Aceleração indesejada

Um problema que já afetou várias marcas — aceleradores que atuam
quando não deveriam — coloca a Toyota diante de uma grave situação

por Fabrício Samahá

Na última semana a Toyota tomou conta dos noticiários mundo afora por um grave problema. Um defeito de fabricação no mecanismo do pedal acelerador, em modelos fabricados por ela nos Estados Unidos, pode levar o pedal a prender em posição aberta e a causar aceleração indesejada do motor, com óbvios riscos à segurança. A convocação (recall) para corrigir o defeito atinge volumosos 2,3 milhões de veículos de oito linhas de modelos e, enquanto não havia um mecanismo confiável para equipar os novos carros, a empresa anunciou na terça-feira (26) que interrompia a fabricação e a venda dos modelos — uma exigência da NHTSA, sigla para administração nacional de segurança no tráfego em rodovias.

Estão na campanha os automóveis Corolla, Camry, Avalon e Matrix; os utilitários esporte RAV4, Highlander e Sequoia e o picape Tundra, além do Pontiac Vibe, um clone do Matrix que era vendido pela condenada divisão da General Motors. O fabricante do mecanismo — a CTS Corp., que equipa apenas os Toyotas produzidos por lá, desvinculando os carros vendidos no Brasil — desenvolveu um sistema substituto para evitar o problema. Contudo, trocar o acelerador de 2,3 milhões de automóveis e utilitários não é algo que se possa fazer com rapidez. Tanto a capacidade de produção do novo mecanismo quanto a de trabalho da assistência técnica da marca passarão por uma dura prova até que a questão esteja solucionada.

Curiosamente, problema semelhante de aceleração involuntária foi alvo de outra convocação pela mesma marca no fim do ano passado. Por um erro de projeto do formato do acelerador, combinado ao uso de sobretapetes por muitos proprietários, o pedal podia travar em determinado ponto ao ser impedido pelo sobretapete de retornar à posição de descanso. A Toyota anunciou uma mudança na forma do acelerador e a aplicação de novos sobretapetes aos carros que tivessem o acessório original da marca — quem usasse o item de outra procedência contaria apenas com a mudança do pedal.

Participam dessa convocação ainda mais expressivos 3,8 milhões de veículos — o maior total já chamado pela empresa no mercado norte-americano — dos modelos Toyota Camry, Avalon, Prius (automóveis), Tacoma e Tundra (picapes) e Lexus IS 250, IS 350 e ES 350. Desse total, 1,7 milhão de carros estão envolvidos em ambas as campanhas. Mais tarde a empresa anunciou que, até o fim deste ano, será instalado um sistema de segurança que impede a aceleração quando os pedais acelerador e de freio forem pressionados juntos.

Por melhor que a Toyota possa conduzir a questão, sempre haverá dano à imagem de confiabilidade da marca. Uma ação judicial coletiva impetrada contra o fabricante nos EUA, em novembro, alega que a empresa tinha conhecimento do problema já havia quatro anos e que recebera 2.000 reclamações. Segundo os proponentes da ação, problemas de aceleração involuntária com carros do grupo teriam causado 16 mortes e ferimentos em 243 pessoas.

A questão faz lembrar a crise pela qual a Audi passou na década de 1980, também nos EUA, por causa de acidentes com o modelo 5000 (nome local do 100 vendido na Europa). Mais de 1.000 proprietários reclamaram à época que seus carros haviam acelerado por conta própria, em geral durante a operação da alavanca da caixa automática, como ao passar de P (estacionamento) para R (ré) ou D (direção). De início — segundo o site www.safetyresearch.net —, o fabricante negou que houvesse problemas no carro e culpou os motoristas por suposta inexperiência; eles teriam apertado o acelerador quando desejavam acionar o freio.

A declaração resultou em muitos protestos, testes pela imprensa e grande declínio de vendas. O fato é que de 1982 a 1987 a Audi lançou nos EUA cinco convocações a respeito, sendo três para alterar a posição dos pedais que, segundo ela, poderia ter levado à confusão na operação. A quarta referia-se ao controle da marcha-lenta do motor do 5000, que poderia acelerar o motor indevidamente. O último recall, que envolveu 250 mil carros fabricados de 1978 a 1987, instalou um bloqueio que exigia pisar no freio para tirar a alavanca da posição P, como hoje é comum. Embora a quinta campanha tenha eliminado o problema ao impor aos usuários uma medida preventiva de segurança, percebe-se que a quarta implica admissão de um defeito técnico que pode ter levado aos acidentes ou a parte deles.

