É difícil precisar
quantos, mas se pode imaginar que muitos dos interessados no Renault
Logan estejam atraídos pela garantia de três anos ou 100 mil
quilômetros, elemento diferencial importante em uma categoria onde a
regra é a cobertura por apenas um ano. A chegada desse período de
garantia a um segmento acessível é certamente uma boa notícia, mas
alguns fatores em torno desse assunto deveriam ser repensados.
Não é novidade que o consumidor brasileiro é pouco afeito à
manutenção em concessionária. Bastam minutos no
Teste do Leitor para perceber a
insatisfação quase geral com os serviços de assistência técnica. Há
reclamações de todo tipo, de reparos mal executados (ou que nem são
efetuados) à conhecida "empurroterapia", quando a autorizada
convence o cliente a aceitar serviços que não constam do plano de
manutenção do carro e, muitas vezes, jamais seriam necessários pelo
tempo ou quilometragem decorrida.
Com uma garantia mais longa, no entanto, o consumidor se vê em uma
encruzilhada: ou se mantém nas concessionárias pelo período de
garantia, ou perde a cobertura — pela qual pagou na compra do carro,
já que não existe almoço grátis. Alguns fabricantes têm aproveitado
essa situação para impor intervalos de revisão ridiculamente curtos,
como o de 5.000 km do Toyota Corolla vigente até há algum tempo
(hoje são 10.000 km, ainda pouco). A General Motors chegou a definir
uma revisão do Vectra com apenas 1.500 km, cedo demais para qualquer
serviço em um carro atual.
Existe uma tendência mundial por intervalos de manutenção mais
longos. A Porsche, apesar dos motores de alto desempenho e do uso
vigoroso a que muitos de seus clientes os submetem, estabelece
revisão e troca de óleo a cada 30.000 km. Nos Estados Unidos são
comuns automóveis em que o motor está apto a rodar até 100.000
milhas (160.000 km) para a substituição de componentes como velas e
correias. Enquanto isso, aqui os intervalos continuam curtos, quando
não são reduzidos — caso da Fiat, que anos atrás baixou o da troca
de óleo de 20.000 para 10.000 km.
Preço fixo: vantagem?
Há outro aspecto sobre revisões que deveria ser reestudado: a
política do preço fixo adotada por vários fabricantes. Trata-se de
estabelecer um valor para cada revisão, conforme os serviços a ser
realizados naquela quilometragem, passando o preço a valer para
todas as concessionárias da rede em qualquer ponto do País. Parece
vantajoso ao consumidor, mas nem sempre é.
O rol de serviços previstos sempre esteve disponível ao cliente no
manual do veículo. O que o fabricante deveria fazer é, de um lado,
informar no manual o número de horas de mão-de-obra de cada revisão
(é assim que o valor dos serviços é calculado), e de outro, exigir
que as autorizadas exponham com clareza o preço cobrado por hora —
assim como é obrigatório que postos de combustível tenham os preços
bem visíveis, não apenas nas bombas.
Qual a diferença? O custo efetivo de mão-de-obra varia de forma
sensível entre regiões, cidades e até mesmo bairros, pelo que
padronizar o valor cobrado beneficia uns e prejudica outros. Sem
falar na desvantagem ao consumidor de acabar a concorrência entre as
autorizadas. Com liberdade às concessionárias para estabelecer
preços e a obrigação de exibi-los, o cliente poderia comparar e
escolher o serviço mais barato, pagando provavelmente menos que o
valor fixado para todo o País.
Um último ponto: é preciso que os manuais tragam informações exatas,
sem margem a confusão. A Honda por muitos anos manteve a
recomendação expressa de não se usar gasolina aditivada, mas sim a
comum — um absurdo. Primeiro porque não há desvantagem técnica em
usar a aditivada, apenas benefícios; e segundo porque todas
as gasolinas do Primeiro Mundo recebem aditivos detergentes, de modo
que o proprietário de um Honda nesses mercados não tem a opção da
comum. Fica claro, portanto, que não é com esses aditivos que a
Honda está preocupada.
Tudo indica ter havido confusão do fabricante entre gasolina
aditivada e gasolina com chumbo — que de fato prejudica o
catalisador dos carros de hoje, mas foi extinta em definitivo do
mercado brasileiro há 16 anos. Só há pouco, depois de diversas
críticas na imprensa (no Best Cars inclusive), a Honda
reparou o erro. No manual do Ford Focus, porém, permanece a estranha
recomendação de usar a aditivada por ao menos um tanque a cada
10.000 km, antes da revisão. O correto seria recomendar essa
gasolina sempre. Usá-la por 500 km a cada 10.000, ou 5% do período
entre revisões, de pouco serve para manter o motor limpo
internamente.
Como se vê, muito ainda precisa evoluir em termos de planos de
manutenção dos carros no Brasil. À medida em que crescem os prazos
de garantia e mais consumidores são levados a se manter em
autorizadas, é preciso repensar alguns padrões para que o benefício
não se transforme em uma garantia de aborrecimentos. |