O
Best Cars, como se sabe, acaba de completar 12 anos de
atividade, tema que abordei neste espaço na edição
anterior. Mas o assunto deste Editorial não é o site e sim um
tema sugerido pelo leitor Alberto Giribaldi, de São Paulo: o que
aconteceu com a indústria automobilística e os carros brasileiros
desde que o Best Cars apareceu na rede, em 22 de outubro de
1997.
Doze anos são tempo suficiente para lançar e tirar de produção duas
gerações de um automóvel, pela média atual dos mercados
desenvolvidos. De fato, tanto o Golf quanto o Astra apresentados no
Salão de Frankfurt daquele 1997 deram lugar a sucessores, em 2003,
que por sua vez já saíram de linha na Europa — e não tem sido
diferente com outras marcas. A cada geração, ou durante seu ciclo de
vida, inovações técnicas são adotadas em favor do conforto, da
segurança, do desempenho e da preservação ambiental, nem sempre
nesta ordem. Só que isso é lá, não aqui. E como tem sido aqui?
Em 1997 nossos carros de entrada eram os ainda recentes Gol, Corsa,
Ka, Fiesta e Palio, além do já veterano Mille. Na faixa média,
sempre considerando apenas produção local ou argentina, havia
modelos em fim de carreira como Kadett, Tempra e Tipo e projetos já
bastante antigos, como Santana, ao lado de opções modernas como
Vectra e Civic (em fase de lançamento da versão nacional) e outras
ainda atuais como Escort e Peugeot 306. Nacional de grande porte,
apenas o Omega, já com 11 anos de lançamento europeu, mas
competitivo diante dos importados. S10, Blazer, Ranger, Silverado e
Mitsubishi L200 estavam entre os picapes e utilitários esporte
nacionais ou argentinos.
Avançando 12 anos no tempo, que cenário temos? Mille, Palio, Gol e
Corsa ainda estão disponíveis naquelas gerações, mesmo com uma
coleção de plásticas em alguns casos. O mesmo Corsa rendeu Celta e
Prisma — o primeiro nascido com acabamento inferior ao do próprio
"pai", a ponto de, mesmo após melhorias para 2007, ainda não superar
o original. O Ka cresceu na nova geração, mas não progrediu em
outros aspectos e até retrocedeu em outros, como acerto de suspensão
e acabamento. Naturalmente, o mais expressivo segmento do mercado
não poderia se estagnar. Surgiram Siena, Clio, Mercedes-Benz Classe
A, Peugeot 206 (depois retocado e renomeado 207), Polo, novos Corsa
e Fiesta, Fox, Citroën C3, duas gerações do Honda Fit, Logan e
Sandero, Punto, os novos Gol e Voyage, Symbol e agora o Agile.
Contudo, basta comparar os pequenos de 1997 e de 2009 para notar que
alguma coisa está errada. Onde há evolução? Se os projetos mais
recentes estão um pouco mais espaçosos (nem todos, como o Punto), no
restante são praticamente os mesmos carros, seja em conforto e
acabamento, seja em desempenho e consumo, seja em segurança e
preservação ambiental. Quando não estão piores, já que há casos em
que o padrão de acabamento ainda não voltou ao antigo patamar (como
no Fiesta) e outros em que eficientes motores deram lugar a unidades
mais antigas (caso do 1,6 16V trocado pelo 1,8 no Palio), sempre em
nome da redução de custos. Como se os carros estivessem baratos!
Segurança? Até hoje há pequenos considerados "de luxo" que não
trazem sequer bolsas infláveis frontais, enquanto nos mercados de
vanguarda é habitual que as laterais e as cortinas venham também de
série. Freios com sistema antitravamento (ABS), outro recurso
padronizado na Europa, são raros e caros por aqui. Meio ambiente? A
não ser pelo retorno ao uso generalizado do álcool, que andava em
baixa em meados dos anos 90, não houve grande progresso nesse campo
— a implantação em massa do catalisador e da injeção de combustível
já havia sido feita.
Há ainda muitas reclamações de que os motores flexíveis, muitos
deles com baixa taxa de compressão,
consomem álcool demais e não fazem com gasolina o que faziam seus
antecessores monocombustível. Em desempenho, ganhos também mínimos.
Não importa que os motores de 1,0 litro tenham passado de 60 para 75
cv em média: como os carros estão bem mais pesados, os "mil" de hoje
talvez sejam mais lentos nas situações normais de tráfego urbano que
os de 1997. Na faixa de 1,6 litro, os mais potentes hoje superam por
pouco o Palio ou o Corsa daquela época, que já superavam 100 cv.
