Eu tinha 14
anos quando meu avô materno, que pouco dirigiu em sua
vida, dizia: "O que atrapalha o trânsito é a
morosidade". Isso por volta de 1956, quando a
indústria automobilística engatinhava, a frota
brasileira não devia ter mais que dois milhões de
veículos e o trânsito urbano estava longe de ser o que
é hoje. Uma olhada mais atenta no que acontece nos
nossos dias mostra que vovô estava certo.
Ele dizia, e dou-lhe razão, que um veículo em
velocidade abaixo da adequada é como um cano d'água
parcialmente entupido: o líquido não é conduzido como
deve e o sistema hidráulico como um todo perde
desempenho. Transpondo o conceito para as ruas, o
tráfego deixa de fluir como esperado e a sensação de
vias saturadas acaba se tornando fato.
As vias marginais de São Paulo são bom exemplo disso.
De Santo Amaro até o primeiro pedágio na Dutra ou na
Ayrton Senna não há um semáforo sequer. Teoricamente,
o tráfego não poderia parar em toda a sua extensão,
mas pára.
Ele não advogava, nem eu, velocidade excessiva,
incompatível com a segurança e com o convívio
harmônico do homem com a máquina. O que se preceitua é
uma postura dos motoristas de que são todos parte de um
sistema, e que este não pode ser perturbado sob pretexto
algum. Velocidade insuficiente é uma das maiores causas
de perturbação.
Quando foi adotado nos Estados Unidos o limite nacional
de velocidade de 88 km/h para economizar combustível, em
razão do embargo de petróleo dos países da Opep em
1973, era inconcebível para o americano trafegar em
velocidade tão baixa nas auto-estradas. Era comum a
coluna andar a 100 ou 110 km/h. Mas havia aqueles que
obedeciam cegamente ao limite, e o resultado era
perturbação do tráfego naquele ponto da rodovia, não
raro provocando acidentes.
Acontecia, então, que os policiais rodoviários
emparelhavam com o carro que estava dentro do limite e,
com gritos e gestos com o braço, diziam "Go!"
(acelere) para o obediente motorista, que apertava o
acelerador.
Indo para o outro extremo, os das corridas de
automóveis, se um piloto de Fórmula 1 tiver obtido
tempo de classificação para a largada 7% maior que a
média dos três primeiros, não poderá participar da
prova. Para ilustrar, se essa média for 1 min 30 seg, o
tempo de 1 min 36,1 seg deixa o piloto fora da corrida.
Essa regra existe justamente para que os demais não
venham a encontrar um carro lento à frente, que perturbe
o andamento da competição ou possa vir a ser a causa de
um acidente.
Esses dois casos evidenciam com clareza como a velocidade
insuficiente atrapalha. É por esse motivo que todos os
códigos de trânsito estabelecem a velocidade mínima
como metade da máxima e, em certas cidades, como em
Buenos Aires, esse limite inferior é ainda mais elevado.
Por exemplo, se o limite é 80 km/h, é proibido trafegar
abaixo de 60 km/h.
Toda essa questão tem a ver menos com habilidade e mais
com educação do motorista. Os americanos dizem que um
bom trânsito é resultado dos "Três E" --
Education (educação), Engineering (engenharia) e
Enforcement (fiscalização). A educação constitui um
dos tripés de bons resultados do sistema de trânsito
como um todo.
É a educação, que necessariamente terá sido recebida
de alguém -- pai, mãe, professor, instrutor de
auto-escola, autoridades --, que vai determinar o
comportamento do indivíduo no meio em que vive. Talvez
não exista oportunidade maior para alguém expressar sua
educação do que no trânsito.
É comum ver-se uma pessoa estacionar, nos supermercados
e lojas, fora da vaga demarcada, ocupando duas. Nas ruas,
ao deixar o carro estacionado ao longo da guia da
calçada, poucos calculam o próprio espaço ocupado e
utilizam mais do que o carro precisa, prejudicando
alguém -- trata-se de um colega motorista, afinal. Dia
desses vi uma senhora, de aparente bom nível social,
fazer isso e quando alertei-a que ela poderia recuar e
deixar vaga para mais um carro, tive a resposta:
"Cansei de ser boazinha".
Isso sem contar a freqüente chamada nos shoppings,
"Atenção, proprietário do carro placas...",
para que o dono retire o carro de uma posição irregular
onde certamente está atrapalhando outros motoristas.
Questão de educação.
Como também é falta de educação, combinada com falta
de percepção, alguém não se dar conta de que está
trafegando em velocidade insuficiente, prejudicando o
trânsito e incomodando os demais, gerando tensão e
atritos desnecessários.
É tão importante a noção de não atrapalhar que, nos
Estados Unidos, quando o câmbio do veículo é manual, o
motorista é obrigado a aguardar o sinal verde com a
primeira marcha engatada, só para que ele não retenha o
tráfego à retaguarda naqueles 1 ou 2 segundos entre luz
verde e veículo começar a se mover.
A morosidade dos caminhões contribui da maneira marcante
para os congestionamentos urbanos e rodoviários. Não
que caminhão tenha de andar à velocidade dos
automóveis, mas a verdade é que são lentos demais. A
prática brasileira de "trucar" caminhão --
instalar um terceiro eixo para aumentar a capacidade de
carga sem exceder o peso máximo por eixo -- é uma das
responsáveis pela sua lerdeza. Um caminhão para 12
toneladas de peso bruto total de repente passa a 18 t --
onde estão o motor e principalmente freios para isso?
Cabe a cada um de nós contribuir para o trânsito
melhor, e não apenas às autoridades. A
conscientização não é uma utopia. Veja-se o caso de
Brasília, onde em dois anos o comportamento do motorista
diante da faixa para pedestres igualou-se ao dos países
de vanguarda: pedestre tem preferência e ponto final.
Assim, vamos nos conscientizar todos de que morosidade
prejudica. Converse a respeito com familiares, amigos,
colegas de trabalho. Pouco a pouco grande parte do nó de
tráfego acabará desfeita e todos verão que vovô tinha
razão.
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