Em 1997 o mercado
automobilístico nacional vivia um tempo de vacas gordas. Naquele ano
foram vendidos aqui quase dois milhões de automóveis. O País
desfrutava a inflação quase zero, o dólar barato, a importação
forçando a indústria local a melhorar produtos e preços. Foi naquele
tempo que diversos fabricantes definiram a implantação de fábricas
no Brasil, enquanto os que já produziam iniciaram projetos
importantes para renovar sua oferta no mercado, com vistas a um
mercado ainda maior e mais competitivo nos anos que viriam.
Como sabemos hoje, nem tudo caminhou tão bem desde então. A economia
entrou em recessão, a produção e as vendas encolheram. O dólar
saltou de R$ 1,20 para R$ 1,80 logo em 1999, chegou ao pico de R$
4,00 em 2002 e derrubou os importados, que voltaram a ser carros de
luxo para um nicho do mercado. Desestimulada pelas vendas e pela
menor competição, a indústria local tirou o pé do acelerador. Com
algumas exceções, desistiu de manter nossos carros em sintonia com o
mercado mundial, investiu pouco em avanços técnicos, reduziu custos
por meio de "depenações" e de pioras no acabamento. Eliminou versões
e opcionais, centrou-se em carros despojados. Foi um tempo de vacas
magras.
Voltamos a 2007. O que se vê? A economia vai bem e o mercado é de
novo promissor. A indústria bateu recordes históricos neste primeiro
semestre: nunca se produziu ou vendeu tantos carros no Brasil. A
expectativa é fechar o ano com 2,35 milhões de veículos vendidos,
nada menos que 22% acima do recorde de 1,93 milhão registrado
naquele ótimo 1997. Ao mesmo tempo, o dólar cai à cotação mais baixa
dos últimos sete anos e torna atraentes de novo os importados que
haviam ficado caros demais.
Só que algo está errado: os carros — mais uma vez com poucas
exceções — continuam como no período de vacas magras. A maior parte
dos nacionais defasou-se em relação aos similares estrangeiros.
Entre os poucos ainda atualizados, há claras diferenças em itens de
conforto, segurança ou mesmo motorização. O leque de opções
permanece estreito: poucos opcionais e cores, interior sempre em
preto ou cinza, raras versões esportivas ou ofertas de itens como
teto solar. O acabamento anda de mal a pior, a qualidade de
fabricação não evoluiu como deveria (vejam-se os defeitos crônicos
que aparecem no Canal Direto).
Tudo isso seria compreensível se os preços tivessem baixado. Mas,
como o leitor já percebeu, os carros andam muito caros. A tabela a
seguir compara os valores sugeridos em reais e em dólares de 15
modelos, em julho de 1997 e em julho de 2007 (recorrendo a seus
sucessores atuais quando o carro original deixou de ser produzido),
e aponta o aumento em dólares nestes 10 anos. Mesmo que a cotação
atual da moeda americana (vamos trabalhar com R$ 1,85) seja 71%
mais alta que a de uma década atrás (foi de R$ 1,08 na média de
julho de 1997), os aumentos são de impressionar. |
É verdade que alguns modelos receberam importantes equipamentos de
série no período. São os casos do 307 e do Astra, que registraram os
maiores aumentos, pois seus antecessores 306 e Kadett eram vendidos
em configuração bem mais simples — o segundo nem direção assistida
trazia na versão GL. Há também os que passaram por duas
reformulações completas, o Civic e o R19/Mégane, o que implica
custos elevados. Em outros modelos, porém, não há explicação
razoável.
Como pode o atual Golf 2,0 básico, um carro lançado em 1998, custar
42,5% a mais que o GLX (da geração anterior) de 1997, que vinha do
México, pagava Imposto de Importação e não era mal-equipado? E por
que o Vectra Elegance de hoje — carro de segmento inferior, que na
Europa é vendido como Astra — é 39,5% mais caro que o GLS de 10 anos
atrás? Nos dois casos, as versões atuais são simples, sem bolsas
infláveis ou sistema antitravamento (ABS), e nem evolução técnica
houve: são os mesmos motores e, no carro da GM, a suspensão traseira
até regrediu de uma geração para outra.
Modelos com menor índice de aumento, como os pequenos com motor de
1,0 litro, também chamam a atenção. Seria até razoável o preço subir
20% a 25% em dólar, em 10 anos, desde que o carro evoluísse de modo
expressivo. Mas, na prática, em que Celta, Gol e Ka de hoje superam
Corsa, Gol e Ka de 1997? São as mesmas gerações (a GM apenas
remodelou a carroceria), os motores pouco mudaram (só o Ka passou ao
Zetec Rocam) e o nível de acabamento e equipamentos de série
permanece, se não piorou. No Civic e no Corolla, deve-se considerar
que há 10 anos também incidia sobre eles o Imposto de Importação,
sem o qual a diferença para os valores atuais certamente seria
maior.
Preços em alta e produtos em baixa formam uma combinação que vai
contra os interesses do consumidor, mas que tem pouca expectativa de
mudar. Se o mercado aquecido de outros tempos serviu de estímulo
para investimentos, para evolução, o de hoje parece trazer
acomodação, permitindo que os carros continuem caros e evoluam
devagar, já que não faltam compradores. E o saudoso 1997 parece cada
dia mais distante. |