Em
minha condição de jornalista que avalia automóveis — um após o
outro, praticamente a cada semana, há 14 anos — e aficionado pelo
assunto desde criança, é natural que eu seja questionado com
frequência por parentes e amigos: "Que carro devo comprar?".
Aconteceu mais uma vez há alguns dias com uma prima, dona de um
Citroën C3, que procurava um carro maior. As opções que ela estudava
me deixaram perplexo: havia carros tão diferentes quanto Renault
Duster, Hyundai I30, Fiat Palio Adventure e Volkswagen Jetta (este
usado). Passei-lhe algumas opiniões e sugeri que fosse às
concessionárias dirigir cada um antes de escolher. Ainda não sei se
ela fechou negócio, mas percebi que era bom assunto para o
Editorial.
Comprar um carro, a meu ver, deveria ser como adquirir um fogão ou
uma geladeira. Quando precisa desses utensílios, ou de substituir os
que possui, você começa por analisar suas necessidades: fogão de
quatro ou seis bocas, geladeira de 300 ou de 450 litros, com maior
ou menor congelador? Verifica o espaço disponível na cozinha, vê
quanto pode ou quer gastar, compara marcas e modelos, pesquisa
preços em algumas lojas e... compra. Escolher o produto ideal pode
até ser trabalhoso, mas não é complicado.
Por que não é assim com automóveis? Basicamente, porque carros não
são — ao menos para a grande maioria dos compradores particulares —
meros utensílios para ir e vir, como geladeiras com rodas e um
volante. Eles espelham uma personalidade, contam ao mundo quem você
é ou gostaria de ser, e por isso modelos tão diferentes podem estar
no rol de opções da mesma pessoa.
No entanto, optar por um carro apenas por esse fator é meio caminho
para um arrependimento que pode custar caro — por menos que o tenha
usado, você perderá com facilidade 20% do valor pago por um modelo
zero-quilômetro se decidir vendê-lo ou trocá-lo. Por isso, pensar um
pouco em aspectos práticos antes da decisão é uma boa medida.
Meu amigo Paulo disse certa vez que, apesar das viagens que a grande
família fazia quando ele e os irmãos eram crianças, o pai nunca
pensou em ter um Chevrolet Veraneio, optando por um Opala para
transportá-los com conforto. Ele se referia, claro, à preferência de
muitos hoje — e que parece crescer a cada dia — pelos utilitários
esporte (SUVs na sigla em inglês), dos quais o pesado Veraneio,
então veículo predileto das polícias da ditadura, pode ser
considerado um precursor no caso brasileiro.
O que o Veraneio podia ter de bom, como amplo espaço para
passageiros e bagagem, suspensão robusta e a sensação de maior
segurança em caso de colisão, ainda se aplica à maior parte dos
utilitários modernos, enquanto alguns pontos negativos do velho
camburão — como instabilidade e rodar desconfortável — foram
bastante reduzidos em seus correspondentes atuais. Por isso, e
também pelo fator moda, os SUVs vêm tomando conta das ruas e são
muito apreciados pelas mulheres, que estavam longe de ser o
público-alvo daquele antigo Chevrolet.
É uma tendência que recebemos com algum atraso dos Estados Unidos,
onde os SUVs começam a perder terreno à medida que o consumo de
combustível ganha importância na compra de um carro. Para quem não
sabe, a consagração dos utilitários e picapes como carros de uso
urbano — não como veículos fora-de-estrada ou de carga — deu-se por
conta de um favorecimento do governo norte-americano no fim dos anos
70.
Quando passaram a vigorar limites para o consumo de combustível, por
meio do programa CAFE, os
utilitários foram agraciados com limites bem mais brandos. Assim,
foi neles que os fabricantes apostaram para atender a quem queria
dispor de motores de alta cilindrada, pois tal opção em um automóvel
poderia impedir que a marca atendesse às normas. Já na Europa e no
Japão, fatores como economia de combustível e o espaço ocupado nas
ruas e nas garagens sempre foram — e continuam a ser — determinantes
na escolha de um carro, razão pela qual os SUVs têm participação bem
menor nesses mercados. |
Os preços a pagar
Não importa se é um EcoSport em relação a um Fiesta ou um BMW X5
em comparação a um sedã Série 5: pelas próprias características de
desenho e construção, um utilitário esporte impõe desvantagens
quando usado nas mesmas condições que um automóvel.
Sua maior altura de rodagem implica menor estabilidade, o que em uma
situação extrema pode fazer a diferença entre evitar ou não um
acidente. Com o mesmo motor, seu desempenho é menor e o consumo mais
alto, pois são inerentemente mais pesados e têm aerodinâmica
inferior. Os pneus de uso misto (quando é o caso) tendem a ser mais
ruidosos e se desgastar mais rápido que os feitos só para asfalto.
Se a tração for integral, tem-se mais um elemento mecânico que pesa,
ocupa espaço e pode exigir manutenção ou reparo, mas que serve para
muito pouco no uso em cidade e estrada.
À parte os utilitários esporte, havia outros aspectos interessantes
nas opções que a prima me apresentou — e que deixariam em dúvida os
analistas de marketing dos fabricantes. Parece natural que um hatch
se destine mais a jovens, pessoas solteiras e casais sem filhos,
enquanto um sedã teria seu público-alvo em famílias ou pessoas mais
maduras.
No entanto, alguns compradores revelam-se indecisos entre essas
categorias, talvez por não precisar do espaço de bagagem do sedã,
mas não se satisfazer com os hatches disponíveis no mercado. De
fato, modelos como Civic, Corolla e Jetta não têm equivalentes no
formato hatch nas mesmas marcas — salvo pelo Golf, já duas gerações
atrasado em relação ao sedã da VW.
Há ainda o caso dos carros "aventureiros", exemplificados pela Palio
Adventure sobre a qual fui perguntado. Alguns enxergam neles a
expressão de um estilo de vida ligado a esportes e à natureza, como
revelam as decorações das capas de estepe muito usadas como
acessórios em EcoSport e CrossFox. Outros imaginam maior resistência
ao "fora-de-estrada das cidades", com suas lombadas, valetas e
buracos, e alguns pensam na posição de dirigir mais alta, que lhes
traria a sensação de estar mais seguros no trânsito.
O que nem todos percebem é que essa opção tem seus custos. Primeiro,
o preço: como exemplo, uma Citroën C3 Aircross GLX com câmbio manual
é R$ 5.450 mais cara que a C3 Picasso em igual versão, que é o mesmo
carro sem o pacote de "aventura". Depois, aspectos de utilização:
também nesses casos se aplicam os fatores citados acima em relação
aos utilitários esporte, embora em menor escala porque os
"aventureiros" são, em regra, derivações sem grandes alterações
mecânicas ou tração integral.
Não há como mudar o fato de que muitos compram carros, e continuarão
a comprá-los, motivados pela simpatia por seu estilo ou por se
identificar com a imagem que eles transmitem, e tal opção deve ser
respeitada. Mas quem espera algo mais do automóvel — e não quer se
arrepender da compra de um bem que é, em geral, um dos mais caros de
sua vida — deve considerar alguns outros fatores para fazer bom
negócio. |
Pelas próprias
características de desenho e construção, um utilitário esporte impõe
desvantagens quando usado como automóvel |