Data de publicação: 25/2/12

Hatch, sedã, SUV: eis a questão

Quando um comprador se mostra indeciso entre carros diferentes em
tudo, é sinal de que aspectos elementares foram desprezados

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editor

Em minha condição de jornalista que avalia automóveis — um após o outro, praticamente a cada semana, há 14 anos — e aficionado pelo assunto desde criança, é natural que eu seja questionado com frequência por parentes e amigos: "Que carro devo comprar?".

Aconteceu mais uma vez há alguns dias com uma prima, dona de um Citroën C3, que procurava um carro maior. As opções que ela estudava me deixaram perplexo: havia carros tão diferentes quanto Renault Duster, Hyundai I30, Fiat Palio Adventure e Volkswagen Jetta (este usado). Passei-lhe algumas opiniões e sugeri que fosse às concessionárias dirigir cada um antes de escolher. Ainda não sei se ela fechou negócio, mas percebi que era bom assunto para o Editorial.

Comprar um carro, a meu ver, deveria ser como adquirir um fogão ou uma geladeira. Quando precisa desses utensílios, ou de substituir os que possui, você começa por analisar suas necessidades: fogão de quatro ou seis bocas, geladeira de 300 ou de 450 litros, com maior ou menor congelador? Verifica o espaço disponível na cozinha, vê quanto pode ou quer gastar, compara marcas e modelos, pesquisa preços em algumas lojas e... compra. Escolher o produto ideal pode até ser trabalhoso, mas não é complicado.

Por que não é assim com automóveis? Basicamente, porque carros não são — ao menos para a grande maioria dos compradores particulares — meros utensílios para ir e vir, como geladeiras com rodas e um volante. Eles espelham uma personalidade, contam ao mundo quem você é ou gostaria de ser, e por isso modelos tão diferentes podem estar no rol de opções da mesma pessoa.

No entanto, optar por um carro apenas por esse fator é meio caminho para um arrependimento que pode custar caro — por menos que o tenha usado, você perderá com facilidade 20% do valor pago por um modelo zero-quilômetro se decidir vendê-lo ou trocá-lo. Por isso, pensar um pouco em aspectos práticos antes da decisão é uma boa medida.

Meu amigo Paulo disse certa vez que, apesar das viagens que a grande família fazia quando ele e os irmãos eram crianças, o pai nunca pensou em ter um Chevrolet Veraneio, optando por um Opala para transportá-los com conforto. Ele se referia, claro, à preferência de muitos hoje — e que parece crescer a cada dia — pelos utilitários esporte (SUVs na sigla em inglês), dos quais o pesado Veraneio, então veículo predileto das polícias da ditadura, pode ser considerado um precursor no caso brasileiro.

O que o Veraneio podia ter de bom, como amplo espaço para passageiros e bagagem, suspensão robusta e a sensação de maior segurança em caso de colisão, ainda se aplica à maior parte dos utilitários modernos, enquanto alguns pontos negativos do velho camburão — como instabilidade e rodar desconfortável — foram bastante reduzidos em seus correspondentes atuais. Por isso, e também pelo fator moda, os SUVs vêm tomando conta das ruas e são muito apreciados pelas mulheres, que estavam longe de ser o público-alvo daquele antigo Chevrolet.

É uma tendência que recebemos com algum atraso dos Estados Unidos, onde os SUVs começam a perder terreno à medida que o consumo de combustível ganha importância na compra de um carro. Para quem não sabe, a consagração dos utilitários e picapes como carros de uso urbano — não como veículos fora-de-estrada ou de carga — deu-se por conta de um favorecimento do governo norte-americano no fim dos anos 70.

Quando passaram a vigorar limites para o consumo de combustível, por meio do programa CAFE, os utilitários foram agraciados com limites bem mais brandos. Assim, foi neles que os fabricantes apostaram para atender a quem queria dispor de motores de alta cilindrada, pois tal opção em um automóvel poderia impedir que a marca atendesse às normas. Já na Europa e no Japão, fatores como economia de combustível e o espaço ocupado nas ruas e nas garagens sempre foram — e continuam a ser — determinantes na escolha de um carro, razão pela qual os SUVs têm participação bem menor nesses mercados.

Os preços a pagar
Não importa se é um EcoSport em relação a um Fiesta ou um BMW X5 em comparação a um sedã Série 5: pelas próprias características de desenho e construção, um utilitário esporte impõe desvantagens quando usado nas mesmas condições que um automóvel.

Sua maior altura de rodagem implica menor estabilidade, o que em uma situação extrema pode fazer a diferença entre evitar ou não um acidente. Com o mesmo motor, seu desempenho é menor e o consumo mais alto, pois são inerentemente mais pesados e têm aerodinâmica inferior. Os pneus de uso misto (quando é o caso) tendem a ser mais ruidosos e se desgastar mais rápido que os feitos só para asfalto. Se a tração for integral, tem-se mais um elemento mecânico que pesa, ocupa espaço e pode exigir manutenção ou reparo, mas que serve para muito pouco no uso em cidade e estrada.

À parte os utilitários esporte, havia outros aspectos interessantes nas opções que a prima me apresentou — e que deixariam em dúvida os analistas de marketing dos fabricantes. Parece natural que um hatch se destine mais a jovens, pessoas solteiras e casais sem filhos, enquanto um sedã teria seu público-alvo em famílias ou pessoas mais maduras.

No entanto, alguns compradores revelam-se indecisos entre essas categorias, talvez por não precisar do espaço de bagagem do sedã, mas não se satisfazer com os hatches disponíveis no mercado. De fato, modelos como Civic, Corolla e Jetta não têm equivalentes no formato hatch nas mesmas marcas — salvo pelo Golf, já duas gerações atrasado em relação ao sedã da VW.

Há ainda o caso dos carros "aventureiros", exemplificados pela Palio Adventure sobre a qual fui perguntado. Alguns enxergam neles a expressão de um estilo de vida ligado a esportes e à natureza, como revelam as decorações das capas de estepe muito usadas como acessórios em EcoSport e CrossFox. Outros imaginam maior resistência ao "fora-de-estrada das cidades", com suas lombadas, valetas e buracos, e alguns pensam na posição de dirigir mais alta, que lhes traria a sensação de estar mais seguros no trânsito.

O que nem todos percebem é que essa opção tem seus custos. Primeiro, o preço: como exemplo, uma Citroën C3 Aircross GLX com câmbio manual é R$ 5.450 mais cara que a C3 Picasso em igual versão, que é o mesmo carro sem o pacote de "aventura". Depois, aspectos de utilização: também nesses casos se aplicam os fatores citados acima em relação aos utilitários esporte, embora em menor escala porque os "aventureiros" são, em regra, derivações sem grandes alterações mecânicas ou tração integral.

Não há como mudar o fato de que muitos compram carros, e continuarão a comprá-los, motivados pela simpatia por seu estilo ou por se identificar com a imagem que eles transmitem, e tal opção deve ser respeitada. Mas quem espera algo mais do automóvel — e não quer se arrepender da compra de um bem que é, em geral, um dos mais caros de sua vida — deve considerar alguns outros fatores para fazer bom negócio.

Pelas próprias características de desenho e construção, um utilitário esporte impõe desvantagens quando usado como automóvel



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