Os programas que
gerenciam e-mail ganham recursos a passos largos. Filtram por
assunto ou remetente, bloqueiam mensagens indesejadas, fazem
correção ortográfica. Mas seria ideal se um fabricante desses
sistemas conseguisse aplicar um recurso que anda fazendo falta: um
detector de mentiras.
Brincadeiras à parte, o fato é que anda complicado confiar em tudo o
que se lê — mesmo quando a fonte é considerada a mais fidedigna
possível, como um fabricante que envia informações sobre seus
automóveis. Em busca de títulos e primazias, alguns deles forçam a
barra e escrevem coisas que, se não chegam a mentiras, no mínimo dão
margem a boas discussões. Selecionei alguns exemplos para que o
leitor perceba como anda essa situação.
> Seis ou oito? Na recente apresentação do Mitsubishi
Outlander à imprensa, uma surpresa: o importador informa oito bolsas
infláveis, embora só se possam contar seis (duas frontais, duas
laterais dianteiras e duas cortinas). A explicação é que as cortinas
valeriam por quatro, pois protegem tal número de ocupantes em caso
de disparo. Nesse caso, que tal considerar a bolsa frontal e a
lateral de cada ocupante como uma só? Alega-se ainda que a Hyundai e
a Land Rover vinham fazendo contas da mesma forma, deixando a
Mitsubishi em aparente desvantagem aos olhos do consumidor. O que se
conclui é que a empresa preferiu juntar-se aos mentirosos para obter
vantagem desleal sobre os concorrentes honestos.
> Primazias: quem não gosta de alardear ter sido o pioneiro
no mundo em uma tecnologia ou recurso? O problema é quando essa
vontade deixa o bom-senso de lado e faz esquecer que existe o resto
do planeta. Foi o caso da General Motors ao anunciar, mais de uma
vez, que "o Vectra é o primeiro automóvel no mundo a oferecer um
motor 'flex fuel' com capacidade volumétrica acima de dois litros".
A GM finge desconhecer que motores
flexíveis existem nos Estados Unidos desde 1993, quando a Ford
lançou o Taurus FFV com um V6 de 3,0 litros. Antes disso, em 2004,
divulgou que a Zafira seria o primeiro modelo flexível no mundo com
câmbio automático — tipo de caixa que domina o mercado americano.
> Stock Car: para muitos já é uma vergonha que carros
fantasiados de Volkswagen Bora, Mitsubishi Lancer, Astra e Peugeot
307 corram na Stock Car com motor V8 de 5,7 litros da GM, entre
vários componentes comuns a todos os competidores, fato talvez único
no mundo (no exterior é comum o uso de uma "bolha" sobre chassi
tubular, com mecânica diferente da usada nas ruas, mas que seja do
fabricante ou grupo que o carro representa). Mais grave, porém, é a
VW anunciar à imprensa que o Bora lidera a categoria — existe Bora
com motor GM? — e a Mitsubishi destacar aos quatro ventos, como no
fim do ano passado, que havia sido a campeã da modalidade.
A falta de argumentos fica evidente na citação de um piloto
divulgada pela VW: "É a minha segunda prova com o Bora e a
aerodinâmica dele é ótima". Como se não bastasse a mecânica comum
aos concorrentes, a própria "aerodinâmica do Bora" independe da VW —
é desenvolvida no túnel de vento da USP de São Carlos pelos
organizadores da Stock Car, de maneira a evitar que pequenas
diferenças favoreçam uma ou outra bolha.
> Juro zero: quando se trata de fisgar o consumidor, parece
valer tudo. "Juro zero" não chega a ser mentira quando o preço
sugerido do carro (ou qualquer outro bem) é, realmente, dividido em
parcelas sem acréscimo. Mas é uma ilusão: se o veículo é vendido a
prazo sem juros, com toda a certeza é possível obter descontos
polpudos na compra à vista. Uma variação desse golpe é anunciar um
preço promocional muito atraente que, na verdade, vale apenas para
venda a prazo — acrescido, é claro, de juros acima da média do
mercado. Sugere-se ao comprador pesquisar bem antes de se
entusiasmar por essas formas de "almoço grátis".
> Geração: esta já foi amplamente discutida no
Editorial da edição n° 208, por ocasião do
lançamento do Gol "Geração 4". Desde então, a mentira foi repetida
com o Celta 2007 e pelo jeito não será abandonada pelos
departamentos de marketing tão cedo. Curiosamente, como já comentei
aqui, quando a geração é realmente nova o fabricante evita usar esse
termo, prova de que a palavra se desgastou pelo uso indevido.
> Concorrentes: cada fabricante tem o direito de considerar
oponentes quem ele quiser, mas a coisa às vezes cai no ridículo. A
GM o fez mais de uma vez. No material do Omega atual, relacionou
como concorrentes três carros de prestígio muito superior e que
custam mais que o dobro dele (BMW Série 5, Mercedes-Benz
Classe E e Audi A6) e outro de preço próximo e bem menor prestígio (Kia
Opirus). Nenhuma citação a VW Passat, Toyota Camry ou Honda Accord,
que competem na mesma faixa de preço. Já no material de lançamento
do Vectra atual, confusão ainda maior: extremos como Santana e Audi
A4 foram colocados na mesma categoria, como se o consumidor
escolhesse um carro apenas pelo tamanho da vaga na garagem...
> Porta-malas: há pouco a Citroën apresentou o C4 Pallas e
informou que a capacidade de bagagem era de 580 litros. Toda a
imprensa passou a informação adiante, menos o Best Cars: um
acesso ao site da marca na Argentina bastou para confirmar que é de
513 litros. Da mesma forma, o catálogo suíço Automobil Revue,
que traz dados técnicos de todos os carros do mundo, aponta os
mesmos 513 l para a versão chinesa do modelo, o C-Triomphe. Os 580 l
são provavelmente a capacidade de água, como os fantasiosos 623 l do
Peugeot 307 Sedan (506 l na verdade).
Para encerrar, uma para quem tem pelo menos 55 anos: quando a Vemag
lançou o freio a disco dianteiro para o Fissore, pelos idos de 1965,
a principal vantagem apregoada era de que "freio a disco não dá
fading", a conhecida e temível perda de ação por superaquecimento.
"Uma deslavada mentira", como diz o colunista Bob Sharp, então com
22 anos, pois freio a disco também dá fading, e como. Quanto mais os
não-ventilados da época.
Precisamos mesmo de um bom detector de mentiras em nossos programas
de e-mail. Enquanto essa ferramenta não é criada, pode contar com o
Best Cars para filtrar as informações antes que elas cheguem
a você. |