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Nivelar por baixo

Urbanista propõe limitar os carros à velocidade máxima das
estradas, idéia esdrúxula que não resiste a simples análise

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorAo focalizar as mortes no trânsito no recente Dia Mundial da Saúde (7 de abril), a sociedade brasileira tomou uma medida correta, mas com curiosos efeitos colaterais. Ao lado de propostas sensatas, sempre aparecem nessas oportunidades sugestões esdrúxulas, que não resistem a uma simples reflexão.

Uma delas veio do urbanista Nazareno Stanislau Affonso, vice-presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). Contrariado com a fabricação e venda de automóveis com velocidade máxima superior ao limite vigente no País, ele propõe que os carros recebam uma limitação para não mais poder exceder os limites legais — hoje o mais alto é de 120 km/h.

Para começar, a proposta é inviável do ponto de vista técnico. Essa limitação poderia ocorrer de duas formas: uma mecânica, outra eletrônica. A mecânica seria a definição de características como a potência do motor para que a velocidade máxima não superasse 120 km/h. Um carro médio atual consegue atingi-los com cerca de 30 cv, a potência de um Fusca 1200. Portanto, vamos todos voltar ao tempo do mais fraco Volkswagen. Com os carros pesados de hoje, repletos de itens de segurança e conforto com que o "besouro" jamais sonhou, seria interessante acrescentar pedais para ajudar nas subidas...

A limitação eletrônica, por sua vez, poderia atuar na central de injeção para que o carro, mesmo que mais potente que o Fusquinha (ufa!), não acelerasse além de 120 km/h, como ocorre em alguns modelos alemães ao atingir 250 km/h. Tal como lá, porém, quem desejasse eliminar o bloqueio poderia fazê-lo sem dificuldade em uma oficina especializada. E como uma fiscalização de trânsito poderia identificar a alteração? Praticamente impossível.

O absurdo da proposta, contudo, vai muito além. Hoje o limite é de 120 km/h. E se amanhã passar a 130, como em muitos países europeus, ou mesmo mais? Vamos todos às oficinas, com uma autorização dos órgãos de trânsito, para liberar um pouco as amarras? Vale lembrar: não faz muito tempo, o limite legal — mesmo que não praticado — era de ridículos 80 km/h. Se o sr. Affonso conseguisse êxito em sua campanha àquele tempo, viajar hoje no País seria um exercício de combate ao sono.

Há mais. Um limitador, qualquer que fosse, não poderia distinguir a situação de uso, se uma auto-estrada ou uma rua de bairro cheia de crianças. Os mesmos 120 km/h tidos como limite seguro nas rodovias tornam-se criminosos em outras condições de tráfego — e o carro amordaçado com que sonha o urbanista seria igualmente letal se dirigido sem responsabilidade nessas situações.

Mas tudo isso se torna mero detalhe quando se analisa o principal da questão: é a velocidade que mata? Não é, como comentou há semanas o colunista Bob Sharp, citando como exemplo as auto-estradas alemãs sem limite de velocidade, nem por isso menos seguras que outras rodovias pelo mundo. O que mata é a velocidade incompatível com as condições — da estrada, do trânsito, do motorista, do veículo.

Ao contrário do que sugere o sr. Affonso, é possível — e acontece todos os dias em boa parte do chamado Primeiro Mundo — deslocar-se a (bem) mais de 120 km/h, com toda a segurança, por uma estrada bem projetada e bem mantida, com um trânsito disciplinado, um carro em perfeitas condições e um motorista capacitado e responsável.

Se este conjunto harmonioso ainda não se repete no Brasil, são esses os elementos que devemos buscar para que um dia alcancemos esse estágio. Não é, absolutamente, nivelando por baixo nossos automóveis e, por extensão, nossos motoristas que vamos chegar a algum lugar.

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Data de publicação: 17/4/04

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