A hora do advogado do diabo
Antes
de adotar um acessório em seu carro antigo, |
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Abro o baú
da memória -- muito a propósito nestas histórias de veículos
antigos -- e me lembro das aulas do curso de Direito na
Universidade de Brasília, onde o professor e depois
ministro do STJ, Romildo Bueno de Souza, enfatizava:
"Uma coisa é processo, e outra é procedimento". |
Nosso primeiro Aero-Willys, ao lado, utilizava a grade do modelo Bermuda da marca americana, de 1955 (no alto) |
Certo? Como filosofia,
sim. Mas na prática, infelizmente, a teoria é outra. Nem sempre as revistas ou os bem ilustrados anúncios espelham a verdade dos detalhes que se incorporaram aos veículos em sua vida industrial, exigindo um trabalho que, se o festejado inglês Michael East, que se assinava Morris West, fosse dado ao antigomobilismo, por certo teria sido este o tema do seu "Advogado do Diabo". O ônus da prova Não utilize única fonte. Veja anúncios, as matérias jornalísticas, os antigomobilistas reconhecidos como interessados em história, os clubes de marca. Com as reservas de praxe, procure a literatura estrangeira relacionada ao produto que você procura ou restaura. Você vai descobrir como é excitante perceber, nesta planície de desinformação, como você quase errou no tom da cor, na montagem dos letreiros, do grupo óptico, e quanto tempo perdeu -- e quanta bobagem ouviu sobre determinado acessório que você pensou fazer parte do veículo, descobrindo tratar-se de um exercício de estilo para as fotos de apresentação. Vou partir do princípio que as dificuldades maiores são com os carros nacionais, estes pedaços de história brasileira sobre rodas, os de mais difícil restauração. Quero lembrar que algumas marcas foram montadas no Brasil, na fase pré-industrialização. País e mercado pobres, você sabe, os veículos aqui montados em grupos de componentes eram simplificados em relação aos similares da origem, países e mercados mais endinheirados e mais exigentes. Por isto, como exemplo, o picape Chevrolet até 1957, que era montado pela General Motors em sua planta de São Caetano do Sul, SP, não era idêntico ao modelo similar norte-americano. O mesmo vale para o Ford, o Studebaker, os caminhões International... Desta forma, o primeiro passo nesta empreita é saber quais veículos e tipos eram montados pelas filiais nacionais. Se não, você restaura um nacional simplificado como se fora um estrangeiro equipado. Restauração a mais é tão errada quanto a menos. Como há falta de literatura, a pesquisa pela fartura norte-americana e européia deve ser cautelosa, pois como dito, nos países de origem os veículos eram mais elaborados que as simplórias versões nacionais. Assim, não existiram aqui as versões luxuosas, com frisos em torno dos vidros, ou circulação de ar quente, por exemplo, itens bastante detalhados nos estrangeiros. Os Volkswagens Sedan foram montados no Brasil entre 1950 e 1953, não pela indústria do mesmo nome, mas por sua representante Brasmotor. A fábrica assumiu o negócio, e passou a montar o sedã 1.200 a partir de 1959. Questiona-se habitualmente se eram produzidos originalmente com pintura combinando dois tons, como vistos nos anúncios europeus e norte-americanos. |
O Fusca só foi produzido aqui a partir de 1959. Nos anos anteriores, questiona-se se era mesmo disponível a pintura em dois tons que aparece em anúncios estrangeiros |
Não, eram monocromáticos.
Algumas unidades alemãs, de séries especiais, tinham
esta caracterização como apelo de vendas. As nacionais
eram pintadas em cor sólida e sem combinações --
embora poucos revendedores praticassem estas variações.
Made in Brazil Entrando nos nacionais, produzidos no país dentro da regulamentação do GEIA, que inaugurou um novo ciclo industrial, de montagem completa e utilização de componentes brasileiros, a busca por referências em literatura ou ilustrações norte-americanas ou européias, pode resultar prejudicial, requerendo uma pesquisa suplementar. Dá trabalho, mas oferece o bônus de se fazer novos relacionamentos e arranjar mais conhecimento antigomobilístico. Veja três exemplos. O primeiro picape Ford F 100, feito no Brasil em 1958 com estampos da linha descontinuada no mercado americano, era uma cabine do ano/modelo 1953 nos EUA, com a grade central do modelo 1956. Quanto à caçamba, nosso modelo 1960, segunda série, até o modelo 1962, embutiu os pára-lamas, característica nacional adotada para oferecer maior área cúbica para carga -- os norte-americanos mantiveram os pára-lamas expostos. Os da GM têm peculiaridade -- foram exclusivos para o Brasil --, não havendo referência estrangeira para eles. Na área dos automóveis, o Aero Willys nacional não possui correspondência direta com um modelo de origem. Aqui, o nosso Aero 1960, primeiro de uma vitoriosa série, é uma carroceria do modelo Lark de Luxe de 1955, com a grade frontal do Willys Bermuda 1955 (foto no alto da página). O Aero já havia sido descontinuado nos EUA, e a Kaiser-Fraser, que a controlava -- se você pensava que era a Willys enganou-se -- criou uma combinação nos componentes estocados para criar uma versão para um empreendimento -- vitorioso -- n'além mar. A partir de 1963 a conversa muda. Estes carros somente existiram no Brasil, assim como seus ganhos em tecnologia. Continua |