Consciência pela segurança

Carros nacionais são perigosos em colisões, aponta a Latin NCap:
o que cada parte pode fazer para alterar esse grave quadro

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editor

"A segurança dos carros mais vendidos na América Latina é equivalente à dos europeus de 20 anos atrás". A afirmação é da Latin NCap, entidade que já realizou testes de colisão com 18 modelos disponíveis na região, dos quais 17 estão presentes no mercado brasileiro (a exceção é o chinês Geely CK1, aliás o de pior resultado no teste). Uma conclusão preocupante para qualquer um que exponha sua vida ao circular em um desses carros.

Informações detalhadas estão no site da entidade, mas podem ser sintetizadas aqui. O teste analisa os efeitos da colisão, em ocupantes adultos na frente e em crianças de 18 meses e de três anos de idade no banco traseiro (por meio de bonecos construídos para esse fim, os dummies), em um impacto frontal a 64 km/h contra uma barreira deformável, que simula um carro em sentido oposto. A colisão não abrange toda a frente, mas sim 40% da largura do veículo, como se o motorista tentasse desviar-se do impacto direto.

Dos 18 automóveis, apenas quatro modelos de preço superior (Cruze, Focus, Tiida e Corolla, todos com bolsas infláveis frontais) receberam quatro estrelas, em cinco possíveis, na análise de segurança para ocupante adulto. Com três estrelas aparecem Meriva, Palio (geração antiga) e Gol (nova geração) equipados com as bolsas infláveis opcionais, além do Nissan Tiida com bolsa restrita ao motorista. Duas estrelas foram atribuídas ao Peugeot 207 e ao Nissan March, também com duas bolsas, enquanto os demais carros avaliados (Celta, Classic, novo Uno, Palio, Ka, 207 e Gol), desprovidos desse item, não passaram de uma estrela. Entre os que receberam o mesmo número de estrelas há diferentes notas, caso do Gol com 5,75 e do Uno com 2,00, que aparecem ambos com uma estrela cada.

A nota para a segurança de crianças foi menor: três estrelas para Cruze, Focus e Ka; duas para Celta, Uno, Palio, 207 e Gol; e só uma estrela para Classic, Meriva, March, Tiida e Corolla (nesse quesito houve algumas diferenças em pontuação entre carros do mesmo modelo com e sem bolsas infláveis, mas não a ponto de alterar a atribuição de estrelas).

Os resultados permitem tirar algumas conclusões. A mais grave delas é que, em um cômputo geral, a maioria dos brasileiros que compra um carro novo está muito mal servida em termos de segurança, já que os modelos com melhor avaliação são vendidos acima de R$ 50 mil. A Latin NCap detectou problemas sérios na proteção a ocupantes dos carros mais vendidos, e não só pela maior exposição a ferimentos no tórax e na cabeça causada pela falta de bolsas infláveis: em diversos casos mostrou-se excessiva fragilidade da carroceria, que não resistiu de forma adequada às exigências do impacto.

O teste leva também a constatações mais específicas. Mesmo os modelos com melhor avaliação não oferecem no mercado brasileiro o mesmo nível de segurança de outros países. Como exemplo, o Corolla vendido na Europa vem com bolsas infláveis do tipo cortina, bolsas para os joelhos do motorista e fixação Isofix para cadeiras infantis no banco traseiro
itens não disponíveis em nenhuma versão por aqui.

Entre dois modelos de porte semelhante da mesma marca, seria esperado que o de projeto mais recente oferecesse maior segurança, mas se verificou o oposto entre o Palio (nota 4,89) e o novo Uno (nota 2,00), ambos sem bolsas infláveis. Redução excessiva de custos para o modelo mais barato, com reflexos sobre a proteção dos ocupantes? É possível.

Chama atenção ainda a baixa nota do March (7,62), inferior às de Palio (10,65) e Gol (10,01), todos com bolsas frontais: esperava-se melhor resultado de um carro de projeto recente — ainda mais de um que faz piada com a antiguidade de seus concorrentes na campanha publicitária... Outra decepção vem ao comparar a versão mexicana vendida aqui com seu similar do mercado europeu, o Micra, que obteve nota 12,7 na análise de impacto frontal. Como as bolsas infláveis que influem nesse tipo de colisão estão em mesmo número aqui e lá, fica a hipótese de que a construção adotada no México seja menos segura.

De quem é a culpa
Diante desse grave quadro, vem o questionamento: de quem é a responsabilidade por termos carros tão mal preparados para proteger seus ocupantes em uma colisão?

É fácil apontar os fabricantes como maiores responsáveis, já que é deles o poder de decidir como os automóveis são projetados e construídos e que equipamentos de segurança eles devem receber. Mas há dois componentes que não podem ser desprezados. Em qualquer parte do mundo, empresas tomam medidas que implicam maior custo apenas quando motivadas por algum de dois fatores: legislação e exigência do consumidor.

No que toca à legislação, a parte que cabe ao governo, o mercado brasileiro esteve até há pouco na pré-história em termos de segurança passiva. As normas de testes de impacto são ridiculamente ultrapassadas — a Kombi estar à venda é prova inconteste disso — e só em 2009 entrou em vigor a exigência gradual de aplicação de bolsas infláveis aos carros novos, com prazo de cinco anos. Apenas em janeiro de 2014 tais itens (e os freios com sistema antitravamento ABS, que respondem pela segurança ativa) serão obrigatórios para todos os carros vendidos.

Cinco anos é tempo demais, a nosso ver, para a aplicação de equipamentos tão importantes, de custo hoje moderado e cuja adoção não representa grande dificuldade para os fabricantes. Ao contrário do que alguns acreditam, até carros de projeto muito antigo como Mille, Classic e Celta/Prisma podem receber as bolsas infláveis sem maior intervenção
não as oferecem hoje porque se acredita haver demanda insuficiente para viabilidade comercial.

Nossa opinião, a propósito, é de que não se deveria obrigar ao uso de bolsas infláveis e sim exigir padrões mínimos de proteção mais elevados, que os fabricantes atenderiam como preferissem. Como analogia, não é obrigatório catalisador para os carros vendidos no Brasil, mas todos os modelos o usam desde 1997, pois sem ele não é mais possível atender aos limites de emissões poluentes que entraram em vigor naquele ano. Se fosse obrigatório, porém, surgiria a hipótese absurda de eventual carro elétrico — que nem escapamento tem — precisar sair com catalisador de fábrica.

Ao lado da questão legal, existe a da exigência do consumidor: se ele deixar de comprar porque não considera o produto adequado, a indústria terá de se movimentar e oferecer algo melhor. Contudo, nesse aspecto nada se pode fazer além de informar e conscientizar, o que é tarefa também de órgãos de imprensa.

Se o comprador aceita automóveis sem equipamentos de segurança adequados e não concorda em pagar por itens que os tornem mais seguros, é de se esperar que testes como os da Latin NCap pouco representem em sua decisão de compra. Nos países desenvolvidos, ambos os fatores — a lei e o rigor na escolha — têm andado juntos, uma fórmula decisiva para que os carros evoluam em segurança e menos vidas se percam no trânsito.

Em qualquer parte do mundo, empresas tomam medidas que implicam maior custo por algum de dois fatores: legislação e exigência do consumidor



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Data de publicação: 3/12/11

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