Navegar não é preciso

Contran proíbe o uso de sistema de navegação em
movimento: mais um ato contra o "inimigo público nº. 1"

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorDe tempos em tempos, tenho a impressão de que nossos governantes e legisladores consideram o automóvel um grande mal para a comunidade, o inimigo público nº. 1. Da definição tributária à regulamentação de itens de segurança, nossos carros — e, por extensão, nós motoristas — padecem da falta de critérios e de bom senso de quem cria as leis ou decide como serão aplicadas. Os exemplos são muitos.

Há a carga de impostos elevadíssima, que já foi tema deste espaço (leia artigo), e a "dança" do IPI que tanto mal faz ao mercado, como analisou Gino Brasil em recente coluna. Há as indefinições a respeito de combustíveis: ora mais, ora menos álcool na gasolina, ao sabor de sua oferta no mercado; ora se estimula a venda de carros a álcool, ora o preço deste sobe; ora se estimula o gás natural, ora seu custo também dispara.

Houve a espantosa falta de bom senso em se estabelecerem os itens de segurança obrigatórios nos veículos por ocasião do Código de Trânsito Brasileiro de 1998: dos encostos de cabeça e cintos de três pontos traseiros em carros usados, instalados à base da "gambiarra", passou-se à liberação geral, em que esses itens só foram exigidos em "novos projetos" — carros de concepção antiga podem ser vendidos sem eles até hoje. Há a ridícula obrigatoriedade do extintor de incêndio, dor-de-cabeça dos importadores, já que nenhum país de vanguarda o exige. Do estojo de primeiros socorros, então, é melhor nem se lembrar.

Como desgraça pouca é bobagem, o Contran — Conselho Nacional de Trânsito — decidiu brindar-nos com mais uma. Com foco nos aparelhos de DVD que muitos vinham instalando no painel, proibiu por meio de resolução, a 153/03 de 17/12/2003, a colocação de "aparelho audiovisual" em local visível ao motorista. Foi feita exceção a instrumentos de orientação do caminho a ser seguido (sistemas de navegação), desde que dotados de tampa e ocultos por ela enquanto o carro estiver em movimento.

Soaria como piada em qualquer país sério, mas é verdade. O mostrador só pode ser consultado com o veículo imobilizado. Portanto, sua principal vantagem, orientar o motorista em tempo real, não é permitida no Brasil. O uso normal do recurso de localização e orientação de tráfego que, mundo afora, contribui para evitar que mais motoristas caiam em congestionamentos ou rodem perdidos à procura de um logradouro está praticamente proibido em nosso país. Somos, mais uma vez, exceção no mundo a troco de nada.

Depois de mais esta, o que mais nos falta acontecer? Quase não se usa mais, mas caso se usasse o Contran poderia proibir a bússola. Afinal, nesta terra descoberta por Cabral navegar não é preciso.

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Data de publicação: 24/1/04

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