Meu amigo Paulo, dono de um Ford Fusion, veio perguntar dias atrás
se eu sabia por que o carro tem o bocal do tanque de combustível no
lado esquerdo — e não no direito, como nos outros automóveis que ele
teve. "Até eu me acostumar, parava para abastecer com o bocal muito
longe da bomba", ele comentou. E qual foi minha resposta? "Porque há
um Mazda por baixo do seu carro. Explico melhor no próximo
editorial". Então, vamos à explicação — para o leitor e para o
Paulo, que deve estar até agora procurando o carro japonês escondido
sob seu mexicano.
A posição da tubulação e do bocal do tanque, assim como vários
outros elementos do veículo, é escolhida no projeto tendo em vista
os países em que ele será mais utilizado. No caso do Fusion, que
deriva da plataforma do Mazda 6, o Japão foi o mercado que norteou a
decisão. Como lá se dirige pelo lado esquerdo da via, com o volante
à direita, o acesso ao tanque fica mais prático se o bocal também
estiver à esquerda, pois basta encostar no posto, sem se precisar
atravessar a fila de bombas ou esticar sua mangueira até o outro
lado — assim como é mais conveniente para nós quando fica à direita.
A mesma posição é usada pela maioria dos carros de origem japonesa,
incluindo os nacionais de Honda e Toyota, e sul-coreana, embora na
Coreia o tráfego seja pela direita como aqui. Tudo indica que
Hyundai e Kia, entre outras, optaram por manter o padrão usado em
seus primeiros carros que tinham mecânica cedida por fabricantes
nipônicos. O tanque à esquerda está também nos projetos que
consideraram o Reino Unido como mercado prioritário, o que inclui o
Ford Ka de primeira geração (e o atual brasileiro) e todos os
Fiestas, desde 1976. Já o Focus escapou ao "padrão inglês" e o mesmo
vale para o novo Ka europeu, por ter a plataforma comum ao Fiat 500.
Curiosamente, a regra do bocal não vale para modelos Nissan como
Tiida, Sentra e Livina. A explicação pode estar na importância de
mercados ocidentais como o norte-americano para a marca, no caso dos
dois primeiros, ou no compartilhamento cada vez maior de componentes
e plataformas com a sócia Renault. E, embora a Austrália siga a "mão
inglesa", o Omega que vem de lá também tem o bocal à direita,
herança dos tempos em que sua arquitetura era baseada na de modelos
da Opel alemã. No concorrente direto, o Ford Falcon, o abastecimento
é pela esquerda.
O padrão de direção afeta outros elementos, como a saída de
escapamento: por intuição, deve estar do lado oposto ao dos
pedestres (para não lhes jogar fumaça) e da calçada, para não se
danificar nas manobras de estacionamento. Portanto, o lado "certo" é
o esquerdo para nós, mas o direito para japoneses, ingleses e
australianos. Só que a regra é um tanto flexível e já houve caso de
escapamento saindo abaixo do próprio acesso do tanque, na esquerda,
o da Chevrolet Caravan — um derramamento de combustível por ali, com
o terminal quente, podia ter consequências bastante sérias.
No caso de utilitários esporte, se a porta do compartimento de
bagagem se abre para o lado, o vão livre deve estar voltado à
calçada para que não seja preciso passar atrás da tampa quando
aberta. Está certo para nós no Ford EcoSport, mas não em modelos de
origem japonesa como Mitsubishi Pajero TR4 e Suzuki Grand Vitara
(antigo e atual), que mantêm as portas projetadas para a circulação
nipônica.
Detalhes do carro também podem indicar que o projeto considerou o
padrão inglês de direção. Para abrir algumas versões de Ka, Fiesta e
Escort, gira-se a chave na fechadura para o sentido horário, o
oposto da maioria dos modelos ocidentais. Culpa dos britânicos, pois
essa peça foi projetada para a porta do motorista de lá — a direita,
não a esquerda. Já houve caso (Mitsubishi Pajero iO) de existir
espelho no para-sol do motorista e não no do passageiro, o contrário
do usual quando não há em ambos: claro, no Japão se dirige no banco
da direita.
