Pneu também tem limite

O exagero nas medidas — largura e perfil — notado em vários
carros aponta uma vitória do marketing sobre a engenharia

por Fabrício Samahá

Assinale a alternativa correta: a) o Brasil está entre os países com melhor qualidade de piso nas ruas e estradas; b) o Brasil está entre os países com maior velocidade média nas rodovias; c) o Brasil está entre os países com proprietários de automóveis de maior poder aquisitivo; e d) nenhuma das anteriores.

É claro que você, se mora no mesmo país que eu, sabe qual a alternativa a assinalar. No entanto, uma incoerência tem chamado a atenção nos últimos anos: em um país com baixa qualidade de piso, velocidade média em rodovias moderada — e, em algumas regiões, severamente fiscalizada — e compradores de carros nem sempre com grande reserva financeira, são vendidos cada vez mais modelos com pneus mais largos e de perfil mais baixo do que seria ideal, ou em comparação a modelos similares de mercados desenvolvidos do exterior. Faz sentido?

Para quem ainda não explorou nossos artigos a respeito no Consultório Técnico, vale uma breve explanação. Pneus mais largos aumentam a área de contato com o solo, o que tende a aumentar a capacidade de fazer curvas e a aderência em frenagens, mas traz efeitos negativos como maior transmissão de impactos em piso de má qualidade, maior peso de direção, leve piora no consumo de combustível e — por último, mas não menos importante — mais facilidade de ocorrência de aquaplanagem. Ainda, como a relação entre a largura do pneu e a da roda (chamada de tala) deve seguir uma tolerância, pode ser necessária uma roda mais larga e portanto mais pesada, com reflexo na massa não suspensa.

No caso do perfil (a altura dos flancos, as laterais do pneu, descontada a roda), quando mais baixo há melhora em precisão de direção e tendência a aumento de estabilidade em curva, ao custo de perda em conforto (irregularidades são mais transmitidas à suspensão) e maior vulnerabilidade a danos nos pneus e nas rodas em impactos, como em buracos. Com uma roda maior para compensar o menor perfil, cresce também o peso do conjunto. De resto — como regra à qual pode haver exceções —, o preço do pneu sobe seja aumentando a largura, seja rebaixando o perfil. Para ficar num exemplo, um Pirelli P7 na medida 195/65 R 15 custa hoje cerca de R$ 360, preço que vai a R$ 750 para um 215/45 R 17. Mais que o dobro, e com pneus de mesma tecnologia.

A medida ideal dos pneus tem relação direta com as características técnicas do automóvel. Um carro mais pesado requer pneus mais largos, sem o que a aderência em curvas e frenagens será menor que num automóvel mais leve. Aumento de potência e torque também justifica maior largura, para que sejam transmitidos ao solo sem perda de tração. Neste aspecto, carros de tração traseira ou integral podem usar medidas mais estreitas que os de tração dianteira e mesma potência.

Quanto ao perfil mais baixo, pode ser adotado com o fim de melhor comportamento dinâmico, mas há também o fator do tamanho dos freios: se eles crescem (e precisam crescer para lidar com o maior peso dos carros de hoje), são necessárias rodas maiores; para evitar que o pneu como um todo aumente de diâmetro, recorre-se ao perfil mais baixo. Isso porque o diâmetro total do pneu é uma especificação essencial de todo projeto, um dos primeiros parâmetros ao se desenvolver o automóvel.

Fabrício Samahá, editor

Os excessos
Acredito que ficou fácil, agora, entender que um país como o nosso justifica, mais ainda que outros mercados, haver moderação na largura e na redução do perfil dos pneus. No entanto, o que se tem visto é o contrário. Certamente motivados pela busca de aparência esportiva por parte dos compradores, alguns fabricantes têm exagerado na medida dos pneus.

Exemplos? Um modesto Fox de 1,0 litro, que se move sem entusiasmo com o motor de 76 cv e pesa 963 kg, vem de série com pneus 195/55 R 15 — mesma largura dos que equipavam o Omega nacional de 4,1 litros e o Marea Turbo de 182 cv, carros bem mais pesados e com mais que o dobro da potência do Fox. No Stilo Sporting de 1,8 litro e 114 cv, a medida 215/50 R 17 supera a 205/50 R 17 que a Chrysler usava na versão Turbo do PT Cruiser, carro com 100 cv a mais e quase 300 kg mais pesado. Há excesso também no caso do Vectra Elite e do hatch GTX, com pneus 215/45 R 17 para motor de 140 cv, além da questão da perda de conforto com o perfil muito baixo.

Se a questão passa aos carros "aventureiros", pior ainda. A Fiat bem que foi moderada com a Palio Adventure durante anos, ao usar a medida 175/80 R 14, que desempenhava melhor que o esperado. Então veio a concorrência com excessos como os 205/60 R 15 do CrossFox e os 205/65 R 15 do EcoSport, desnecessários do ponto de vista técnico, mas desejados por seu público para combinar com o aspecto "pronto para subir paredes". A fábrica de Betim acabou cedendo e adotou enormes pneus 205/70 R 15 nas versões Adventure da Idea e da nova Weekend.

A incoerência é ainda maior quando se compara um carro vendido aqui e seu similar de outro mercado. O Vectra sedã nacional foi lançado com rodas de 17 pol na versão de topo, o que não existia no Astra sedã feito na Polônia, o mesmo carro em termos de projeto. Meses mais tarde, ao trazer ao Brasil o Fusion, a Ford optou pela mesma medida de rodas para a versão de 2,3 litros, que nos Estados Unidos usava as de 16 pol com pneus de perfil mais alto — e não me parece que o piso norte-americano seja, em média, pior que o nosso. No caso do Fox, o carro brasileiro exportado para a Europa tem motor a gasolina de 75 cv e pneus 165/70 R 14 ou 185/60 R 14. Já o 195/55 R 15, padrão por aqui, equipa apenas a versão Sport por lá. Será que as ruas europeias têm mais irregulares que as brasileiras?

Há também casos em que se erra no sentido oposto, com pneus de menos. A General Motors insiste na redução de custos ao manter a Meriva em versões inferiores com a medida 175/70 R 14, o que é pouco para um carro pesado, de mais de 1.200 kg. A Citroën foi moderada até demais com o C4 VTR importado, um hatch com apelo esportivo e 143 cv que usa pneus 195/65 R 15. Deveriam ter maior largura e perfil mais baixo pela proposta da versão, como nos 205/55 R 16 disponíveis — curiosamente — para o C4 de cinco portas com motor menos potente, o 1,6 de 113 cv.

Toda esta análise baseia-se em parâmetros objetivos, deixando de lado o aspecto visual, em que certamente pneus mais largos e de perfil mais baixo contribuem. Infelizmente, a tendência de seu uso em carros que não precisam deles é uma vitória dos departamentos de marketing sobre os de engenharia, o que vai na contramão do bom-senso. Seja pelo desconforto ao rodar, pelo risco de aquaplanagem ou pelo — nem sempre discreto — aumento de custo de reposição, um pneu em medida exagerada traz mais desvantagens ao consumidor do que benefícios. Uma escolha mais racional pelos fabricantes seria interessante para todos.

Um modesto Fox de 1,0 litro vem de série com pneus 195/55 R 15 — mesma largura dos que equipavam o Omega de 4,1 litros e o Marea Turbo, com mais que o dobro da potência.

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Data de publicação: 12/9/09

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