A grade com frisos verticais que parecia jorrar do capô dava um ar diferente -- e polêmico -- ao Airflow, cuja linha incluía este modelo cupê, com curiosa semelhança ao Fusca quando visto de trás

Os motores de oito cilindros em linha tinham potência entre 122 e 150 cv; a caixa manual contava com sobremarcha automática e roda livre

A estrutura do Airflow usava uma "gaiola" que recebia os painéis de carroceria sem recorrer ao chassi separado, o mais comum na época

O acabamento Imperial incluía maior entre-eixos, que podia chegar a 3,71 m no Sedan Limousine (em cima) e no Town Sedan (vista interna)

Se a grade do Chrysler roubava atenções como uma cascata de aletas cromadas jorrando do centro do capô rumo à real abertura da grade — entre os faróis —, a da outra versão era comedida, num arco que limitava as aletas não muito acima da abertura. Enquanto o Chrysler Airflow tinha um característico para-choque de barras finas triplas e curvadas, o do DeSoto era mais convencional, com duas barras limitadas por garras à frente dos faróis, sendo inteiriço nas extremidades.

Mais que um estilo, a palavra streamline descrevia a aerodinâmica na época — e o Airflow foi o primeiro modelo de produção em escala a empregar seus benefícios. Seu perfil traseiro fazia lembrar os dirigíveis que encantavam multidões com seus voos transatlânticos na época, entre os quais o mais famoso foi o Zeppelin alemão. Com inclinação nitidamente mais acentuada que os equivalentes do estilo cristaleira que dominavam as ruas norte-americanas, o Airflow sedã parecia estar uma década à frente de seu tempo. As saias sobre as rodas traseiras só ressaltavam essa característica. Ao se observar a outra opção de carroceria disponível, o bem menos conhecido cupê, é fácil se lembrar do Volkswagen Sedan, o Fusca, lançado alguns anos depois. Se na engenharia Ferdinand Porsche faria quase um milagre para viabilizar o carro do povo alemão, seu perfil arredondado e rebaixado tanto na frente quanto na traseira certamente deve muito às formas do ousado Chrysler de 1934.
 
Por dentro, a influência do Art Déco também se fazia evidente. À direita do volante ficavam dois instrumentos circulares centralizados no painel, lado a lado. Mais próximo à direção estava o velocímetro. O outro círculo reunia quatro instrumentos menores, também circulares: os marcadores de nível de combustível, de temperatura, de amperagem e de óleo. Logo ao lado deste instrumento ficava o rádio embutido Philco em um curioso formato de ogiva vertical, com um botão em cada extremidade e mostrador no centro. A alavanca do câmbio manual Borg-Warner de três marchas com sobremarcha, montada no assoalho, contornava o painel em um “S” que a deixava próxima ao volante, na altura dos instrumentos. Com limpadores presos ao teto, o para-brisa bipartido tinha alavancas para bascular cada uma de suas metades, deixando o vento arejar o interior e depois sair pelas janelas. As laterais traseiras atuavam como quebra-ventos.
 
As versões da linha Chrysler Airflow começavam pelo Eight, com motor de oito cilindros e 4,9 litros com cabeçote de alumínio, um carburador de corpo duplo, válvulas e seu comando no bloco, que desenvolvia potência bruta de 122 cv. A distância entre eixos era de 3,12 metros. Já o Imperial contava com 5,3 litros, 8 cv a mais e 3,25 m entre os eixos. O Airflow Custom Imperial era ainda maior, com 3,48 m na mesma medida, mas nenhum deles superava em tamanho os 3,71 m de entre-eixos ou em potência os 150 cv do Town Sedan (sem vigia lateral traseira) e do Sedan Limousine, que tinham motor de 6,3 litros e para-brisa inteiriço. Versões de seis cilindros, só se fosse o DeSoto. A caixa com sobremarcha, de série nas versões Imperial, era novidade e entrava em ação de forma automática a 72 km/h. Bastava soltar o pé do acelerador para a rotação cair 30%. A 96 km/h ela reduzia o consumo em 25%, segundo o fabricante. Um botão tirava de ação o sistema quando desejado.
 
