O
tempo tem passado tão rápido — dizem que ele acelera à medida que
ficamos mais velhos, e parece ser verdade — que em pouco mais
de seis meses mais uma década, a de 2000, terá ficado para trás. Mas
todo o período é recente o
bastante para termos bem frescas algumas noções, como a de quais os
automóveis que mais nos cativaram durante esses 10 anos.
Eu poderia eleger meus 10 prediletos em âmbito mundial, mas isso
levaria à inclusão de carros que não dirigi ou que nem mesmo vi de
perto. Não teria a mesma validade de uma seleção dos "10 mais" entre
os que dirigi, mesmo que em breves contatos. Para evitar injustiças
com grandes carros que, por um motivo ou outro, não chegaram a
minhas mãos durante a década passada, preferi me ater aos modelos
nacionais, assim considerados — em sentido amplo — os feitos no
Brasil e na Argentina, pois é fato que vários fabricantes usam o
país vizinho para complementar sua produção interna e sua linha de
modelos.
Na Eleição dos Melhores
Carros, basta o carro ter sido vendido por 12 meses para se
candidatar dentro de determinada década na categoria Fora de Linha,
caso do Opala e do Corcel nos anos 60 (foram lançados no fim de
1968). Contudo, um ano seria muito pouco para um modelo participar
de minha seleção dos melhores da década de 2000, razão pela qual
estabeleci três anos como período mínimo de fabricação. Vamos então
ver, em ordem alfabética, que automóveis eu guardaria como os mais
marcantes da década que está para acabar.
> Audi A3. Das três marcas alemãs de prestígio que tentaram
fazer carros mais acessíveis nos anos 90, a Audi conseguiu o melhor
resultado. Ao contrário do BMW Compact e do Mercedes-Benz Classe A,
o A3 tinha estilo muito harmonioso e todo o jeito de andar dos
carros superiores da marca. A versão com motor turbo de 1,8 litro e
180 cv, lançada em 2000, estava no topo da produção nacional em
desempenho, modernidade de projeto, acabamento e qualidade de
construção. Mais tarde o modelo trouxe comandos no volante para
trocas de marcha e faróis com lâmpadas
de xenônio, primazias entre os nacionais. Uma pena que a segunda
geração não tenha sido feita aqui: tornou-se cara e deixou órfão um
grande número de admiradores.
> Citroën C3. Nem todos gostam do estilo, alguns o acham
feminino demais para um homem, mas é fato que o C3 agrada muito a
quem o dirige: motor 1,6 de 16 válvulas muito suave em alta rotação
e com potência em boa medida (o 1,4 é apenas mediano), direção
levíssima em baixa velocidade e com peso correto em alta, suspensão
bem acertada, comportamento dos melhores da classe. Um carro muito
superior ao motorista se comparado ao "primo" Peugeot 206, que no
entanto sempre agradou mais pelo desenho.
> Chevrolet Vectra. O de segunda geração que acabou em 2005,
bem entendido. Quando lançado, em 1996, representou o mais moderno
modelo médio nacional e trouxe inovações como suspensão traseira
independente multibraço e controle eletrônico de tração, além do
belo desenho. Dirigir a versão CD com motor de quatro válvulas por
cilindro, em especial o de 2,2 litros, era um grande prazer. Nos
anos 2000 ele já parecia superado aos olhos de muitos, aqueles que
exigem novidades visuais frequentes, mas permanecia um de nossos
melhores carros. Abandonado pelo fabricante, que se recusou a lhe
dar o motor flexível tão desejado pelo mercado, despediu-se com uma
edição especial malfeita, que usava a unidade mais modesta
disponível — a de 2,0 litros e duas válvulas por cilindro — em vez
da 2,2 16V, e foi substituído por um Astra esticado que nunca
convenceu.
> Fiat Marea. Embora eu não gostasse muito de seu estilo (bem
melhor na perua Weekend), admito que foi o mais perto que chegamos,
nos tempos modernos, de um Alfa Romeo brasileiro. O motor de cinco
cilindros, 2,45 litros e 160 cv era soberbo, com respostas e
sensações dignas de um seis-cilindros. O turbo de 2,0 litros e 182
cv, por sua vez, mantinha a tradição do comportamento tudo-ou-nada
dos turbos mais antigos: parecia lento em baixa até que os pneus
começassem a cantar e o volante a fugir das mãos. O Marea teve
carreira longa (nove anos), mas poderia ter dado mais certo se
tivesse maior espaço e mecânica mais confiável. |
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>
Ford Ka. Na falta de um Lotus Elise, o Ka de primeira geração
foi o kart de rua brasileiro, o carro que nasceu pedindo para ser
jogado nas curvas. Em 2000 já tinha o bom motor Zetec Rocam e um ano
depois ganhava a versão de 1,6 litro, feita por e para entusiastas.
