Estampas da personalidade

Os adesivos, grandes ou pequenos, sérios ou bem-humorados,
expõem ao mundo o que pensa o proprietário de um carro

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editor

Eles podem estar nos vidros laterais ou no para-brisa, colados às portas ou tomando uma grande área delas, aplicados até à parte dianteira, mas o mais comum é que venham mesmo na traseira — isso quando não revestem a carroceria por inteiro. São os adesivos.

Se é verdade que a escolha do automóvel conta ao mundo um pouco de nossa personalidade, essa divulgação se faz bem mais clara quando aplicamos um adesivo — ou vários deles — a nosso carro. É o caso daqueles que se referem a uma universidade, uma academia de ginástica ou uma profissão (lembra-se do "consulte sempre um advogado"?), sinais exteriores de algo importante para quem dirige aquele carro.

Aparentemente esse tipo anda em baixa, talvez pelo receio de revelar informações que possam ser usadas em um trote de falso sequestro ou coisa pior. Por outro lado, ainda se veem os de escolas de judô, caratê e lutas diversas — que acredito serem mais usados pelos não praticantes, a fim de inibir buzinadas ou provocações pelo motorista de trás...

O que certamente está em alta, todos já perceberam, é o adesivo da família feliz. Alguns o adotaram como substituto do tradicional "bebê a bordo" (ou com o nome da criança na mesma frase), espécie de explicação a quem vem atrás do motivo para o carro ser dirigido com especial cuidado, às vezes devagar demais. Outros entraram na moda com figurinhas engraçadas ou com famílias compostas também de cães e gatos.

Em outros tempos já foi comum, entre o público jovem, ocupar grande espaço no para-brisa ou no vidro traseiro — quando não em ambos — com adesivos relacionados ao universo da preparação de motores, dos sistemas de áudio e das fábricas de acessórios. De 10 anos para cá, apliques sobre os mesmos temas ganharam as portas dianteiras, em geral em fila vertical, dentro do padrão de personalização (não, não vou chamar de tuning) que a série de filmes Velozes & Furiosos  tornou conhecido mundo afora.

Outro tipo de adesivo é o composto por frases, com as mais diversas conotações, em geral bem-humoradas. Há aquelas com dicas como "se você consegue ler isso, está perto demais da minha traseira"; outras populares, do tipo "é velho, mas tá pago" e "veículo rastreado por fofoqueiros"; e ainda as que lembram a filosofia dos para-choques de caminhões, como uma que vi em alguns jipes: "Minha esposa disse, ou eu o jipe. Às vezes sinto saudades dela". Sem esquecer protestos como "visite XXX e ganhe uma multa", a ser preenchida com o nome da cidade que faz das autuações de trânsito uma importante fonte de arrecadação, e "eu tenho vergonha dos políticos corruptos de YYY", também aplicável a qualquer região do País.

Não deixe o amigo
Algumas frases surgiram como campanhas muito válidas, como "friends don't let friends drive drunk" (amigos não deixam amigos dirigirem bêbados), lançada em 1990 nos Estados Unidos como parte de um esforço para reduzir os acidentes por bebida ao volante. Claro que não demorou até o bom humor tomar conta e criar versões alternativas: enquanto os adeptos de Ford aplicaram o adesivo "friends don't let friends drive Chevy", os fãs de Chevrolet colaram o oposto, "friends don't let friends drive Ford".

Adesivos também podem ser aplicados sem que o motorista deseje, como os que indicam sua conformidade com a lei. Nos anos 90 houve o selo-pedágio, que todo carro deveria exibir no para-brisa para poder circular em rodovias com cobrança dessa tarifa. Como era válido por um mês, havia quem rodasse diariamente e quem as usasse só uma vez no período, mas o preço era o mesmo. Uma forma nada justa de cobrar por um direito, que felizmente foi abolida.

Na mesma década surgiu o selo de licenciamento, mais uma maneira de informar à fiscalização se o carro estava com a documentação em dia — nos anos 80, o mesmo papel cabia a uma plaqueta presa à placa traseira. O selo durou menos de dois anos, mas hoje há outro em seu lugar: o que indica a aprovação do veículo na inspeção municipal de emissões poluentes, feita em cidades como São Paulo. Ainda no para-brisa, os selos colados pelo fabricante na aprovação final são verdadeiros fetiches para alguns amantes de carros antigos.

Na Europa, por muito tempo foi comum a aplicação à traseira de adesivos ovais com a sigla do país de origem do carro quando ele circulasse em território estrangeiro, já que a placa de licença nem sempre esclarecia sua procedência. A exigência caiu com a Comunidade Europeia, mas o oval ainda é aplicado em viagens além de suas fronteiras
— ou como elemento decorativo, até mesmo no Brasil.

Sem dizeres — no máximo com o nome do carro ou da versão — são os adesivos em forma de faixas, muitas vezes aplicados de fábrica. Se nos anos 70 as seções pintadas de preto fosco identificavam os carros esportivos (alguns indignos do termo, com modestos motores na faixa de 1,4 litro), na década seguinte essa decoração passou a ser colada e ganhou novos padrões, como as estrias nas laterais do Uno 1.5R ou o degradê do Chevette S/R. Os anos 90 encarregaram-se de tirar a moda de circulação, substituída pela pintura de cada vez mais partes na cor da carroceria, mas ela dá sinais de voltar, como no Ka Sport e em várias versões "aventureiras".

E há os cada vez mais frequentes adesivos que abrangem toda a carroceria, o conhecido envelopamento. A solução começou em veículos comerciais e chegou aos personalizados, em geral com o tom preto fosco. Não sei se já se faz esse trabalho com cores brilhantes que pareçam a pintura original, mas seria uma ótima opção para quem não suporta mais carros pretos e prata: você poderia comprar um deles, envelopá-lo na cor desejada e ainda remover o adesivo para usufruir a tão propalada facilidade de revenda daquelas duas cores... O inconveniente é que cada mudança de tom requer alteração no certificado do carro.

Depois de anos indicando o que o motorista faz da vida, que marcas aprecia ou de que forma encara os fatos do cotidiano, é comum que os adesivos sejam todos removidos na hora da despedida, quando o carro é vendido ou colocado à venda. Para muitos, esse é o momento de trocar a personalização por um adesivo impessoal, mas que comunica um importante fato a quem o vê: o de "vende-se" com o telefone do proprietário. Depois, tudo começa de novo.

"Amigos não deixam amigos dirigirem bêbados" foi parte de um esforço para reduzir os acidentes, mas não demorou até o bom humor tomar conta

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Data de publicação: 27/8/11

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