O Airflow chegava a 144 ou 152 km/h, dependendo da versão. Herdado de outros modelos Chrysler, o sistema de roda livre liberava as rodas traseiras de tração sempre o acelerador era solto ou que o carro ganhasse velocidade por si mesmo, como em descidas acentuadas. Somado à embreagem automática, isso facilitava a condução. De qualquer modo, o maior destaque técnico do Airflow era o Floating Ride (rodar flutuante), que contribuía muito para o conforto em terrenos variados. Os feixes de molas semi-elíticas, mais longos que o usual, associavam-se ao maior equilíbrio dinâmico alcançado pela distribuição de peso do carro e à rigidez torcional. O freios Lockheed, a tambor com comando hidráulico e servo-freio, eram aprimorados em relação aos já usados pela Chrysler. Continua

Nas telas
A importância histórica do Chrysler Airflow contrasta com seu modesto currículo de aparições no cinema. À parte o desconhecido drama sueco Åh, en så'n Grabb (1939), em que um sedã 1935 pode ser visto com generosidade, ele parece não ter sido reconhecido em filme algum numa participação mais expressiva que meros extras, como no drama Pearl Harbor (2001).

Em parte isso deve se explicar por conta da produção reduzida do modelo. Mas, com todos os recursos da indústria do cinema, já era mais do que hora de algum protagonista excêntrico ter tido um Airflow como carro de uso. Até um muito mais exótico Tatra 603-2 1969 checo já foi visto na fantasiosa aventura norte-americana Desventuras em Série (Lemony Snicket's A Series of Unfortunate Events, 2004), com Jim Carrey e Meryl Streep, para ficar em um exemplo. Por que não uma das mais notáveis criações de Detroit?
 
Se para a tela de prata o Airflow ainda é um estranho, para a da TV ele já mereceu algumas incursões dignas de respeito. Uma delas foi na ainda obscura minissérie dramática sueca Hedebyborna, de 1978. Nela um sedã 1934 cinza é dirigido por um dos personagens, com direito a enquadramentos externos e internos do carro. O Airflow é um dos carros mostrados no resgate histórico do documentário Great Cars (2004). Também documental é o material apresentado pelo site de uma série de TV da PBS, homônima ao filme, sobre o universo do automóvel. Com o nome The Future that Flopped (O Futuro que Fracassou), a matéria tem links para Trails of Triumph (Trilhas do Triunfo), noticiário publicitário de época no típico formato que costumava ser exibido antes dos filmes no passado.
Åh, en så'n Grabb Pearl Harbor
Hedebyborna Great Cars

Nele, vemos o Airflow Coupe batendo recordes em Bonneville e de costa a costa dos Estados Unidos. Recentemente, um anúncio de TV chamado Coming Home (Indo para Casa), relembra modelos clássicos das divisões da Chrysler. O primeiro deles é um Airflow 1934.

O terceiro Airflow
Além do Chrysler e do DeSoto Airflow, houve um terceiro modelo da companhia que usou tanto o nome quanto o estilo streamline desse pioneiro. O Dodge Airflow Tanker era um caminhão projetado dentro dos preceitos aerodinâmicos do Airflow de passeio. A partir de uma ideia submetida pela Texaco à Chrysler em 1931, ele começou a ser produzido em dezembro de 1934 e durou até fevereiro de 1940, tendo sido produzidas 236 unidades, ainda que nem todas caminhões-tanque.

Era exatamente o recipiente para carregar líquidos que diferenciava o veículo: não havia uma divisão entre ele e a cabine. As duas partes unidas formavam um todo, arredondado como um Zeppelin. O Tanker tinha uma grade que não se projetava desde o meio do capô e seus faróis eram fixos em pedestais nos para-lamas. Mesmo assim, entre os veículos de carga, ele também roubava a cena. Há um exemplar do Airflow Tanker no Walter P. Chrysler Museum e outro no Henry Ford Museum.

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