Como bem definiu o amigo e colega Jason Vogel, do caderno Carro Etc.
de O Globo, um Ka XR fazia acordar de madrugada com calafrios
e uma vontade irresistível de ir à serra mais próxima... Sim, ele
não tinha banco traseiro ou porta-malas decentes, o interior foi
sumariamente "depenado" ano após ano e o nível de ruído estava acima
do ideal, mas... você exigiria mais que isso num Elise?
> Ford Focus. Qualquer um que tenha dirigido a primeira
geração, mesmo em seus últimos dias (foi descontinuada em 2009),
sabe que reunia atributos como poucos: comportamento dinâmico
excelente, interior agradável e bons motores, com destaque para o
Duratec de 2,0 litros e 16 válvulas introduzido em 2005. Chamava
atenção pelo requinte técnico, caso da suspensão traseira
multibraço, e pelo acerto primoroso de toda a mecânica. Os modelos
2001 e 2002 eram superiores em acabamento, ponto em que a Ford
deixou a desejar mais tarde. Não é à toa que foi o carro mais
vendido do mundo por dois anos e permanece um dos líderes na pátria
de entusiastas que é a Inglaterra. Apesar de sempre desprezado pelo
fabricante, que parecia preferir vender Fiesta e EcoSport em vez de
um carro argentino, originou uma legião de fãs que lhe garantem um
dos mais altos índices de satisfação em pesquisas como o
Teste do Leitor.
> Honda Civic. Um caso típico de carro medíocre que se
transformou em algo muito interessante. Se a geração de 2000 a 2006
tinha estilo genérico por fora e por dentro, suspensão traseira dura
e um motor de 1,7 litro com torque de menos em baixa e vibrações
demais em alta, o "new" Civic reverteu tudo isso — ou quase tudo.
Pode não ter ficado macio ao rodar nem robusto em baixa rotação, mas
ganhou muito em desenho externo e interno, teve a suspensão bem
acertada para um sedã com tempero esportivo e o motor de 1,8 litro
trouxe bom desempenho... ao menos até que a Honda fizesse uma
conversão para flexível que o deixou gastador e mais fraco. A versão
Si é hoje o carro nacional para o entusiasta: um motor que adora
girar e retribui com um ronco delicioso, acerto de chassi impecável,
toques visuais na medida certa para não chamar demais a atenção. O
que mais se pode querer? Um teto solar, por favor.
> Mercedes-Benz Classe A. Estou com aqueles que consideram um
erro a construção em "sanduíche", pela qual a cabine foi deslocada
20 centímetros para cima para dar lugar a... nada embaixo, a não ser
em uma versão elétrica ou com pilha a
combustível que nunca chegou ao mercado, nem mesmo no exterior.
Mais que um visual estranho, essa disposição deixou muito alto esse
carro curto e estreito, ampliando as oscilações longitudinais e
transversais e, claro, sua percepção pelos ocupantes. O conforto de
marcha era seu ponto crítico. Arquitetura à parte, porém, o Classe A
cativava: bons motores, câmbio ótimo de usar (e com agradáveis
marchas longas no A 160 de 1999 a 2001, o que logo se perdeu), opção
pioneira de embreagem automática, requintes técnicos e o pacote de
segurança ativa e passiva mais
completo do mercado a seu tempo.
> Peugeot 307. Por motivos diferentes do Focus, sempre foi
opção tão boa quanto ele na classe. O perfil alto, quase de minivan,
impôs vidros enormes que o deixaram muito pesado, mas resultou num
interior amplo como raramente se vê num hatch médio. Bons materiais
internos, ergonomia bem estudada, muitos itens de conveniência e um
ótimo motor 1,6 16V — apesar de modesto para seu peso — formaram um
francês bonito de ver e muito bom de andar.
> Volkswagen Polo. Embora o Golf merecesse estar aqui, o A3 o
representa com maiores méritos. Dou espaço ao Polo pelo que
representou ao segmento ao chegar, em 2002. Nem tanto em estilo, no
acabamento interno um tanto espartano ou no desempenho mediano dos
motores de 1,6 e 2,0 litros, mas pela qualidade de projeto: um carro
gostoso de dirigir, de fazer curvas, de trocar de marcha, e por um
preço competitivo. É verdade que as relações de câmbio só foram
acertadas mesmo em 2009, mas com as adotadas em 2004 já era possível
conviver. Infelizmente não foi compreendido pelos brasileiros, que
preferiram seu derivado muito pior em acabamento e conforto, o Fox. |
O Ka foi o kart
brasileiro, o carro que nasceu pedindo para ser jogado nas curvas.
Fazia acordar de madrugada com calafrios e uma vontade irresistível
de ir à serra mais próxima. |