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As bolsas e a vida

Enquanto se discute se bolsas infláveis devem ou não ser
obrigatórias, outros aspectos de segurança são esquecidos

por Fabrício Samahá

Bolsa inflável obrigatória: contra ou a favor? A polêmica tomou conta das conversas sobre automóveis desde que a Câmara dos Deputados aprovou no último dia 18 o Projeto de Lei 1.825/07, de autoria do Senado e que aguarda apenas sanção presidencial. O projeto obriga que todo carro zero-quilômetro vendido no Brasil tenha bolsas infláveis frontais para motorista e passageiro, com implantação gradual em um prazo total de cinco anos (modelos já em produção hoje teriam prazo maior que os ainda a ser lançados).

Não há o que discutir quanto à eficácia desses equipamentos na proteção dos ocupantes em impactos frontais. Para dar uma percepção da diferença que eles trazem, na Comunidade Européia as bolsas não são obrigatórias, mas equipam todos os carros porque sem elas é impossível atender aos atuais limites de ferimentos aos ocupantes, verificados pelo instituto EuroNCap em testes de impacto com bonecos apropriados, os dummies. Já os Estados Unidos optaram por exigir os dispositivos desde 1998, em parte para compensar o fato de que o uso do cinto não era obrigatório em vários estados.

O que se discute é se a aplicação das bolsas deve partir de uma determinação legal. De um lado, os consumidores esperam uma redução de custo para o equipamento graças à economia de escala. Hoje as bolsas frontais são oferecidas em média a R$ 2 mil, mas não estão disponíveis nem mesmo como opcional em vários modelos de menor preço. Mesmo entre os que oferecem a opção, a baixa demanda pode significar grande dificuldade de conseguir o carro com elas, pois representam parcela pequena da produção — e as concessionárias, como é compreensível, mantêm em estoque as configurações que vendem mais.

Do lado oposto estão entidades que rejeitam a ideia pelo custo adicional que ela trará — e não poderia ser diferente, já que fabricante não é casa de caridade e vai repassar o aumento ao consumidor. Para o presidente da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), Sergio Reze, esse efeito "vai diminuir o número de pessoas que podem comprar um carro". Segundo a InfoMoney, ele teria dito que "colocar um airbag em um carro de entrada pode representar 40% do seu valor". Poderia explicar como um modelo de R$ 25 mil, ao ganhar um item hoje vendido a R$ 2 mil, passaria a R$ 35 mil.

Alguns podem argumentar que antigos projetos ainda no mercado —maquiados ou não por novas carrocerias — implicariam maiores dificuldade e custo para adoção das bolsas infláveis. Engano: todos os automóveis à venda no Brasil estão aptos a recebê-las pois já as ofereceram no passado, seja no mercado interno (casos de Gol antigo, Ka, Classic e Celta/Prisma, estes com a mesma plataforma do Classic) ou para exportação (o Mille nunca teve o opcional, mas a Fiat exportou o furgão Fiorino para a Europa assim equipado).

Em meio a tudo isso, a habitual desinformação que assola parte da imprensa. O Jornal Hoje da TV Globo exibiu dois vídeos de testes de colisão, um com a bolsa e outro sem. Mas no segundo a motorista não usava cinto de segurança e, como se esperava, foi lançada com violência contra o volante. Em outro telejornal da emissora, o Bom Dia Brasil, um entrevistado contava ter se ferido em acidente com capotagem, pois cacos do parabrisa atingiram seus braços, e acreditava que a bolsa evitaria os ferimentos. Um equívoco sobre o funcionamento do dispositivo, que se infla e se desinfla em menos de um segundo e nem é disparado se não houver impacto severo pela frente.

Fabrício Samahá, editor

Só parte do problema
E o que pensa este editor a respeito do projeto? Embora não pelo caminho ideal, estamos no rumo certo ao exigir as bolsas infláveis. Esse caminho seria o seguido pelos europeus: testes de impacto severos, que incluam análise de colisões laterais e efeitos aos passageiros que viajam atrás. As bolsas em si não encerram o assunto, pois a proteção dos ocupantes em acidentes envolve muitos outros aspectos, com destaque ao projeto das zonas de deformação da estrutura, campo em que se evoluiu muito nos últimos anos. Ou alguém imagina que o ocupante de um Mille e o de um Punto, ambos com as bolsas, estariam protegidos da mesma maneira?

