"A
segurança dos carros mais vendidos na América Latina é equivalente à
dos europeus de 20 anos atrás". A afirmação é da Latin NCap,
entidade que já realizou testes de colisão com 18 modelos
disponíveis na região, dos quais 17 estão presentes no mercado
brasileiro (a exceção é o chinês Geely CK1, aliás o de pior
resultado no teste). Uma conclusão preocupante para qualquer um que
exponha sua vida ao circular em um desses carros.
Informações detalhadas estão no
site da
entidade, mas podem ser sintetizadas aqui. O teste analisa os
efeitos da colisão, em ocupantes adultos na frente e em crianças de
18 meses e de três anos de idade no banco traseiro (por meio de
bonecos construídos para esse fim, os dummies), em um impacto
frontal a 64 km/h contra uma barreira deformável, que simula um
carro em sentido oposto. A colisão não abrange toda a frente, mas
sim 40% da largura do veículo, como se o motorista tentasse
desviar-se do impacto direto.
Dos 18 automóveis, apenas quatro modelos de preço superior (Cruze,
Focus, Tiida e Corolla, todos com bolsas infláveis frontais)
receberam quatro estrelas, em cinco possíveis, na análise de
segurança para ocupante adulto. Com três estrelas aparecem Meriva,
Palio (geração antiga) e Gol (nova geração) equipados com as bolsas
infláveis opcionais, além do Nissan Tiida com bolsa restrita ao
motorista. Duas estrelas foram atribuídas ao Peugeot 207 e ao Nissan
March, também com duas bolsas, enquanto os demais carros avaliados
(Celta, Classic, novo Uno, Palio, Ka, 207 e Gol), desprovidos desse
item, não passaram de uma estrela. Entre os que receberam o mesmo
número de estrelas há diferentes notas, caso do Gol com 5,75 e do
Uno com 2,00, que aparecem ambos com uma estrela cada.
A nota para a segurança de crianças foi menor: três estrelas para
Cruze, Focus e Ka; duas para Celta, Uno, Palio, 207 e Gol; e só uma
estrela para Classic, Meriva, March, Tiida e Corolla (nesse quesito
houve algumas diferenças em pontuação entre carros do mesmo modelo
com e sem bolsas infláveis, mas não a ponto de alterar a atribuição
de estrelas).
Os resultados permitem tirar algumas conclusões. A mais grave delas
é que, em um cômputo geral, a maioria dos brasileiros que compra um
carro novo está muito mal servida em termos de segurança, já que os
modelos com melhor avaliação são vendidos acima de R$ 50 mil. A
Latin NCap detectou problemas sérios na proteção a ocupantes dos
carros mais vendidos, e não só pela maior exposição a ferimentos no
tórax e na cabeça causada pela falta de bolsas infláveis: em
diversos casos mostrou-se excessiva fragilidade da carroceria, que
não resistiu de forma adequada às exigências do impacto.
O teste leva também a constatações mais específicas. Mesmo os
modelos com melhor avaliação não oferecem no mercado brasileiro o
mesmo nível de segurança de outros países. Como exemplo, o Corolla
vendido na Europa vem com bolsas infláveis do tipo cortina, bolsas
para os joelhos do motorista e fixação
Isofix para cadeiras infantis no banco traseiro
—
itens não disponíveis em nenhuma versão por aqui.
Entre dois modelos de porte semelhante da mesma marca, seria
esperado que o de projeto mais recente oferecesse maior segurança,
mas se verificou o oposto entre o Palio (nota 4,89) e o novo Uno
(nota 2,00), ambos sem bolsas infláveis. Redução excessiva de custos
para o modelo mais barato, com reflexos sobre a proteção dos
ocupantes? É possível.
Chama atenção ainda a baixa nota do March (7,62), inferior às de
Palio (10,65) e Gol (10,01), todos com bolsas frontais: esperava-se
melhor resultado de um carro de projeto recente — ainda mais de um
que faz piada com a antiguidade de seus concorrentes na campanha
publicitária... Outra decepção vem ao comparar a versão mexicana
vendida aqui com seu similar do mercado europeu, o Micra, que obteve
nota 12,7 na análise de impacto frontal. Como as bolsas infláveis
que influem nesse tipo de colisão estão em mesmo número aqui e lá,
fica a hipótese de que a construção adotada no México seja menos
segura. |
De quem é a culpa
Diante desse grave quadro, vem o questionamento: de quem é a
responsabilidade por termos carros tão mal preparados para proteger
seus ocupantes em uma colisão?
É fácil apontar os fabricantes como maiores responsáveis, já que é
deles o poder de decidir como os automóveis são projetados e
construídos e que equipamentos de segurança eles devem receber. Mas
há dois componentes que não podem ser desprezados. Em qualquer parte
do mundo, empresas tomam medidas que implicam maior custo apenas
quando motivadas por algum de dois fatores: legislação e exigência
do consumidor.
No que toca à legislação, a parte que cabe ao governo, o mercado
brasileiro esteve até há pouco na pré-história em termos de
segurança passiva. As normas de
testes de impacto são ridiculamente ultrapassadas — a Kombi estar à
venda é prova inconteste disso — e só em 2009 entrou em vigor a
exigência gradual de aplicação de bolsas infláveis aos carros novos,
com prazo de cinco anos. Apenas em janeiro de 2014 tais itens (e os
freios com sistema antitravamento ABS, que respondem pela
segurança ativa) serão obrigatórios
para todos os carros vendidos.
Cinco anos é tempo demais, a nosso ver, para a aplicação de
equipamentos tão importantes, de custo hoje moderado e cuja adoção
não representa grande dificuldade para os fabricantes. Ao contrário
do que alguns acreditam, até carros de projeto muito antigo como
Mille, Classic e Celta/Prisma podem receber as bolsas infláveis sem
maior intervenção
— não as
oferecem hoje porque se acredita haver demanda insuficiente para
viabilidade comercial.
Nossa opinião, a propósito, é de que não se deveria obrigar ao uso
de bolsas infláveis e sim exigir padrões mínimos de proteção mais
elevados, que os fabricantes atenderiam como preferissem. Como
analogia, não é obrigatório catalisador para os carros vendidos no
Brasil, mas todos os modelos o usam desde 1997, pois sem ele não é
mais possível atender aos limites de emissões poluentes que entraram
em vigor naquele ano. Se fosse obrigatório, porém, surgiria a
hipótese absurda de eventual carro elétrico — que nem escapamento
tem — precisar sair com catalisador de fábrica.
Ao lado da questão legal, existe a da exigência do consumidor: se
ele deixar de comprar porque não considera o produto adequado, a
indústria terá de se movimentar e oferecer algo melhor. Contudo,
nesse aspecto nada se pode fazer além de informar e conscientizar, o
que é tarefa também de órgãos de imprensa.
Se o comprador aceita automóveis sem equipamentos de segurança
adequados e não concorda em pagar por itens que os tornem mais
seguros, é de se esperar que testes como os da Latin NCap pouco
representem em sua decisão de compra. Nos países desenvolvidos,
ambos os fatores — a lei e o rigor na escolha — têm andado juntos,
uma fórmula decisiva para que os carros evoluam em segurança e menos
vidas se percam no trânsito. |
Em qualquer
parte do mundo, empresas tomam medidas que implicam maior custo por
algum de dois fatores: legislação e exigência do consumidor |