Para a maioria de nós, um automóvel sempre teve volante, alavanca de
câmbio e pedais nas mesmas posições e com poucas variações de
princípio de funcionamento — além da natural diferença entre caixa
manual e automática e, em raros casos, de câmbios manuseados por
alavanca na coluna de direção. Mas hoje, com as novas possibilidades
trazidas pela tecnologia e pela eletrônica, é de se perguntar por
que tudo isso se mantém dentro dos padrões estabelecidos há muitas
décadas.
Os carros não surgiram com esses comandos na posição atual. Havia
mecanismos diferentes para fazer virar as rodas, que aos poucos
deram lugar ao volante em forma de aro que conhecemos, para que o
efeito de alavanca tornasse o acionamento mais leve. No
Ford Modelo T — o
carro que motorizou a população americana — já havia um volante
dentro dos padrões de hoje, mas o acelerador era manual (por
alavanca na coluna de direção), o pé esquerdo fazia as trocas de
marcha e um pedal central engatava a marcha à ré, enquanto outro
pedal à direita acionava o freio. Embreagem? Usava-se para esse fim
o freio de estacionamento, que já era manual.
Décadas depois do primeiro T, outros modelos adotaram novos padrões
para comandos como a alavanca de câmbio. Foi o caso da caixa Wilson
(projeto do major irlandês Walter Gordon Wilson, um dos inventores
do tanque de guerra), do tipo pré-seletiva, em que a marcha desejada
era selecionada manualmente e depois colocada em uso por um pedal à
esquerda dos demais. Em alguns carros franceses dos anos 30, que
usavam o câmbio Cotal — uma das várias empresas que fizeram sob
licença as caixas projetadas por Wilson —, pequenos seletores junto
ao painel faziam a função de engatar marchas, o mesmo acontecendo no
Armstrong Siddeley inglês.
Nos Estados Unidos, na década de 1950, a alavanca de câmbio na
coluna de direção (lançada em 1937 pela Pontiac, uma das divisões da
General Motors) já estava consagrada quando a Chrysler propôs um
novo conceito: um conjunto de teclas no painel, uma para cada
posição da caixa, o chamado sistema push-button. Parece simples e
funcional, mas não durou muito. A própria marca voltou à alavanca na
coluna e, tempos depois, a montagem no assoalho em posição central
tornou-se predominante. |
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Como videogame
De lá para cá, a criatividade parece ter escasseado. Vez ou outra
aparecem novas soluções em carros-conceito, mas que não chegam às
ruas. No F200 Imagination da
Mercedes-Benz, de 1996, não havia volante ou pedais — apenas
comandos do tipo joystick no console central e no painel da porta do
motorista. A função de direção era obtida movendo-se o comando para
os lados; levado para frente, ele acelerava o motor; para trás,
acionava os freios. Tal e qual um jogo de videogame.
Mais que dar entretenimento a garotos crescidos, a idéia da Mercedes
era eliminar o volante, os pedais e suas implicações. Uma vez que os
comandos mecânicos sejam descartados em favor de conexões
eletrônicas — o princípio drive-by-wire, algo como condução por fios
—, não há mais motivo para manter um grande aro à frente do
motorista, que torna seu posto de direção menos confortável e
representa um obstáculo em caso de colisão. O mesmo vale para os
pedais, também fonte de risco em acidentes.
Contudo, 13 anos já se passaram sem que as inovações do F200 tenham
chegado ao mercado ou, ao menos, aparecido novamente em conceitos da
marca mais próximos da produção. O Imagination foi mesmo um mero
exercício de imaginação.
Ao menos no que se refere à alavanca de câmbio automático,
alguns fabricantes têm apostado em alternativas. Em 2001 a BMW
adotou no Série 7 um seletor compacto na alavanca direita da coluna
de direção. Nada da grande alavanca — nem sempre fácil de operar —
dos velhos carros americanos: selecionada a posição D (drive) num
comando do console, bastam pequenas pressões na alavanca para
selecionar os modos de funcionamento da caixa.
Em 2007 a Jaguar foi além. No sedã XF, um botão giratório é o
comando da caixa automática, com o requinte de ficar embutido no
console quando o motor está desligado. Um comando de girar faz todo
o sentido em caixas automáticas convencionais e nas de
variação contínua (CVT), já que
alavancas ou botões junto ao volante hoje permitem mudanças manuais
de marcha em muitos carros. No caso das minivans C4 Picasso e Grand
C4 Picasso da Citroën, lançadas em 2006 e 2007, uma diminuta
alavanca acima da coluna de direção cumpre o papel de comando do
câmbio automático, sem o desperdício de espaço de uma alavanca
normal no console ou no painel.
De resto, a velha alavanca mecânica para o freio de estacionamento
(alguns carros e muitos utilitários usam pedal) cada vez mais dá
lugar a comandos manuais elétricos, que poupam espaço e deixam o
aspecto interno mais "limpo". E, como o acionamento deixa de ser por
um simples cabo de aço, esse freio pode contar com os mesmos
auxílios eletrônicos do sistema acionado pelo pedal, o que amplia
sua eficácia como freio de emergência.
Houve progressos, mas os comandos principais de um carro moderno
ainda se parecem demais com os de tempos passados. Se o fator custo
não é decisivo em carros muito luxuosos de centenas de milhares de
reais, tudo indica que, nas pesquisas dos fabricantes, o consumidor
ainda se mostre relutante em abandonar os clássicos volante e
pedais. Quando teremos uma mudança nesse quadro? |
Mais que dar entretenimento a garotos crescidos, a idéia da Mercedes
era eliminar o volante, os pedais e suas implicações. Não há mais
motivo para manter um grande aro à frente do motorista. |