Garantia de aborrecimentos

Crescem os prazos de cobertura, mas algumas
questões sobre manutenção devem ser reestudadas

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorÉ difícil precisar quantos, mas se pode imaginar que muitos dos interessados no Renault Logan estejam atraídos pela garantia de três anos ou 100 mil quilômetros, elemento diferencial importante em uma categoria onde a regra é a cobertura por apenas um ano. A chegada desse período de garantia a um segmento acessível é certamente uma boa notícia, mas alguns fatores em torno desse assunto deveriam ser repensados.

Não é novidade que o consumidor brasileiro é pouco afeito à manutenção em concessionária. Bastam minutos no Teste do Leitor para perceber a insatisfação quase geral com os serviços de assistência técnica. Há reclamações de todo tipo, de reparos mal executados (ou que nem são efetuados) à conhecida "empurroterapia", quando a autorizada convence o cliente a aceitar serviços que não constam do plano de manutenção do carro e, muitas vezes, jamais seriam necessários pelo tempo ou quilometragem decorrida.

Com uma garantia mais longa, no entanto, o consumidor se vê em uma encruzilhada: ou se mantém nas concessionárias pelo período de garantia, ou perde a cobertura — pela qual pagou na compra do carro, já que não existe almoço grátis. Alguns fabricantes têm aproveitado essa situação para impor intervalos de revisão ridiculamente curtos, como o de 5.000 km do Toyota Corolla vigente até há algum tempo (hoje são 10.000 km, ainda pouco). A General Motors chegou a definir uma revisão do Vectra com apenas 1.500 km, cedo demais para qualquer serviço em um carro atual.

Existe uma tendência mundial por intervalos de manutenção mais longos. A Porsche, apesar dos motores de alto desempenho e do uso vigoroso a que muitos de seus clientes os submetem, estabelece revisão e troca de óleo a cada 30.000 km. Nos Estados Unidos são comuns automóveis em que o motor está apto a rodar até 100.000 milhas (160.000 km) para a substituição de componentes como velas e correias. Enquanto isso, aqui os intervalos continuam curtos, quando não são reduzidos — caso da Fiat, que anos atrás baixou o da troca de óleo de 20.000 para 10.000 km.

Preço fixo: vantagem?
Há outro aspecto sobre revisões que deveria ser reestudado: a política do preço fixo adotada por vários fabricantes. Trata-se de estabelecer um valor para cada revisão, conforme os serviços a ser realizados naquela quilometragem, passando o preço a valer para todas as concessionárias da rede em qualquer ponto do País. Parece vantajoso ao consumidor, mas nem sempre é.

O rol de serviços previstos sempre esteve disponível ao cliente no manual do veículo. O que o fabricante deveria fazer é, de um lado, informar no manual o número de horas de mão-de-obra de cada revisão (é assim que o valor dos serviços é calculado), e de outro, exigir que as autorizadas exponham com clareza o preço cobrado por hora — assim como é obrigatório que postos de combustível tenham os preços bem visíveis, não apenas nas bombas.

Qual a diferença? O custo efetivo de mão-de-obra varia de forma sensível entre regiões, cidades e até mesmo bairros, pelo que padronizar o valor cobrado beneficia uns e prejudica outros. Sem falar na desvantagem ao consumidor de acabar a concorrência entre as autorizadas. Com liberdade às concessionárias para estabelecer preços e a obrigação de exibi-los, o cliente poderia comparar e escolher o serviço mais barato, pagando provavelmente menos que o valor fixado para todo o País.

Um último ponto: é preciso que os manuais tragam informações exatas, sem margem a confusão. A Honda por muitos anos manteve a recomendação expressa de não se usar gasolina aditivada, mas sim a comum — um absurdo. Primeiro porque não há desvantagem técnica em usar a aditivada, apenas benefícios; e segundo porque todas as gasolinas do Primeiro Mundo recebem aditivos detergentes, de modo que o proprietário de um Honda nesses mercados não tem a opção da comum. Fica claro, portanto, que não é com esses aditivos que a Honda está preocupada.

Tudo indica ter havido confusão do fabricante entre gasolina aditivada e gasolina com chumbo — que de fato prejudica o catalisador dos carros de hoje, mas foi extinta em definitivo do mercado brasileiro há 16 anos. Só há pouco, depois de diversas críticas na imprensa (no Best Cars inclusive), a Honda reparou o erro. No manual do Ford Focus, porém, permanece a estranha recomendação de usar a aditivada por ao menos um tanque a cada 10.000 km, antes da revisão. O correto seria recomendar essa gasolina sempre. Usá-la por 500 km a cada 10.000, ou 5% do período entre revisões, de pouco serve para manter o motor limpo internamente.

Como se vê, muito ainda precisa evoluir em termos de planos de manutenção dos carros no Brasil. À medida em que crescem os prazos de garantia e mais consumidores são levados a se manter em autorizadas, é preciso repensar alguns padrões para que o benefício não se transforme em uma garantia de aborrecimentos.

Atualidades - Página principal - Envie por e-mail

Data de publicação: 4/8/07

© Copyright - Best Cars Web Site - Todos os direitos reservados - Política de privacidade