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Fotos:
Cláudio Larangeira


O Teimoso era um Gordini
simplificado ao extremo para os tempos de crise; a luz sobre a placa
servia também como de posição e de freio |
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A Willys projetava um carro
médio e um pequeno; este foi cancelado, mas o maior tornou-se o Corcel
depois da compra da empresa pela Ford


Na placa dos sedãs Aero e
Itamaraty e no anúncio da Rural, o logotipo da Ford, que herdou
componentes mecânicos para outros modelos |
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Era
finamente construído, com vidro separador entre motorista e passageiros,
dois ou três assentos na parte traseira, confortos como velocímetro para
os passageiros, som com toca-fitas de cartucho — o último grito da
tecnologia em conforto sonoro — e o pioneirismo do ar-condicionado,
insuflado da parte traseira para a frente. E couro e placas de jacarandá
maciço. Dela, apenas 23 unidades.
O tempo andava, o mercado evoluía e se moldava, exigia renovação de
produtos, envelhecendo a primeira geração de veículos. A Willys evoluiu
os comerciais, os automóveis Aero pela bem-sucedida versão Itamaraty,
mais refinada em decoração e confortos — seu lançamento, feito
corajosamente em festas e com anúncios em veículos para a classe A,
gerou a criação da Salles Publicidade. Após, experimentou mudar a
frente, aplicando grade e faróis de Lincoln, o mais luxuoso da Ford.
Início do fim
Sem matriz para
desenvolver tecnologia, era a única com previsível renovação de
produtos, por meio de um carro médio e um pequeno econômico, os Projetos
M e E. Entretanto, condição externa modificou o panorama: o governo da
Revolução desdisse os compromissos de instalação pelo Grupo Executivo
da Indústria Automobilística (GEIA), tornando mal visto o
desenvolvimento tecnológico por empresa nacional, fomentando fusões ou
absorção por fábricas maiores.
O novo cenário, a necessidade de aportes pelos acionistas — incluindo a
maior, a Kaiser — para a renovação de produtos, se fizeram presentes
quando a Ford fez oferta pelas ações do grupo norte-americano. Edgar
Kaiser, herdeiro da maior acionista, aposentara-se, tinha novo emprego,
fiscal da natureza no Havaí, onde circulava em inacreditavelmente cor de
rosa IKA Carabella, o argentino
Kaiser Manhattan. Talvez dali
decidiu aceitar a proposta da Ford — e decidiu fazer o mesmo com a
operação argentina, vendida à Renault.
Aqui a Ford, segunda gigante nos EUA, era pequena, distante em estrutura
e vendas da Willys-Overland, segunda maior. A compra de 35,75% do núcleo
de ações permitia, como maior acionista individual, mandar na companhia.
Como se interpretou na época, com as raivas dos empregados e
revendedores sócios da Pioneira, o ovo comprou a galinha. Terceira e
criativa fase encerrou-se aqui.
Novo
ciclo
Quarta e última fase. A
Ford gastou pouco, US$ 5 milhões, recebeu muito. Objetivo principal, a
fundição moderna em Taubaté, hoje base de seu programa de produção de
motores e caixas de marchas para Fords brasileiros e de outros países. E
mais amplas instalações industriais, a segunda maior rede de
concessionários, projetos em andamento.
Destes, aproveitou o Projeto M, transformado no exitoso e lucrativo
Corcel. O Projeto E, para ser
carro econômico, utilizando um novo motor com 950 cm³ e cinco mancais de
apoio, descartou. Fez o mesmo com o acordo com a Alpine para fazer o
modelo A110, com o novo motor que equiparia o Projeto M/Corcel, apesar
de o carro ter sido mostrado no Salão do Automóvel em 1966.
Manteve como veículos de frente o Jeep, a Rural, o picape — agora
chamado F-75 e vendendo muito mais que o seu, o
F-100. Aero e Itamaraty, revistos,
passando por simbiose com partes comuns com o
Galaxie, mantiveram-se até
setembro de 1970. Em 1973 revisou o motor BF-3000 e aplicou-o, com
transmissão e eixo traseiro, ao Ford Maverick.
Manteve o motor em produção até 1976, quando substituiu pelo Projeto
Georgia, o OHC de quatro cilindros e 2,3 litros, aplicado aos comerciais
herdados à Willys. A Rural findou-se em dezembro de 1977; Jeep e picape
em março de 1983.
Memória
Deixou marcas de
comportamento difíceis de apagar. Além da coragem, da crença, do
empurrão pelo crescimento da indústria nacional de autopeças, patamares
difíceis de ser repetidos, como a preocupação em adquirir unidades
antigas para preservar — Overland 1906, Willys Knight 1928 e Willys
Whippet 1929. Foi a primeira em agir positivamente para a
descentralização industrial do Sul, implantando fábrica em Jaboatão dos
Guararapes, perto de Recife, PE — recém-adquirida pela Fiat, verdadeiro
tíquete de entrada para a expansão industrial da empresa pelo novo
programa governamental de incentivos à indústria automobilística no
Nordeste.
Pearce permaneceu no Brasil dirigindo a Kaiser Steel, um dos braços da
corporação, depois voltou aos EUA. Faleceu há poucos anos, ainda
dirigindo seu Lamborghini e pilotando avião com motor a pistão.
Os automóveis para coleção — os citados Overland, Willys Knight e
Whippet — e o Capeta foram cedidos pela Ford ao Museu Nacional do
Automóvel, em Brasília, DF. Lá também há Dauphine, Gordini, Aeros 1962 e
1963, Rural Luxo 1970, intocada unidade de Executivo, o único Willys
Gávea e um gerador de luz com motor Dauphine. O protótipo do Alpine
A110, um dos Marks I e o Mark II, chamado Bino, estão preservados pelo
publicitário Mauro Salles em São Paulo.
Conversando com meu tio Rubens Vieira de Oliveira, economista, duas
vezes Secretário de Fazenda do Espírito Santo, perguntei sobre o que
significava a chegada da indústria automobilística no Brasil, a
motorização, a democratização da mobilidade pelo início do acesso ao
automóvel. Que marca teria sido mais importante naquele tempo?
Pensou um pouco e respondeu com pergunta: "Você conhece alguém chamado
Volks? Simca? Vemag? Não. Há Mercedes, há Romeus, mas nada a ver com
indústria. Mas Willys há muitos, até deputado federal, não é?"
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