O avanço em segurança, a meu ver, deveria partir de parâmetros de proteção e não da simples exigência de um dispositivo. Uma analogia pode ser feita com os sistemas de controle de emissões poluentes. Em 1992, novos limites do Proconve (Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores) exigiram que os fabricantes melhorassem seus motores. Alguns partiram para injeção eletrônica, muitos para o catalisador e houve os que adotaram ambos (caso do Gol GTi). Só cinco anos mais tarde, com limites mais severos, é que todo carro vendido no Brasil teve de associar injeção e catalisador.

Apesar destas considerações, sou a favor da medida por ser um meio mais simples de chegar ao objetivo final, que é a proteção em acidentes. Por essa simplicidade é que considero o prazo de cinco anos longo demais, diante da fácil aplicação aos carros nacionais.

No entanto, chama atenção que tem havido preocupação apenas com uma parte do problema, pois as coisas andam complicadas por aqui quando se trata de segurança passiva, a proteção dos ocupantes em acidente. Mille, Palio Fire e Gol antigo não vêm de série com os simples encostos de cabeça traseiros. A obrigatoriedade desses itens, parte do Código de Trânsito Brasileiro de 1998, foi inicialmente lançada com absurdo exagero, que exigia sua instalação até em carros usados, e depois afrouxada em demasia. Criou-se a brecha legal de que apenas "novos projetos" precisam ter os apoios e, como esses carros são desenhos mais antigos (apesar das reformas parciais de estilo desde então), ficam de fora da regra.

Há mais. Mille, Palio Fire, os Gols antigo e novo, Ka e a versão de 1,0 litro do Fiesta trazem cintos traseiros de três pontos (nas posições externas) do tipo fixo, não retrátil. Se em teoria esse modelo mais barato oferece a mesma proteção do outro, na prática dificulta o ajuste adequado ao corpo do passageiro e desestimula fortemente seu uso, pois o cinto requer regulagem a cada ocupante com biótipo diferente do anterior. Se o ajuste não for feito ou for incorreto, o cinto pode constituir risco em vez de proteção. A GM escapa desta crítica nos últimos anos-modelo do Celta, que voltaram a ter cintos retráteis, mas é a única a usar nesse modelo e no Prisma perigosos encostos de cabeça dianteiros fixos. Ao não permitir ajuste em altura, podem não oferecer apoio adequado em caso de colisão quando a cabeça se volta com força contra o encosto (como se sabe, o principal ponto de apoio deve estar à altura dos olhos).

E nada justifica a economia que deixa o passageiro central do banco traseiro sem cinto de três pontos, como em grande parte dos carros nacionais e em quase todos abaixo de R$ 50 mil. Sua aplicação é possível mesmo em peruas e hatches, em que falta a estrutura rígida atrás do banco traseiro presente nos sedãs.

Outro ponto que merece atenção é o encaixe apropriado de cadeiras infantis: na maioria dos automóveis é preciso recorrer a contorcionismos com o cinto, que não prendem de forma ideal e tornam a instalação mais trabalhosa, desestimulando o uso da cadeira (sobretudo quando uma só precisa ser usada alternadamente em mais de um carro). Pior ainda se for preciso levar dois adultos nas posições externas do banco e a criança na cadeira no centro, já que o cinto subabdominal mais usado em tal posição não se presta a esse fim. A solução para tudo isso está nos suportes de padrão Isofix, só encontrados em alguns modelos nacionais mais caros.

Se a maioria dos consumidores não exige esses itens — pelo menos não a ponto de escolher outro modelo pela falta deles —, caberia intervenção da lei para que fossem obrigatórios. Não é aceitável que a pressão pelo menor custo leve a indústria a insistir em vários problemas de segurança, mais simples e baratos de resolver que a falta de bolsas infláveis, e que a legislação seja cega para essa questão.

Que venham as bolsas, mas há muito mais o que fazer quando o objetivo é salvar vidas.

Chama atenção que tem havido preocupação apenas com uma parte do problema, pois as coisas andam complicadas por aqui quando se trata de segurança passiva, a proteção dos ocupantes em acidente

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Data de publicação: 28/2/09

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