As vacas engordaram

A indústria comemora recordes, mas em 10 anos os
carros não evoluíram tanto quanto seus preços subiram

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorEm 1997 o mercado automobilístico nacional vivia um tempo de vacas gordas. Naquele ano foram vendidos aqui quase dois milhões de automóveis. O País desfrutava a inflação quase zero, o dólar barato, a importação forçando a indústria local a melhorar produtos e preços. Foi naquele tempo que diversos fabricantes definiram a implantação de fábricas no Brasil, enquanto os que já produziam iniciaram projetos importantes para renovar sua oferta no mercado, com vistas a um mercado ainda maior e mais competitivo nos anos que viriam.

Como sabemos hoje, nem tudo caminhou tão bem desde então. A economia entrou em recessão, a produção e as vendas encolheram. O dólar saltou de R$ 1,20 para R$ 1,80 logo em 1999, chegou ao pico de R$ 4,00 em 2002 e derrubou os importados, que voltaram a ser carros de luxo para um nicho do mercado. Desestimulada pelas vendas e pela menor competição, a indústria local tirou o pé do acelerador. Com algumas exceções, desistiu de manter nossos carros em sintonia com o mercado mundial, investiu pouco em avanços técnicos, reduziu custos por meio de "depenações" e de pioras no acabamento. Eliminou versões e opcionais, centrou-se em carros despojados. Foi um tempo de vacas magras.

Voltamos a 2007. O que se vê? A economia vai bem e o mercado é de novo promissor. A indústria bateu recordes históricos neste primeiro semestre: nunca se produziu ou vendeu tantos carros no Brasil. A expectativa é fechar o ano com 2,35 milhões de veículos vendidos, nada menos que 22% acima do recorde de 1,93 milhão registrado naquele ótimo 1997. Ao mesmo tempo, o dólar cai à cotação mais baixa dos últimos sete anos e torna atraentes de novo os importados que haviam ficado caros demais.

Só que algo está errado: os carros — mais uma vez com poucas exceções — continuam como no período de vacas magras. A maior parte dos nacionais defasou-se em relação aos similares estrangeiros. Entre os poucos ainda atualizados, há claras diferenças em itens de conforto, segurança ou mesmo motorização. O leque de opções permanece estreito: poucos opcionais e cores, interior sempre em preto ou cinza, raras versões esportivas ou ofertas de itens como teto solar. O acabamento anda de mal a pior, a qualidade de fabricação não evoluiu como deveria (vejam-se os defeitos crônicos que aparecem no Canal Direto).

Tudo isso seria compreensível se os preços tivessem baixado. Mas, como o leitor já percebeu, os carros andam muito caros. A tabela a seguir compara os valores sugeridos em reais e em dólares de 15 modelos, em julho de 1997 e em julho de 2007 (recorrendo a seus sucessores atuais quando o carro original deixou de ser produzido), e aponta o aumento em dólares nestes 10 anos. Mesmo que a cotação atual da moeda americana (vamos trabalhar com R$ 1,85) seja 71% mais alta que a de uma década atrás (foi de R$ 1,08 na média de julho de 1997), os aumentos são de impressionar.

É verdade que alguns modelos receberam importantes equipamentos de série no período. São os casos do 307 e do Astra, que registraram os maiores aumentos, pois seus antecessores 306 e Kadett eram vendidos em configuração bem mais simples — o segundo nem direção assistida trazia na versão GL. Há também os que passaram por duas reformulações completas, o Civic e o R19/Mégane, o que implica custos elevados. Em outros modelos, porém, não há explicação razoável.

Como pode o atual Golf 2,0 básico, um carro lançado em 1998, custar 42,5% a mais que o GLX (da geração anterior) de 1997, que vinha do México, pagava Imposto de Importação e não era mal-equipado? E por que o Vectra Elegance de hoje — carro de segmento inferior, que na Europa é vendido como Astra — é 39,5% mais caro que o GLS de 10 anos atrás? Nos dois casos, as versões atuais são simples, sem bolsas infláveis ou sistema antitravamento (ABS), e nem evolução técnica houve: são os mesmos motores e, no carro da GM, a suspensão traseira até regrediu de uma geração para outra.

Modelos com menor índice de aumento, como os pequenos com motor de 1,0 litro, também chamam a atenção. Seria até razoável o preço subir 20% a 25% em dólar, em 10 anos, desde que o carro evoluísse de modo expressivo. Mas, na prática, em que Celta, Gol e Ka de hoje superam Corsa, Gol e Ka de 1997? São as mesmas gerações (a GM apenas remodelou a carroceria), os motores pouco mudaram (só o Ka passou ao Zetec Rocam) e o nível de acabamento e equipamentos de série permanece, se não piorou. No Civic e no Corolla, deve-se considerar que há 10 anos também incidia sobre eles o Imposto de Importação, sem o qual a diferença para os valores atuais certamente seria maior.

Preços em alta e produtos em baixa formam uma combinação que vai contra os interesses do consumidor, mas que tem pouca expectativa de mudar. Se o mercado aquecido de outros tempos serviu de estímulo para investimentos, para evolução, o de hoje parece trazer acomodação, permitindo que os carros continuem caros e evoluam devagar, já que não faltam compradores. E o saudoso 1997 parece cada dia mais distante.

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Data de publicação: 21/7/07

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