Assinale a alternativa correta: a) o Brasil está entre os países com
melhor qualidade de piso nas ruas e estradas; b) o Brasil está entre
os países com maior velocidade média nas rodovias; c) o Brasil está
entre os países com proprietários de automóveis de maior poder
aquisitivo; e d) nenhuma das anteriores.
É claro que você, se mora no mesmo país que eu, sabe qual a
alternativa a assinalar. No entanto, uma incoerência tem chamado a
atenção nos últimos anos: em um país com baixa qualidade de piso,
velocidade média em rodovias moderada — e, em algumas regiões,
severamente fiscalizada — e compradores de carros nem sempre com
grande reserva financeira, são vendidos cada vez mais modelos com
pneus mais largos e de perfil mais baixo do que seria ideal, ou em
comparação a modelos similares de mercados desenvolvidos do
exterior. Faz sentido?
Para quem ainda não explorou nossos artigos a respeito no
Consultório Técnico, vale uma breve
explanação. Pneus mais largos aumentam a área de contato com o solo,
o que tende a aumentar a capacidade de fazer curvas e a aderência em
frenagens, mas traz efeitos negativos como maior transmissão de
impactos em piso de má qualidade, maior peso de direção, leve piora
no consumo de combustível e — por último, mas não menos importante —
mais facilidade de ocorrência de
aquaplanagem. Ainda, como a relação entre a largura do pneu e a
da roda (chamada de tala) deve seguir uma tolerância, pode ser
necessária uma roda mais larga e portanto mais pesada, com reflexo
na massa não suspensa.
No caso do perfil (a altura dos flancos, as laterais do pneu,
descontada a roda), quando mais baixo há melhora em precisão de
direção e tendência a aumento de estabilidade em curva, ao custo de
perda em conforto (irregularidades são mais transmitidas à
suspensão) e maior vulnerabilidade a danos nos pneus e nas rodas em
impactos, como em buracos. Com uma roda maior para compensar o menor
perfil, cresce também o peso do conjunto. De resto — como regra à
qual pode haver exceções —, o preço do pneu sobe seja aumentando a
largura, seja rebaixando o perfil. Para ficar num exemplo, um
Pirelli P7 na medida 195/65 R 15 custa hoje cerca de R$ 360, preço
que vai a R$ 750 para um 215/45 R 17. Mais que o dobro, e com pneus
de mesma tecnologia.
A medida ideal dos pneus tem relação direta com as características
técnicas do automóvel. Um carro mais pesado requer pneus mais
largos, sem o que a aderência em curvas e frenagens será menor que
num automóvel mais leve. Aumento de potência e torque também
justifica maior largura, para que sejam transmitidos ao solo sem
perda de tração. Neste aspecto, carros de tração traseira ou
integral podem usar medidas mais estreitas que os de tração
dianteira e mesma potência.
Quanto ao perfil mais baixo, pode ser adotado com o fim de melhor
comportamento dinâmico, mas há também o fator do tamanho dos freios:
se eles crescem (e precisam crescer para lidar com o maior peso dos
carros de hoje), são necessárias rodas maiores; para evitar que o
pneu como um todo aumente de diâmetro, recorre-se ao perfil mais
baixo. Isso porque o diâmetro total do pneu é uma especificação
essencial de todo projeto, um dos primeiros parâmetros ao se
desenvolver o automóvel. |
![Fabrício Samahá, editor](../carros/outros2/fabricio-5m.jpg) |
Os excessos
Acredito que ficou fácil, agora, entender que um país como o
nosso justifica, mais ainda que outros mercados, haver moderação na
largura e na redução do perfil dos pneus. No entanto, o que se tem
visto é o contrário. Certamente motivados pela busca de aparência
esportiva por parte dos compradores, alguns fabricantes têm
exagerado na medida dos pneus.
Exemplos? Um modesto Fox de 1,0 litro, que se move sem entusiasmo
com o motor de 76 cv e pesa 963 kg, vem de série com pneus 195/55 R
15 — mesma largura dos que equipavam o Omega nacional de 4,1 litros
e o Marea Turbo de 182 cv, carros bem mais pesados e com mais que o
dobro da potência do Fox. No Stilo Sporting de 1,8 litro e 114 cv, a
medida 215/50 R 17 supera a 205/50 R 17 que a Chrysler usava na
versão Turbo do PT Cruiser, carro com 100 cv a mais e quase 300 kg
mais pesado. Há excesso também no caso do Vectra Elite e do hatch
GTX, com pneus 215/45 R 17 para motor de 140 cv, além da questão da
perda de conforto com o perfil muito baixo.
Se a questão passa aos carros "aventureiros", pior ainda. A Fiat bem
que foi moderada com a Palio Adventure durante anos, ao usar a
medida 175/80 R 14, que desempenhava melhor que o esperado. Então
veio a concorrência com excessos como os 205/60 R 15 do CrossFox e
os 205/65 R 15 do EcoSport, desnecessários do ponto de vista
técnico, mas desejados por seu público para combinar com o aspecto
"pronto para subir paredes". A fábrica de Betim acabou cedendo e
adotou enormes pneus 205/70 R 15 nas versões Adventure da Idea e da
nova Weekend.
A incoerência é ainda maior quando se compara um carro vendido aqui
e seu similar de outro mercado. O Vectra sedã nacional foi lançado
com rodas de 17 pol na versão de topo, o que não existia no Astra
sedã feito na Polônia, o mesmo carro em termos de projeto. Meses
mais tarde, ao trazer ao Brasil o Fusion, a Ford optou pela mesma
medida de rodas para a versão de 2,3 litros, que nos Estados Unidos
usava as de 16 pol com pneus de perfil mais alto — e não me parece
que o piso norte-americano seja, em média, pior que o nosso. No caso
do Fox, o carro brasileiro exportado para a Europa tem motor a
gasolina de 75 cv e pneus 165/70 R 14 ou 185/60 R 14. Já o 195/55 R
15, padrão por aqui, equipa apenas a versão Sport por lá. Será que
as ruas europeias têm mais irregulares que as brasileiras?
Há também casos em que se erra no sentido oposto, com pneus de
menos. A General Motors insiste na redução de custos ao manter a
Meriva em versões inferiores com a medida 175/70 R 14, o que é pouco
para um carro pesado, de mais de 1.200 kg. A Citroën foi moderada
até demais com o C4 VTR importado, um hatch com apelo esportivo e
143 cv que usa pneus 195/65 R 15. Deveriam ter maior largura e
perfil mais baixo pela proposta da versão, como nos 205/55 R 16
disponíveis — curiosamente — para o C4 de cinco portas com motor
menos potente, o 1,6 de 113 cv.
Toda esta análise baseia-se em parâmetros objetivos, deixando de
lado o aspecto visual, em que certamente pneus mais largos e de
perfil mais baixo contribuem. Infelizmente, a tendência de seu uso
em carros que não precisam deles é uma vitória dos departamentos de
marketing sobre os de engenharia, o que vai na contramão do
bom-senso. Seja pelo desconforto ao rodar, pelo risco de
aquaplanagem ou pelo — nem sempre discreto — aumento de custo de
reposição, um pneu em medida exagerada traz mais desvantagens ao
consumidor do que benefícios. Uma escolha mais racional pelos
fabricantes seria interessante para todos. |
Um modesto Fox
de 1,0 litro vem de série com pneus 195/55 R 15 — mesma largura dos
que equipavam o Omega de 4,1 litros e o Marea Turbo, com mais que o
dobro da potência. |