo de um cupê esportivo já concebido.

Falar em cupê faz lembrar os sedãs de quatro portas com perfil esportivo, cada vez mais comuns. Há os de três volumes, como Mercedes-Benz CLS — o criador da tendência — e VW Passat CC, e os de dois, portanto hatches, caso do Audi A5 Sportback. Os fabricantes gostam de rotulá-los como cupês, nome que se relaciona a veículos charmosos, menos formais que um sedã e portanto mais apelativos. Mas cupês são carros de duas portas. Assim, aqui no Best Cars você sempre lerá que esses são sedãs ou hatches.

Outro cruzamento que tem sido frequente é o de carros convencionais e minivans. Embora a tendência desses espaçosos monovolumes tenha esfriado bastante por aqui, em parte pelo envelhecimento dos produtos — Scénic, Xsara Picasso e Zafira quase nada mudaram em nove anos —, ainda há bastante interesse em automóveis em que a cabine avança sobre o compartimento do motor, formando praticamente um único volume (daí o nome). Só que isso não faz de Fit, Fox, Effa M100 ou Mercedes-Benz Classe A verdadeiras minivans, pela mesma razão que Golf e Stilo são hatches e não peruas, mesmo tendo o vidro traseiro quase vertical.

Não há para isso uma divisão rígida por dimensões, capacidade de passageiros e carga ou elementos internos, mas sim a análise da proposta de uso e da identidade visual que separa tais categorias. Assim, apesar do questionamento de muitos leitores a respeito do Fit (curiosamente só para ele), tanto o Honda quanto o VW, o Effa e o Mercedes são considerados hatches em nossa Eleição dos Melhores Carros. E comparações desses modelos com minivans verdadeiras — Idea, Meriva, Livina — cabem no Best Cars apenas em casos específicos, como a ocasião em que confrontamos Fit com câmbio CVT, Meriva com automatizado e a perua 206 SW com caixa automática. Três categorias, três tipos de câmbio.

Fabrício Samahá, editor

"Monocab" de dois volumes
Ainda sobre minivans, vale explicar que o termo vem dos Estados Unidos, onde há vans (furgões em inglês) ainda maiores e uma grande Chrysler Town & Country justifica o prefixo de míni... Para nós seria coerente chamar de minivan apenas os modelos compactos, com porte não maior que o da Zafira. Na Europa esse termo raramente é usado: fala-se em MPV, multi-purpose vehicle ou veículo de múltipla proposta. Faz sentido porque abre possibilidade para que furgões como o Doblò sejam incluídos.

O que não se pode aceitar é chamar esse Fiat — e até o hatch Kia Soul — de "monocab", equivalente a monovolume, como fazem a Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) e as publicações que engolem seus enquadramentos sem parar para pensar. Alguém imagina um desenho com dois volumes mais definidos que o do Doblò?

As categorias da Fenabrave, aliás, são um festival de enquadramentos incompreensíveis. Para a federação, o Mercedes-Benz Classe C é um sedã pequeno como o Siena e o Prisma, três classes abaixo de seu concorrente direto BMW Série 3; o Peugeot 207 Passion é promovido a sedã compacto, ficando junto de Focus e Astra e acima do Classe C; o Mercedes Classe E é apenas sedã médio, ao lado do Linea e do Chery Cielo; e a Audi A4 Avant concorre com Palio Weekend e Parati entre as peruas "médias", em categoria abaixo da bem mais barata Peugeot 307 SW (que é "grande" para a Fenabrave).

O que nos leva à discussão sobre tamanhos. Alguma confusão sempre existiu nesse campo, pois décadas atrás já tínhamos carros de diferentes portes disputando a mesma faixa de mercado. Era o caso do maiorzinho Chevette, ao lado dos menores Fiat 147 (depois Uno) e Gol, ou do Escort de primeira geração (com o sufixo Hobby) junto das versões 1.000 dos mesmos Gol e Uno. Mais para trás, nos anos 70 o Dodge 1800 tinha preço semelhante ao de Corcel, Chevette e Volkswagen TL, embora fosse maior nas dimensões e na cilindrada.

Com o lançamento do Vectra de 1996 — considerado um médio-grande ou segmento M2 pelo critério europeu —, várias marcas passaram a trazer carros médio-pequenos ou M1 para tentar alcançar o mesmo segmento, como Marea, Mégane, Civic e Corolla. Como outros verdadeiros M2 (como Ford Mondeo e VW Passat) eram importados e estavam bem mais caros desde a alta do dólar em 1999, foi natural para a imprensa colocar os M1 na mesma faixa do Vectra em seus comparativos. Mas os números não mentem e, quando analisados com o devido critério, o M1 ficavam para trás em espaço na comparação com o carro da GM.

Hoje há outra situação entre os sedãs, por conta de modelos pouco maiores que os pequenos tradicionais, como City, Linea e o novo Fiesta que virá em breve do México. Não são do mesmo tamanho dos médio-pequenos atuais como Civic, Corolla e Focus, mas também não devem ser comparados à categoria inferior de Siena, Voyage, Polo, Fiesta nacional. Cria-se então um meio segmento entre os existentes e, quando se pretende fazer um comparativo com mais opções, é inevitável avançar em outra categoria, respeitando o importante critério da faixa de preço. É o que fizemos em duas oportunidades em que o caro City enfrentou modelos maiores. Como no caso dos oponentes ao Vectra, as limitações de espaço logo se manifestam.

Como se vê, não é tarefa fácil manter a separação dos carros em categorias. Para alguns ela pode parecer um capricho inútil, já que o consumidor tende a escolher pelo dinheiro que tem para gastar (e muitas vezes o faz com surpreendente variedade de opções), não pelo enquadramento feito pelos técnicos... Mas sempre haverá a necessidade de distinguir os segmentos, seja para encontrar opções para um comparativo, seja para confrontar resultados de vendas, seja para realizar pesquisas de opinião de uma maneira justa com todos os concorrentes.

O que não se pode aceitar é chamar o Doblò de "monocab" ou monovolume, como fazem a Fenabrave e as publicações que engolem seus enquadramentos sem parar para pensar.

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Data de publicação: 3/7/10

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