Quando a Volkswagen revelou a sexta geração do Golf na Europa, esta
semana, a primeira impressão foi clara: a empresa de Wolfsburg
evoluiu o tema de sempre, ao desenhar um carro que lembra sob muitos
aspectos os anteriores, sobretudo as três últimas gerações (de 1991,
1997 e 2003). Não resta dúvida de que essa foi mais uma vez — assim
como em nosso novo Gol — a intenção do fabricante germânico, ciente
da importância de um fator nem sempre considerado: a identidade
visual da marca.
Os alemães são talvez os mais zelosos com esse aspecto em seus
automóveis. Casos típicos são BMW, Mercedes-Benz e Porsche. A
primeira, apesar da polêmica ousadia do estilista Chris Bangle — que
redesenhou toda sua linha nesta década e causou alvoroço com boa
parte dela —, conserva intocados elementos de estilo como a grade
"duplo rim", os faróis duplos e a famosa "Hofmeister kink". Trata-se
da peculiar "quebra" na base posterior das janelas laterais
traseiras, assim chamada por ter sido concebida por Wilhelm
Hofmeister, seu chefe de estilo entre 1955 e 1970. Desde o 1500
"Nova Classe" de 1961, não me lembro de um sedã ou cupê BMW sem o
charmoso detalhe, já imitado por várias outras marcas.
Quanto à Mercedes, a volumosa e imponente grade dianteira fala por
si, mas há outros elementos duradouros, como os desenhos de faróis
adotados de tempos em tempos, que se estendem a quase toda a gama de
modo estilizado, e a forma estriada das lanternas traseiras usada
até algum tempo atrás. O fato é que, como a arqui-rival de Munique,
essa empresa de Stuttgart desenha carros que não seriam confundidos
com os de outros fabricantes até sem logotipos.
O mesmo pode ser dito da Porsche, que chegou a incomodar muita gente
— este editor incluído — ao transplantar para o utilitário esporte
Cayenne o padrão de estilo do 911, em 2002, e ao criar frentes quase
idênticas para este carro esporte e o Boxster, em 1996 e 1997.
Parece ter havido excesso em manter a identidade da marca, mas a
empresa deve ter gostado do resultado: o sedã Panamera, a ser
lançado em 2009, terá praticamente o aspecto de um 911 alongado e de
quatro portas, caso se confirmem as projeções veiculadas na imprensa
européia. |
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Em busca de um padrão
Os japoneses demoraram a encontrar um padrão, mas vários casos
mostram que enfim o conseguiram. As identidades da Toyota, da Honda
e da Nissan, por exemplo, estão claras em seus modelos — às vezes
claras demais, como entre o novo Corolla e o Camry, que chegariam a
ser confundidos se não fosse a diferença de dimensões. Na Honda, o
Civic atual guarda semelhança com as gerações da década passada, mas
o novo Accord perdeu essa ligação. Ficou parecido com os carros de
marcas coreanas, que ainda não estabeleceram um estilo próprio e
vivem pulando de galho em galho, atrás das tendências de outros
fabricantes.
Entre os italianos, há casos diferentes. Ferrari, Lamborghini e até
Alfa Romeo têm sido primorosas em respeitar suas tradições, de modo
que os modelos de hoje remetem aos do passado mesmo quando não se
enquadram na onda retrô. É o mesmo que acontece na Suécia com Volvo
e Saab.
Já a Fiat... Basta analisar a linhagem de hatches médios — Tipo,
Brava/Bravo, Stilo e o atual Bravo — para perceber que ainda não se
encontrou: cada geração traz um completo rompimento do que havia na
anterior. E, como tendências de estilo são de certo modo cíclicas (leia
editorial), nota-se no novo Bravo muito da dupla Brava/Bravo de
1995, enquanto o Stilo que surgiu entre eles chega a parecer uma
atualização dos traços do Tipo.
Alguma identidade também existe nas linhas Peugeot e Citroën, mas as
marcas do grupo PSA não chegam a se prender ao passado — há pouco em
comum entre seus modelos atuais e antigos. Vez ou outra, inspiram-se
na história ao desenhar um novo carro, como se percebe entre o C6 de
hoje e o DS de 1955. Já a Renault, desconectada de tradições, tem
apostado em diferentes estilos a cada geração.
Nos casos de General Motors e Ford, as unidades americanas,
européias e australianas trabalham com diferentes métodos. Nos
Estados Unidos as marcas parecem não se importar em manter ligações
com o passado, salvo em casos específicos de modelos retrô, como no
novo Camaro e no Mustang. Na Europa a identidade com gerações
anteriores já é maior, sendo fácil notar traços em comum entre um
Astra de hoje e um antigo — mas bem menos que no Golf. As divisões
australianas, por sua vez, são mais tradicionais e evoluem devagar o
estilo de seus grandes sedãs e picapes, únicos produtos com projeto
local.
Por fim, tradição é ponto de honra para as marcas britânicas.
Bentley e Rolls-Royce levaram décadas para evoluir seu desenho e,
mesmo na fase de renovação mais rápida iniciada há 10 anos com a
venda das marcas aos alemães (Volkswagen e BMW, na ordem), o legado
dos modelos antigos está evidente nos atuais. Na Aston Martin, o
padrão lançado pelo DB7 influencia — talvez em excesso — os novos
modelos até hoje, enquanto alguns traços do Jaguar XJ6 de 1968 ainda
podem ser vistos nos atuais X-Type e XJ ou no agora extinto S-Type.
Rompimento, só com o novo sedã XF, tão estranho dentro da marca que
poderia receber qualquer outro logotipo na grade que não o do
felino.
Estes exemplos mostram que a decisão de preservar a identidade da
marca não é mesmo um consenso. Elementos notáveis de desenho tendem
a se manter por décadas, mas a necessidade de buscar outro perfil de
clientes, ou mesmo de surpreender e causar sensação no público e na
crítica, pode pôr os velhos padrões de lado. Afinal de contas, o
mais importante é que se chegue a um bom resultado de desenho, esse
fator tão considerado na compra de um automóvel. |
A
Fiat
ainda não se encontrou: cada geração de hatch médio traz um completo
rompimento do que havia na anterior |