Por uma coincidência, duas semanas após estar pela primeira vez no
México, viagem que foi tema do editorial anterior,
estive na Argentina para o lançamento do
novo Focus. O país não era
novidade para mim — viajei a Buenos Aires e outros pontos pelo menos
cinco vezes, sempre cobrindo eventos —, mas foi a oportunidade de
conhecer a aprazível San Carlos de Bariloche e de atualizar algumas
impressões sobre o mundo do automóvel na Argentina. Por isso, com
licença do leitor, gostaria de repetir o formato da abordagem da
edição passada.
O primeiro aspecto que chama a atenção de um brasileiro no país
vizinho é a idade média da frota. As ruas argentinas estão repletas
de carros velhos, a maioria em estado de regular para péssimo.
Claro, há boa parcela de veículos desta década, mas existe um vazio
referente a meados dos anos 90, período difícil para a economia
argentina. Assim, modelos anteriores ainda são muito numerosos, até
mesmo no serviço de táxi. Os arcaicos Peugeot 504 e Renault 18
convivem nessa atividade com modelos novos, todos na característica
cor preta com teto e colunas em amarelo. Outro ponto que salta aos
olhos é o descuido do argentino típico quanto à limpeza do carro e
ao reparo de colisões, ao contrário do brasileiro médio.
Dentro da ala moderna da frota de Buenos Aires vêem-se muitos sedãs
e poucos hatches — em proporção oposta à do Brasil em alguns casos,
como o do Focus —, muitos carros de marcas européias e poucos de
japonesas. Civic e Corolla, que em São Paulo costumam ser vários em
uma mesma espera de sinal, são raros na capital argentina. Também há
poucos picapes: não me lembro de nenhum de grande porte e, nos
médios, são comuns as coberturas que os deixam como peruas,
bem-vindas para o frio que faz por lá.
O trânsito da capital (com base em viagens anteriores, pois nesta
não dirigimos lá) não é muito diferente do que vemos em nossos
grandes centros, mas se nota a ausência de lombadas, mesmo nas
estreitas vias de Bariloche. Nem por isso se vê alguém em velocidade
incompatível com a condição: seria o brasileiro tão mal-educado ao
volante em relação ao argentino? Nas rodovias em que já pude
dirigir, tanto na Patagônia quanto na província de Jujuy (em evento
da Peugeot), as longas retas convidam a acelerar e praticamente não
existe fiscalização de velocidade.
Um amigo, que trabalha num fabricante daqui, contou que lá é comum
se viajar na faixa de 160 km/h. Certamente por isso os argentinos
exigem câmbios longos, que permitam baixa rotação nessa velocidade,
além de contar com uma topografia plana ao extremo, que não requer
grande capacidade de arrancada em rampas ou de manter ritmo em
subidas. Caso clássico foi o do Celta de 1,0 litro, exportado para
lá com diferencial 24% mais longo que o daqui — girava a 3.000 rpm à
mesma velocidade em que o nosso está "berrando" a 4.000. |
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Mercado pequeno,
muitas opções
O mercado argentino consumiu 50 mil carros em agosto e 447 mil nos
primeiros oito meses do ano, total que o brasileiro atinge em menos
de dois meses. Apesar dessa inferioridade em volume, conta com
marcas que não atuam no Brasil, como a espanhola Seat, e com vários
modelos não disponíveis aqui por importação oficial, casos de
Chevrolet Corvette, Honda Legend, Toyota Avensis, Renault Laguna, o
conversível Peugeot 207 CC, a minivan Volkswagen Sharan, o Mini da
BMW, uma ampla linha Alfa Romeo (159, Brera, GT, Spider) e os Fords
Mondeo e S-Max — eles não têm o Fusion, mas aposto que não faz
falta, a julgar pelos Mondeos que a Ford usou para transporte de
seus diretores durante o evento.
