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Forma versus função

As tendências de desenho dos carros buscam atrair os olhos,
mas nem sempre são favoráveis a quem os dirige e usa

por Fabrício Samahá

O desenho da carroceria de um automóvel, para muitos, pode parecer atender a um único propósito: ser bonito, atraente aos olhos. De fato, um carro que agrade à vista sai à frente na missão de conquistar compradores. No entanto, como não se compra um carro apenas para deixar exposto na sala, há vários outros aspectos que os projetistas devem observar. E tenho notado que, em alguns desses aspectos, nem sempre eles chegam a bom resultado.

Até a década de 1980 os desenhos dos carros comuns, esses que a maioria de nós pode comprar, eram sobretudo funcionais, com linhas retas formando os compartimentos de motor, ocupantes e, quando fosse o caso, bagagem. Há projetos daquele período que ainda se mostram muito inteligentes em quesitos como aproveitamento de espaço, facilidade de acesso e visibilidade — o Uno, lançado na Europa em 1983, é um dos melhores exemplos. De lá para cá, porém, algumas coisas caminharam em um sentido que não beneficiou o motorista e os passageiros.

A busca por melhor aerodinâmica, ou eficiência com que o carro "fura" o ar à sua frente, foi responsável por parte das mudanças. Com ela em vista, os vidros ficaram mais curvos e inclinados, as linhas foram arredondadas, o capô tem sido rebaixado, e a tampa do portamalas dos sedãs, elevada. Até certo ponto, o Cx foi reduzido — com benefícios ao desempenho, economia de combustível e nível de ruído — e os carros ganharam também em estilo. O Ford Sierra de 1982 e o Kadett de 1984 (no Brasil em 1989) foram bons exemplos dessa obsessão por menor resistência ao ar. Seus desenhos foram tão avançados que eles parecem contemporâneos a muitos modelos dos anos 90.

A ênfase na aerodinâmica, porém, levou a desvantagens em termos práticos. Vidros mais inclinados admitem mais luz solar para o interior, que precisa ser refrigerado de forma mais eficiente. Se os vidros aumentam de tamanho, como costuma acontecer ao parabrisa quando sua inclinação cresce (não bastaria montar o mesmo vidro mais para horizontal, pois o campo visual seria reduzido), há também aumento de peso, e peso concentrado em uma região alta do veículo, com reflexo no centro de gravidade. Um portamalas mais alto prejudica a visibilidade traseira, o que chegou a ponto crítico em alguns sedãs da década passada, caso do Tempra, e permanece em modelos atuais como o Fusion.

Com o passar do tempo, os fabricantes perceberam que aerodinâmica não ajudava tanto a vender e reduziram sua preocupação com ela — à exceção dos que fazem carros de alto desempenho, como as marcas alemãs de prestígio, pois acima de 200 km/h as coisas se tornam um tanto mais complicadas. De forma geral, os automóveis pequenos e médios de hoje não têm melhor Cx que os similares de 10 ou 15 anos atrás. Mesmo assim, já nos anos 2000, outras tendências de desenho se consagraram — e sem vantagem prática a quem dirige.

Fabrício Samahá, editor

Visibilidade desastrosa
A construção típica das minivans, com teto elevado e parabrisa mais à frente que nos carros comuns, passou a influenciar o estilo de outros automóveis. Com o vidro mais avançado, as colunas dianteiras também precisaram se mover à frente. Em projetos mais recentes elas interferem bem mais no campo visual do motorista que em modelos mais antigos, fator que chega a trazer riscos em situações de tráfego urbano.

Em alguns casos, as colunas ao lado do parabrisa são tão avançadas que não podem servir como moldura para as portas. Coloca-se então uma segunda coluna mais atrás com uma janela triangular entre elas. O resultado costuma ser desastroso para a visibilidade — que o diga quem já dirigiu Meriva, Idea ou Xsara Picasso. Nos últimos projetos de formato monovolume, como o novo Fit e a C4 Picasso, nota-se empenho dos fabricantes em amenizar o problema por meio de colunas mais estreitas. Difícil de entender é por que automóveis com teto em altura normal seguiram o mesmo caminho de colunas avançadas. Seria apenas pelo aspecto futurista do parabrisa amplo e inclinado?

E não só as colunas dianteiras têm incomodado. Embora não sejam novidade — o Golf já as usava em 1974 —, colunas traseiras espessas têm se tornado mais comuns pelo aspecto de solidez que transmitem. Até os anos 90 era comum haver uma pequena janela atrás das portas traseiras em sedãs e hatches. Eliminado esse recurso em muitos modelos, criaram-se pontos cegos.

Difícil de entender é por que automóveis com teto em altura normal seguiram o mesmo caminho de colunas avançadas das minivans. Seria apenas pelo aspecto futurista do parabrisa amplo e inclinado?
 

Assim como o vidro dianteiro, o traseiro tem ficado cada vez mais perto da horizontal em sedãs — o famoso estilo de cupê tão apreciado pelo ar esportivo, informal. Como a parte superior do vidro não pode ficar muito à frente, sob risco de deixar os passageiros debaixo de sol intenso ou comprometer seu espaço para cabeça, a solução tem sido trazer para trás a base do vidro, que então diminui o comprimento da tampa do portamalas (para entender, compare nas fotos o Prisma e o Classic, ambos baseados na mesma plataforma). Fica mais bonito? Certamente. Só que está cada vez mais difícil o acesso ao fundo desse compartimento em sedãs.

Em modelos hatch, a colocação e retirada de bagagens tem sido dificultada por outro fator: base do vão de acesso cada vez mais alta (caso do Citroën C3 e do novo Gol), em parte por influência do estilo, em parte pela busca de rigidez estrutural, que é prejudicada por aberturas maiores na carroceria.

Por fim, nos últimos projetos têm subido a linha de base das janelas a um ponto exagerado. Quem conheceu os Hondas Civic e Accord do começo dos anos 90, com sua base de parabrisa bastante baixa, terá claustrofobia se entrar em um Linea: a sensação é de que o painel cresceu demais para cima. No VW Jetta chega a haver uma grossa borda de acabamento abaixo do vidro, ligando-o ao painel. Um fator que pode ter levado a isso é a legislação europeia de proteção a pedestres em atropelamentos, que tende a exigir capô mais alto e maior vão livre entre ele e o motor.

Mas o problema não se limita à frente. Nos novos Gol e Corolla, entre outros, as janelas laterais têm perfil baixo e sobem muito na parte traseira, a ponto de causar uma sensação estranha a quem viaja atrás. O objetivo talvez seja ganhar resistência em impactos laterais, mas desconfio que seja (de novo!) questão de obter aparência robusta. Se continuarmos nesse caminho, em um futuro breve os carros vão parecer caminhões de transporte de valores.

Desenho de carros deve, sem dúvida, seguir formas que agradem aos olhos. Mas a forma deve sempre estar de acordo com a função, nunca contra ela.

 

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Data de publicação: 14/3/09 - Fotos: Fabrício Samahá

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