Ao focalizar as
mortes no trânsito no recente Dia Mundial da Saúde (7 de abril), a
sociedade brasileira tomou uma medida correta, mas com curiosos efeitos
colaterais. Ao lado de propostas sensatas, sempre aparecem nessas
oportunidades sugestões esdrúxulas, que não resistem a uma simples
reflexão.
Uma delas veio do urbanista Nazareno Stanislau Affonso, vice-presidente
da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). Contrariado com a
fabricação e venda de automóveis com velocidade máxima superior ao
limite vigente no País, ele propõe que os carros recebam uma limitação
para não mais poder exceder os limites legais — hoje o mais alto é de
120 km/h.
Para começar, a proposta é inviável do ponto de vista técnico. Essa
limitação poderia ocorrer de duas formas: uma mecânica, outra
eletrônica. A mecânica seria a definição de características como a
potência do motor para que a velocidade máxima não superasse 120 km/h.
Um carro médio atual consegue atingi-los com cerca de 30 cv, a potência
de um Fusca 1200. Portanto, vamos todos voltar ao tempo do mais fraco
Volkswagen. Com os carros pesados de hoje, repletos de itens de
segurança e conforto com que o "besouro" jamais sonhou, seria
interessante acrescentar pedais para ajudar nas subidas...
A limitação eletrônica, por sua vez, poderia atuar na central de injeção
para que o carro, mesmo que mais potente que o Fusquinha (ufa!), não
acelerasse além de 120 km/h, como ocorre em alguns modelos alemães ao
atingir 250 km/h. Tal como lá, porém, quem desejasse eliminar o bloqueio
poderia fazê-lo sem dificuldade em uma oficina especializada. E como uma
fiscalização de trânsito poderia identificar a alteração? Praticamente
impossível.
O absurdo da proposta, contudo, vai muito além. Hoje o limite é de 120
km/h. E se amanhã passar a 130, como em muitos países europeus, ou mesmo
mais? Vamos todos às oficinas, com uma autorização dos órgãos de
trânsito, para liberar um pouco as amarras? Vale lembrar: não faz muito
tempo, o limite legal — mesmo que não praticado — era de ridículos 80
km/h. Se o sr. Affonso conseguisse êxito em sua campanha àquele tempo,
viajar hoje no País seria um exercício de combate ao sono.
Há mais. Um limitador, qualquer que fosse, não poderia distinguir a
situação de uso, se uma auto-estrada ou uma rua de bairro cheia de
crianças. Os mesmos 120 km/h tidos como limite seguro nas rodovias
tornam-se criminosos em outras condições de tráfego — e o carro
amordaçado com que sonha o urbanista seria igualmente letal se dirigido
sem responsabilidade nessas situações.
Mas tudo isso se torna mero detalhe quando se analisa o principal da
questão: é a velocidade que mata? Não é, como comentou há semanas o
colunista Bob Sharp, citando como
exemplo as auto-estradas alemãs sem limite de velocidade, nem por isso
menos seguras que outras rodovias pelo mundo. O que mata é a velocidade
incompatível com as condições — da estrada, do trânsito, do motorista,
do veículo.
Ao contrário do que sugere o sr. Affonso, é possível — e acontece todos
os dias em boa parte do chamado Primeiro Mundo — deslocar-se a (bem)
mais de 120 km/h, com toda a segurança, por uma estrada bem projetada e
bem mantida, com um trânsito disciplinado, um carro em perfeitas
condições e um motorista capacitado e responsável.
Se este conjunto harmonioso ainda não se repete no Brasil, são esses os
elementos que devemos buscar para que um dia alcancemos esse estágio.
Não é, absolutamente, nivelando por baixo nossos automóveis e, por
extensão, nossos motoristas que vamos chegar a algum lugar.
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