Nem as caixas manuais automatizadas
merecem elogios, pois ainda estamos na fase inicial de uma só
embreagem, o que traz lentidão e trancos nas mudanças. Na Europa,
até mesmo em carros pequenos como Polo, já se consagraram as de
dupla embreagem, muito superiores em
operação e aqui restritas a importados de luxo. |
![Fabrício Samahá, editor](../carros/outros2/fabricio-5m.jpg) |
Vamos aos médios. Nestes 12 anos vieram modelos que resistem ao
tempo, como Golf, Astra, Stilo e 307, todos já substituídos na
Europa. Alguns chegaram e já se foram, casos de Marea e Brava e Audi
A3; outros trocaram de geração, a exemplo de Vectra, Corolla (duas
vezes), Civic, Focus e Mégane. Estes, ao lado de C4/C4 Pallas, Linea
e City, são nossos médios mais modernos. Mas não resistem à
pergunta: onde estão os progressos?
Motores com quatro válvulas por cilindro,
variação no comando e até
turbocompressor já eram usados na
classe há 12 anos e permanecem minoria hoje. A maior parte dos
modelos mantém a tecnologia, quando não o motor inteiro, de oito a
10 anos atrás — ou mesmo 27 anos, como o do Vectra. Injeção direta,
em franca expansão na Europa, parece apenas um sonho distante. No
segmento ainda são comuns câmbios automáticos de apenas quatro
marchas e suspensão traseira pelo simples e barato, mas limitado em
comportamento, eixo de torção. Controle
de estabilidade, que apareceu por aqui em 1999, ainda é exceção
e não regra. O que ganhamos em número e frequência de emprego de
bolsas infláveis é vergonhoso diante do mundo desenvolvido.
Houve até retrocessos técnicos, como (de novo) o Vectra ter
abandonado a excelente suspensão traseira multibraço, em 2005, em
favor do eixo de torção. Ou o Linea aparecer com um motor 1,8 tão
simples que poderia ser do antecessor do Marea e não de seu
substituto. Mesmo a versão TJet, de 152 cv, perde em potência até
para o Tempra Turbo (165 cv) lançado há 15 anos, sem falar no Marea
de 182 cv. O que resta? Faróis de
xenônio em uma ou outra versão de topo? Foi para isso que se
passaram 12 anos?
Não há como analisarmos os carros grandes nacionais pois essa
categoria deixou de existir quando o Omega se foi — hoje, nem mesmo
fabricamos automóveis com mais de quatro cilindros ou 2,0 litros,
nem de tração traseira. Para ter esses elementos sem passar a um
importado é preciso recorrer aos utilitários esporte e picapes
médios. E como eles andam? S10, Blazer, Ranger, Pajero Sport são
projetos da década passada, assim como o menor Pajero TR4. O
EcoSport é quase o mesmo desde 2003 e o Tucson goiano, que ainda
entrará em produção, já saiu de linha na Coreia — parece que
retomamos a fase de trazer prensas ultrapassadas do exterior, como
nos anos 50 e 60. Salvam-se os picapes mais atuais como Hilux,
Frontier e L200 Triton.
Já as minivans não existiam na produção local em 1997, tendo a
primeira (Scénic) aparecido em 1999. Desde então vieram Xsara
Picasso, Zafira, Meriva, Idea e, há pouco, Livina e Grand Livina.
Mais um segmento estagnado, em que quatro dos modelos estão quase
inalterados há mais de sete anos e os outros não são exemplos de
modernidade. A questão chega ao ponto de estarmos na primeira
Scénic, e os europeus, já com a terceira. Se um dia a Romênia foi a
terra do Dacia, um parente de nosso primeiro Corcel (ambos derivados
do Renault 12 dos anos 60), hoje os romenos compram Clio, Mégane e
Scénic modernos como qualquer europeu. E nós?
Às vezes temos a impressão de que o tempo passa cada vez mais
rápido. Ao olhar para os carros nacionais, essa sensação se
confirma: em 12 anos o mercado avançou muito pouco, apesar de estar
já há anos com altos números de vendas, o que deveria trazer
resultados em termos de produtos. Na verdade, enquanto mercado
retraído serve para justificar estagnação tecnológica e baixos
investimentos, vendas em alta levam a indústria à acomodação e
ajudam a manter os preços nas alturas.
Como serão os próximos 12 anos? |
Houve até
retrocessos técnicos, como o Vectra ter abandonado a suspensão
traseira multibraço. Ou o Linea aparecer com um motor tão simples
que poderia ser do antecessor do Marea e não de seu substituto. |