E a Audi não esteve sozinha desde então. Por diversas causas, como problemas no cabo do acelerador, no sensor de posição do pedal ou no controlador automático de velocidade, diversas marcas convocaram clientes nos EUA nas últimas décadas para eliminar o risco de aceleração involuntária, como Chrysler, Ford e Nissan.

Fabrício Samahá, editor

Exagero?
Toda essa questão em torno de carros que aceleram por conta própria, ou não deixam de acelerar quando o motorista assim deseja, pode parecer exagerada. Ocorre que todo carro tem muito maior potência de frenagem que de aceleração. Por exemplo, um modelo médio que acelere de 0 a 100 km/h em 12 segundos certamente pode, com aplicação total dos freios e em boas condições de piso, dissipar velocidade de 100 km/h até a parada em três ou quatro segundos.

Por outro lado, há fatores que agravam a situação. Com o acelerador acionado, sobretudo a plena carga, deixa de existir o vácuo no coletor de admissão necessário para alimentar o servo-freio, a assistência que multiplica o esforço aplicado pelo motorista ao pedal. Sem ela, a frenagem requer bem mais força, algo a que não estamos mais habituados desde que o servo-freio se tornou um padrão, 15 ou 20 anos atrás. Há também modelos, como alguns Toyotas e Lexus da convocação, em que a partida e a parada do motor são comandadas por botão e não pela chave tradicional. Embora esses sistemas permitam desligar o motor mesmo sob aceleração, em geral é preciso apertar o botão por três segundos — e nem todo motorista sabe disso, já que a mania de não ler o manual não é exclusividade brasileira. Um aperto rápido não desliga o motor (pois poderia fazê-lo de forma involuntária, como em um esbarrão ao buscar outro comando no painel ou no console) e ainda tende a deixar mais nervoso o motorista pela sensação de descontrole.

Por isso, fica a receita para quem eventualmente se veja nessa improvável, mas complicada situação: 1) acione o pedal de freio com a força necessária para reter o veículo dentro das condições normais, mesmo que essa força seja muito maior do que se costuma aplicar; 2) passe o câmbio manual ou automático para o ponto-morto, sem se preocupar com o aumento de rotações; o motor não é danificado por isso nem supera o limite estabelecido pelo fabricante nos carros com injeção, já que existe limitador; 3) em baixa velocidade ou ao parar, desligue o motor; se ainda estiver em movimento, mantenha a chave no miolo para não acionar a trava de direção.

Durante esses passos, é válido puxar o acelerador com a parte de cima do pé para tentar destravá-lo, mas isso não terá efeito se o problema for de ordem eletrônica. Observe que com motor desligado cessa a assistência (elétrica, hidráulica ou eletroidráulica) de direção, que se torna bem mais pesada, e não demora a se esgotar a câmara do servo-freio, quando então o pedal fica mais duro. Por isso a recomendação de só desligá-lo em baixa velocidade ou mesmo com o carro parado: é preferível mantê-lo no limite de rotação por mais alguns segundos a perder o controle numa curva porque a direção ficou pesada demais. E, com a tendência a mais modelos usarem botões de partida e parada do motor, o motorista precisa saber como proceder caso precise desligá-lo em uma emergência.

A Toyota não foi a primeira e, infelizmente, não deverá ser a última a enfrentar problemas com a aceleração involuntária. Enquanto não se pode ficar a salvo desse risco, o importante é conhecer o carro que se dirige e ter aqueles três passos em mente para evitar que um pequeno incidente se torne algo mais sério.


P.S.: Na manhã desta sexta-feira, 29, a Honda anunciou convocação mundial por causa de controle elétrico dos vidros dos modelos Fit e City, que podem entrar em curto-circuito após ser atingidos por água e causar incêndios. Até o fechamento da edição, a empresa ainda não informou se o mercado brasileiro participa da campanha.

Todo carro tem muito maior potência de frenagem que de aceleração. Se acelera de 0 a 100 km/h em 12 segundos, certamente pode dissipar velocidade de 100 km/h até a parada em três ou quatro segundos.

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Data de publicação: 30/1/10

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