Os 10 mais em 10 anos

Quais carros nacionais marcaram a década de 2000? Um retrospecto
permite apontar 10 modelos que merecem ser lembrados no futuro

por Fabrício Samahá

O tempo tem passado tão rápido — dizem que ele acelera à medida que ficamos mais velhos, e parece ser verdade — que em pouco mais de seis meses mais uma década, a de 2000, terá ficado para trás. Mas todo o período é recente o bastante para termos bem frescas algumas noções, como a de quais os automóveis que mais nos cativaram durante esses 10 anos.

Eu poderia eleger meus 10 prediletos em âmbito mundial, mas isso levaria à inclusão de carros que não dirigi ou que nem mesmo vi de perto. Não teria a mesma validade de uma seleção dos "10 mais" entre os que dirigi, mesmo que em breves contatos. Para evitar injustiças com grandes carros que, por um motivo ou outro, não chegaram a minhas mãos durante a década passada, preferi me ater aos modelos nacionais, assim considerados — em sentido amplo — os feitos no Brasil e na Argentina, pois é fato que vários fabricantes usam o país vizinho para complementar sua produção interna e sua linha de modelos.

Na Eleição dos Melhores Carros, basta o carro ter sido vendido por 12 meses para se candidatar dentro de determinada década na categoria Fora de Linha, caso do Opala e do Corcel nos anos 60 (foram lançados no fim de 1968). Contudo, um ano seria muito pouco para um modelo participar de minha seleção dos melhores da década de 2000, razão pela qual estabeleci três anos como período mínimo de fabricação. Vamos então ver, em ordem alfabética, que automóveis eu guardaria como os mais marcantes da década que está para acabar.

> Audi A3. Das três marcas alemãs de prestígio que tentaram fazer carros mais acessíveis nos anos 90, a Audi conseguiu o melhor resultado. Ao contrário do BMW Compact e do Mercedes-Benz Classe A, o A3 tinha estilo muito harmonioso e todo o jeito de andar dos carros superiores da marca. A versão com motor turbo de 1,8 litro e 180 cv, lançada em 2000, estava no topo da produção nacional em desempenho, modernidade de projeto, acabamento e qualidade de construção. Mais tarde o modelo trouxe comandos no volante para trocas de marcha e faróis com lâmpadas de xenônio, primazias entre os nacionais. Uma pena que a segunda geração não tenha sido feita aqui: tornou-se cara e deixou órfão um grande número de admiradores.

> Citroën C3. Nem todos gostam do estilo, alguns o acham feminino demais para um homem, mas é fato que o C3 agrada muito a quem o dirige: motor 1,6 de 16 válvulas muito suave em alta rotação e com potência em boa medida (o 1,4 é apenas mediano), direção levíssima em baixa velocidade e com peso correto em alta, suspensão bem acertada, comportamento dos melhores da classe. Um carro muito superior ao motorista se comparado ao "primo" Peugeot 206, que no entanto sempre agradou mais pelo desenho.

> Chevrolet Vectra. O de segunda geração que acabou em 2005, bem entendido. Quando lançado, em 1996, representou o mais moderno modelo médio nacional e trouxe inovações como suspensão traseira independente multibraço e controle eletrônico de tração, além do belo desenho. Dirigir a versão CD com motor de quatro válvulas por cilindro, em especial o de 2,2 litros, era um grande prazer. Nos anos 2000 ele já parecia superado aos olhos de muitos, aqueles que exigem novidades visuais frequentes, mas permanecia um de nossos melhores carros. Abandonado pelo fabricante, que se recusou a lhe dar o motor flexível tão desejado pelo mercado, despediu-se com uma edição especial malfeita, que usava a unidade mais modesta disponível — a de 2,0 litros e duas válvulas por cilindro — em vez da 2,2 16V, e foi substituído por um Astra esticado que nunca convenceu.

> Fiat Marea. Embora eu não gostasse muito de seu estilo (bem melhor na perua Weekend), admito que foi o mais perto que chegamos, nos tempos modernos, de um Alfa Romeo brasileiro. O motor de cinco cilindros, 2,45 litros e 160 cv era soberbo, com respostas e sensações dignas de um seis-cilindros. O turbo de 2,0 litros e 182 cv, por sua vez, mantinha a tradição do comportamento tudo-ou-nada dos turbos mais antigos: parecia lento em baixa até que os pneus começassem a cantar e o volante a fugir das mãos. O Marea teve carreira longa (nove anos), mas poderia ter dado mais certo se tivesse maior espaço e mecânica mais confiável.