Se parece inexplicável que um mercado tão pequeno receba esses
carros de bom padrão que não existem aqui, não é difícil entender as
razões. Uma, que a Argentina impõe menor tributação, o que resulta
em preços mais acessíveis. Outra, que a menor extensão territorial e
a concentração do poder aquisitivo em uma menor região facilitam
estabelecer a assistência técnica. Por último, mas não menos
importante, o país portenho usa gasolina "mundial", não o coquetel
alcoolizado vendido aqui: não é necessário recalibrar motores para
os carros de lá, providência que encarece os vendidos aqui e
desestimula a importação de pequenos volumes.
Muitos carros de lá são brasileiros ou versões locais dos que temos.
Há também modelos de geração anterior que já não existem aqui: Polo
Classic, o primeiro Mégane sedã, o hatch e a perua da antiga linha
Corsa. Como acontece no México, há casos em que o nome é diferente
do usado no Brasil: a VW SpaceFox se chama Suran, o Jetta é Vento (o
nome identificava na Europa a geração anterior a nosso Bora, que
mantém este nome na Argentina), o picape F-250 é F-100, o Mitsubishi
Pajero se torna Montero, o Airtrek é Outlander (sua nova geração,
que é Outlander aqui, ainda não existe lá). Já a GM importa da
Coréia do Sul um modelo de Captiva diferente do que traremos do
México, embora com o mesmo nome. E o Celta lá não é Chevrolet, mas
sim Suzuki Fun.
Eles também podem ter automóveis a diesel, proibidos aqui. E, como
nenhum argentino lançou a desastrada idéia de imposto menor só para
carros com até 1.000 cm³ de cilindrada, o Ford Ka é o único
modelo por lá com motor tão pequeno. O Uno (que não é chamado Mille
por motivo óbvio) é de 1,25 litro; Palio e Fun começam em 1,4 litro;
Gol, Fox, Fiesta e Corsa Classic em 1,6; "novo" Corsa e Strada em
1,8 (há também o 1,7 a diesel no caso do Fiat). Da mesma forma, por
não existir diferença tributária entre mais e menos de 2.000 cm³, o
Astra GSi usa motor 2,4, o mesmo presente no Vectra em quase todas
as versões (incluindo opção de caixa manual); o Peugeot 407 oferece
motor 2,2 de quatro cilindros; o New Beetle dá opção pelo 2,5 de
cinco cilindros; e os Hondas Accord e CR-V são 2,4 em vez de 2,0.
Eles também contam com o Citroën C4 VTS de 180 cv e o Vento (Jetta)
2,0 turbo de 200 cv.
E, ainda como os mexicanos, os argentinos pagam muito menos que nós
pelos carros e pelos combustíveis. A gasolina lá está por volta de
2,50 pesos (R$ 1,45), com o detalhe de que não tem álcool e por isso
rende mais. Os preços dos carros não são de causar menos inveja: Uno
1,25 a R$ 18,4 mil (aqui R$ 23,2 mil com motor 1,0), Fox 1,6 com
ar-condicionado e direção assistida por R$ 28,2 mil (aqui R$ 40,8
mil), Corolla XLi a R$ 39,3 mil (aqui R$ 61 mil), Peugeot 407 V6 a
R$ 104,3 mil (aqui R$ 158,5 mil), BMW M3 por R$ 233,8 mil (aqui R$
409 mil), Corvette Z06 por R$ 265,2 mil.
Pode-se explicar parte da diferença pelos impostos mais brandos, mas
não toda ela. Na Argentina há o Imposto sobre Valor Agregado (IVA)
de 21% e alguns outros tributos, diretos e indiretos; no Brasil, a
carga tributária para um modelo entre 1,0 e 2,0 litros está ao redor
de 30%. Fica no ar, portanto, a interrogação sobre o restante do que
pagamos pelos mesmos carros — ou por modelos simplificados, já que
os portenhos muitas vezes os recebem com equipamentos adicionais. |
Apesar da inferioridade em volume, o mercado argentino conta com
marcas que não atuam no Brasil e vários modelos não disponíveis aqui
por importação oficial. |