No Omega australiano da geração anterior havia mais pistas: botão de
ligar o rádio e alavanca do freio de estacionamento vinham no lado
direito, mais perto do motorista no país de origem do modelo, e as
carcaças dos retrovisores ficavam "erradas" com a regulagem usada
aqui, deixando os espelhos um pouco para fora. Como o condutor os
ajusta para si, em nosso caso o espelho direito fica mais inclinado
para dentro que o esquerdo, mas as carcaças previam o oposto. |
|
No volante ou na alavanca
Mas nem todas as peculiaridades originam-se do sentido de
circulação: há outras que derivam de preferências e legislações
locais. É o caso do comando de buzina na ponta da alavanca das luzes
de direção, um hábito francês que por aqui equipou Peugeots,
Citroëns e Renaults por algum tempo — no caso do Renault Laguna de
primeira geração havia tal botão e o repetidor no volante, uma ótima
forma de atender a gregos e troianos.
O esquema francês esteve na segunda geração do Ford Corcel, talvez
por influência da Renault, que participou do projeto do modelo
anterior nos anos 60. Além desses, o
Celta usou a mesma posição até 2006, mas apenas por medida de
economia de fios e acionadores, já que nada há de francês em suas
origens. Também típicos da França são os velocímetros com grafia das
dezenas ímpares (30, 50, 70), que representam os limites de
velocidade usuais por lá.
No caso dos Fiats, há heranças da produção italiana, como as luzes
externas que se apagam ao desligar a ignição, mas com uma forma de
religá-las (por muito tempo foi um botão no miolo de partida; hoje
há uma tecla em alguns modelos), e a luz de aviso de baixo nível de
combustível. No passado, era comum na Itália o volante mais distante
do motorista que o usual, pelo biótipo de braços compridos frequente
por lá, mas essa característica se perdeu com a globalização.
Típicas de modelos alemães são as luzes de estacionamento separadas,
esquerdas e direitas, para sinalizar apenas o lado exposto de um
carro parado junto à guia e poupar energia. O mais comum é haver
comando para elas, mas no Omega nacional bastava desligar a ignição
com a luz de direção acionada para o lado desejado — é por isso que
às vezes se via o modelo "caolho", deixado assim sem o motorista
perceber.
Se o carro vem dos Estados Unidos ou é produzido (no Canadá ou no
México, por exemplo) para atender àquele mercado, há grande chance
de carregar outras peculiaridades regionais. Lá se usam luzes de
direção traseiras vermelhas, que nem todo fabricante altera para
âmbar ao importar o modelo, como deveria. Na frente, os faróis têm
facho simétrico, o que traz menor eficiência que o padrão
assimétrico usado aqui, e as luzes
de posição são em âmbar, em geral conjugadas às de direção. Por
outro lado, raramente se veem no país repetidores laterais das luzes
de direção, obrigatórios na Europa.
Há mais: nos EUA o retrovisor esquerdo é sempre plano, sem a
vantagem do campo visual do convexo,
e em muitos casos não há trava no bocal do tanque de combustível —
como no Fiesta e no Fusion vendidos aqui. Como as placas de licença
norte-americanas são curtas e altas, o espaço para elas pode não
servir para as usadas em outras nações (leia
editorial a respeito). E por lá é usual a sineta de aviso para
chave no contato com porta aberta; por outro lado, carros
norte-americanos podem ser travados por dentro nessa condição.
O clima é outro fator que define particularidades. Tetos fixos com
grande área envidraçada são apreciados na Europa, pelo sol muitas
vezes escasso, mas não bem aceitos nos EUA ou na quente Austrália.
Da mesma forma, tetos solares são bem mais comuns no Velho
Continente, enquanto a faixa degradê no para-brisa, usual nos EUA e
mesmo aqui, fica de fora de muitos modelos europeus.
Por fim, a buzina: nos carros de origem japonesa, de um Honda Fit a
um Toyota Camry, usa-se o padrão monotonal agudo, o famoso "bibi",
enquanto no Ocidente estão consagradas a buzina mais grave
("fonfom") e a dupla, que combina ambas para um som agradável. É por
isso que, quando um Honda ou Toyota buzina em sua rua, você pensa
ter chegado o motoboy com a pizza tão esperada... Pelo menos disso
meu amigo Paulo escapou! |
O comando de
buzina na ponta da alavanca das luzes de direção, um hábito francês,
por aqui equipou Peugeots, Citroëns e Renaults por algum tempo |