Fabrício Samahá, editor

> Ford Ka. Na falta de um Lotus Elise, o Ka de primeira geração foi o kart de rua brasileiro, o carro que nasceu pedindo para ser jogado nas curvas. Em 2000 já tinha o bom motor Zetec Rocam e um ano depois ganhava a versão de 1,6 litro, feita por e para entusiastas. Como bem definiu o amigo e colega Jason Vogel, do caderno Carro Etc. de O Globo, um Ka XR fazia acordar de madrugada com calafrios e uma vontade irresistível de ir à serra mais próxima... Sim, ele não tinha banco traseiro ou porta-malas decentes, o interior foi sumariamente "depenado" ano após ano e o nível de ruído estava acima do ideal, mas... você exigiria mais que isso num Elise?

> Ford Focus. Qualquer um que tenha dirigido a primeira geração, mesmo em seus últimos dias (foi descontinuada em 2009), sabe que reunia atributos como poucos: comportamento dinâmico excelente, interior agradável e bons motores, com destaque para o Duratec de 2,0 litros e 16 válvulas introduzido em 2005. Chamava atenção pelo requinte técnico, caso da suspensão traseira multibraço, e pelo acerto primoroso de toda a mecânica. Os modelos 2001 e 2002 eram superiores em acabamento, ponto em que a Ford deixou a desejar mais tarde. Não é à toa que foi o carro mais vendido do mundo por dois anos e permanece um dos líderes na pátria de entusiastas que é a Inglaterra. Apesar de sempre desprezado pelo fabricante, que parecia preferir vender Fiesta e EcoSport em vez de um carro argentino, originou uma legião de fãs que lhe garantem um dos mais altos índices de satisfação em pesquisas como o Teste do Leitor.

> Honda Civic. Um caso típico de carro medíocre que se transformou em algo muito interessante. Se a geração de 2000 a 2006 tinha estilo genérico por fora e por dentro, suspensão traseira dura e um motor de 1,7 litro com torque de menos em baixa e vibrações demais em alta, o "new" Civic reverteu tudo isso — ou quase tudo. Pode não ter ficado macio ao rodar nem robusto em baixa rotação, mas ganhou muito em desenho externo e interno, teve a suspensão bem acertada para um sedã com tempero esportivo e o motor de 1,8 litro trouxe bom desempenho... ao menos até que a Honda fizesse uma conversão para flexível que o deixou gastador e mais fraco. A versão Si é hoje o carro nacional para o entusiasta: um motor que adora girar e retribui com um ronco delicioso, acerto de chassi impecável, toques visuais na medida certa para não chamar demais a atenção. O que mais se pode querer? Um teto solar, por favor.

> Mercedes-Benz Classe A. Estou com aqueles que consideram um erro a construção em "sanduíche", pela qual a cabine foi deslocada 20 centímetros para cima para dar lugar a... nada embaixo, a não ser em uma versão elétrica ou com pilha a combustível que nunca chegou ao mercado, nem mesmo no exterior. Mais que um visual estranho, essa disposição deixou muito alto esse carro curto e estreito, ampliando as oscilações longitudinais e transversais e, claro, sua percepção pelos ocupantes. O conforto de marcha era seu ponto crítico. Arquitetura à parte, porém, o Classe A cativava: bons motores, câmbio ótimo de usar (e com agradáveis marchas longas no A 160 de 1999 a 2001, o que logo se perdeu), opção pioneira de embreagem automática, requintes técnicos e o pacote de segurança ativa e passiva mais completo do mercado a seu tempo.

> Peugeot 307. Por motivos diferentes do Focus, sempre foi opção tão boa quanto ele na classe. O perfil alto, quase de minivan, impôs vidros enormes que o deixaram muito pesado, mas resultou num interior amplo como raramente se vê num hatch médio. Bons materiais internos, ergonomia bem estudada, muitos itens de conveniência e um ótimo motor 1,6 16V — apesar de modesto para seu peso — formaram um francês bonito de ver e muito bom de andar.

> Volkswagen Polo. Embora o Golf merecesse estar aqui, o A3 o representa com maiores méritos. Dou espaço ao Polo pelo que representou ao segmento ao chegar, em 2002. Nem tanto em estilo, no acabamento interno um tanto espartano ou no desempenho mediano dos motores de 1,6 e 2,0 litros, mas pela qualidade de projeto: um carro gostoso de dirigir, de fazer curvas, de trocar de marcha, e por um preço competitivo. É verdade que as relações de câmbio só foram acertadas mesmo em 2009, mas com as adotadas em 2004 já era possível conviver. Infelizmente não foi compreendido pelos brasileiros, que preferiram seu derivado muito pior em acabamento e conforto, o Fox.

O Ka foi o kart brasileiro, o carro que nasceu pedindo para ser jogado nas curvas. Fazia acordar de madrugada com calafrios e uma vontade irresistível de ir à serra mais próxima.

P.S.: Ao contrário do publicado na sexta-feira, a década de 2000 vai de 2001 a 2010 e, portanto, ainda não terminou. Agradeço aos leitores que observaram o engano.

 

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Data de publicação: 19/6/10

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